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As avaliações do tamanho do bolsonarismo continuam infladas

Mauro Paulino, Diretor-geral do Datafolha e Alessandro Janoni, Diretor de Pesquisas do instituto, publicaram ontem um artigo na Folha de São Paulo. Avaliam eles que o núcleo duro do bolsonarismo reúne em torno de 12% dos brasileiros.

Acho – e mostrei por quê em vários artigos – que esse núcleo é bem menor, cerca de menos de um terço (para arredondar, entre 5 a 6 milhões de pessoas, possivelmente até menos).

O Brasil tem cerca de 150 milhões de adultos (maiores de 18 anos), o que corresponde quase ao número total de eleitores. Ora, 12% de 150 milhões dá 18 milhões. É gente demais. Não há e nunca houve fiéis-combatentes nessa quantidade em nenhum lugar ou época da história (com exceção, talvez, do islamismo, tomando-se, porém, vários países).

Se considerarmos a expressão ‘núcleo duro’ para designar não apenas os defensores incondicionais do governo e sim o conjunto de militantes ou ativistas com atuação cotidiana, não temos esse total, no máximo entre 5 e 6 milhões (ou menos). Se o número desses jihadistas fosse 18 milhões não haveria mais o que fazer. Mais de 10% da população politicamente ativa é uma quantidade não-metabolizável pela democracia. Para entender esta última afirmação é necessário conhecer alguma coisa da chamada nova ciência das redes (mas não vamos tratar do assunto aqui).

O diagrama abaixo tenta discriminar e quantificar os diferentes níveis do que se pode chamar de bolsonarismo (propriamente dito):

Tudo depende, é claro, do que chamamos de bolsonarismo e de ‘núcleo-duro’ do bolsonarismo. Os analistas de pesquisas de opinião costumam confundir militantes com eleitores potenciais ou eleitores que ainda continuam apoiando seu candidato incondicionalmente (muitas vezes para não dar o braço a torcer num ambiente polarizado). Isso está, obviamente, errado. Militante é quem tem atuação dedicada, proativa ou reativa, mas constante, permanente ou intermitente.

Leiam o artigo citado da Folha. Volto em seguida para fazer alguns comentários finais:

Núcleo duro de apoio a Bolsonaro é de 12% da população, aponta Datafolha

Mauro Paulino e Alessandro Janoni, Folha de S. Paulo (04/09/2019)

Presidente é repudiado por 30%, que não votaram nele, reprovam atual governo e não confiam em suas declarações

Com o objetivo de melhor compreender o grau de afinidade e rejeição dos brasileiros ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o impacto das características de seu discurso junto a diferentes estratos sociais, o Datafolha elaborou uma análise de segmentação da última pesquisa nacional.

Por meio da combinação de três variáveis, chega-se a seis grupos distintos numa escala de intensidade que varia do grupo de apoiadores mais fiéis ao de detratores mais críticos do pesselista.

Foram utilizadas na análise o voto declarado no segundo turno da eleição do ano passado, a avaliação que o eleitor faz da atual administração e o grau de confiança nas palavras do presidente.

O núcleo duro de entusiastas de Bolsonaro, isto é, que votou nele no último pleito, classifica sua gestão como ótima ou boa e diz confiar muito nas suas declarações, corresponde a 12% da população brasileira. São bolsonaristas “heavy” (nomenclatura utilizada em pesquisas de opinião para enfatizar a intensidade de um fenômeno).

É o único segmento onde a maioria diz que Bolsonaro se comporta como presidente da República em todas as situações e que seus filhos mais ajudam do que atrapalham o governo.

É o grupo que mais vê melhorias na economia e se mostra otimista quanto ao futuro. Aprovam bem acima da média o desempenho do governo em todas as 18 áreas contempladas pelo estudo, especialmente o setor de comunicações, a política para o meio ambiente, a economia e o combate à corrupção, que na visão do estrato é um dos principais problemas do país.

Como prova da fidelidade a Bolsonaro, a maioria dos que compõem esse subconjunto, ao contrário de todos os outros, concorda majoritariamente com as frases de conteúdo pejorativo proferidas pelo presidente nos últimos meses. A única que não consegue aderência tão expressiva é a que sugere o “cocô dia sim, dia não”para combater a poluição ambiental.

Também relativizam mais a questão do desmatamento da Amazônia e constituem o único estrato onde a maioria não vê prejuízos de investimento em função da crise internacional gerada pelas queimadas. Dão apoio massivo a Bolsonaro no embate contra o presidente da França, Emmanuel Macron.

São na maioria homens, com participação masculina superior em seis pontos percentuais à média de eleitores bolsonaristas. São mais velhos do que o total da população —metade tem mais de 35 anos e quase um terço possui 60 anos ou mais.

Têm participação de brancos e aposentados muito acima da média e metade tem renda superior a três salários mínimos. Quanto à escolaridade, aproximadamente um terço possui nível superior.

No extremo oposto, são classificados como críticos “heavy” do atual presidente 30% dos brasileiros. São entrevistados que não votaram nele, reprovam sua gestão e nunca confiam no seu discurso.

Avaliam negativamente todas as áreas do governo Bolsonaro. A reprovação chega a 92% no combate ao desemprego, a 87% nas políticas contra a miséria, a 83% na área da saúde, 79% no meio ambiente e 77% na educação.

Percentuais parecidos são verificados no grupo ao rejeitarem as frases polêmicas do presidente, na percepção negativa sobre a crise internacional gerada pelas queimadas da Amazônia e ao apontarem os prejuízos que a participação dos filhos de Bolsonaro provoca no governo.

A maioria do estrato acha que tanto a inflação quanto o desemprego e a corrupção vão aumentar no país nos próximos meses.

Quanto ao perfil, o conjunto é composto majoritariamente por mulheres (59% contra 52% na população), além de moradores do Nordeste e negros acima da média da população. A grande maioria tem renda de até três salários mínimos.

Entre os dois extremos, completam o espectro segmentos de graus médio e “light” tanto entre bolsonaristas quanto entre detratores.

Os entusiastas médios correspondem a 22% dos brasileiros. Votaram em Bolsonaro, mas não alcançam grau máximo nas duas outras escalas —não o aprovam ou, se o fazem, não confiam plenamente nas palavras do presidente.

São evangélicos acima da média e, mais do que a população, se mostram otimistas quanto à economia e tendem a avaliar como regular o desempenho do governo nas diferentes áreas.

A maioria condena, no entanto, as frases polêmicas do pesselista e 1 em cada 4 mudaria o voto caso o segundo turno de 2018 fosse hoje.

O segmento bolsonarista “light” totaliza 4% da população. A maior parte tem baixa escolaridade e renda de até dois salários mínimos. Votaram no candidato do PSL, mas o reprovam e nunca confiam no que ele diz.

Na avaliação por área e sobre as frases polêmicas, as opiniões desse subconjunto são mais próximas do segmento de detratores do que de entusiastas —são até mais enfáticos nas críticas às políticas de combate à miséria e ao desemprego, por exemplo. Caso a eleição fosse agora, apenas 22% manteriam a opção por Bolsonaro.

No segmento dos que não votaram no presidente, o grau “light” é determinado pela avaliação no mínimo regular da atual gestão. É um segmento mais jovem que aprova o desempenho em algumas áreas do governo, especialmente esporte e combate à corrupção.

A maioria discorda das frases polêmicas de Bolsonaro e acha que sua agressividade pode atrapalhar investimentos estrangeiros no país. Correspondem a 18% do eleitorado, entre os quais a maioria manteria a rejeição ao candidato caso as eleições fossem agora.

O segmento dos críticos médios, que são 14% dos brasileiros, não votaram em Bolsonaro, mas demonstram algum grau de confiança no presidente.

De todos os estratos é o conjunto menos escolarizado e de menor renda. Reprovam acima da média o desempenho do governo, especialmente no combate ao desemprego. Repudiam de maneira enfática as polêmicas provocadas pelo presidente.

Como se vê, a estratégia de comunicação bolsonarista tende a encontrar aderência em pouco mais de 10% dos brasileiros, que demonstram alto grau de fidelidade ao presidente que escolheram.

Configura, no entanto, causa perdida junto a cerca de 30% dos eleitores e leva risco de ruído ao restante dos segmentos pendulares, onde políticas públicas adequadas se mostram mais urgentes do que qualquer tipo de discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Já mostramos, em outros artigos, que o bolsonarismo deve ser diferenciado, como força política, do eleitorado mais ou menos fiel de Jair Bolsonaro em 2018. Ou seja, mostramos por que não devemos confundir militantes bolsonaristas com eleitores, apoiadores e simpatizantes de Bolsonaro.

O tratamento que damos a questão tem implicações políticas. Como foi dito no artigo linkado acima,

O imperativo democrático atual não é impedir que Bolsonaro tenha maioria em 2022 e sim impedir que o bolsonarismo ultrapasse 10% do eleitorado total antes de 2022. Dar de barato que o bolsonarismo já atingiu esses patamares nos descapacita para agir no sentido de evitar que ele os atinja e reduz a ação política necessária no presente a incertas tentativas de conseguir um candidato capaz de derrotá-lo no futuro. Isso seria um erro crasso. Bolsonaro tem de ser parado – removido do governo por meios pacíficos e legais ou constrangido a mudar de comportamento pela oposição e pela resistência democrática das instituições e da sociedade – agora, bem antes das próximas eleições, antes que o bolsonarismo cresça além do patamar controlável pelo processo democrático.

Como força política o bolsonarismo é uma organização, ainda que informal, plenamente caracterizável. Os conjuntos de eleitores que se comportam em apoio – mais ou menos forte – a Bolsonaro, não pode ser caracterizado a não ser em cada momento (pois depende de fatores conjunturais: do desempenho da economia, das correlações políticas de forças, das percepções da população sobre os acertos e erros do governo e das sensações de bem-estar ou de mal-estar das pessoas).

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