O populismo e o declínio da social-democracia
Sheri Berman e Maria Snegovaya, Journal of Democracy em Português (01/11/2019)
Este artigo foi retirado da edição de novembro de 2019 do Journal of Democracy em Português — publicação do Plataforma Democrática, uma iniciativa da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.
Sheri Berman é professora de ciência política do Barnard College. Sua obra inclui Democracy and Dictatorship in Europe: From the Ancien Régime to the Present Day [Democracia e ditadura na Europa: do Ancien Régime ao presente] (2019) e The Primacy of Politics: Social Democracy and the Making of Europe’s Twentieth Century [A primazia da política: social-democracia e a formação da Europa do século vinte] (2006). Maria Snegovaya é pesquisadora pós-doutoranda do Centro de Estudos Internacionais e de Segurança da Universidade de Maryland e pesquisadora adjunta do Centro de Análise de Política Europeia e da Free Russia Foundation.
Por toda a Europa, partidos tradicionais da esquerda parecem estar em um estado de declínio irreversível. Na Europa Ocidental, o apoio a partidos sociais-democratas e socialistas despencou até a insignificância nas eleições da França e dos Países Baixos em 2017. Nas eleições parlamentares de 2018 da Alemanha, o antes poderoso Partido Social-Democrata (SPD) recebeu sua menor votação desde o fim da República de Weimar e, na Escandinávia, há muito um reduto da social-democracia, partidos de centro-esquerda lutam para manter entre 25% e 30% dos votos. A situação na Europa Central e no Leste Europeu é ainda pior. Na Hungria, o Partido Socialista (MSzP), inicialmente um dos partidos mais fortes da pós-transição, conquistou apenas 12% dos votos nas eleições de abril de 2018 para a Assembleia Nacional. Na Polônia, a social-democrata Aliança da Esquerda Democrática (SLD) não possui mais representação no parlamento e, na República Checa, apenas 7% dos eleitores optaram pelo Partido Social-Democrata (CSSD) de centro-esquerda. A tendência continuou nas eleições de maio de 2019 para os 751 assentos do Parlamento Europeu, onde o bloco Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas perdeu 38 das 191 cadeiras que havia conquistado em 2014.
Apesar da natureza continental dessa tendência, a maioria das explicações dos problemas da esquerda foca em fatores idiossincráticos específicos à região. Por exemplo, muitas análises da redução do apoio a partidos de esquerda na Europa Ocidental enfatizam mudanças nas estruturas de classe e de valores. O declínio da manufatura na Europa Ocidental no fim do século 20 enfraqueceu a classe trabalhadora e os sindicatos, encolhendo a tradicional base eleitoral da esquerda e reduzindo o peso de organizações que haviam sido suas mais importantes afiliadas. Durante o mesmo período, valores pós-materialistas como autoexpressão, ambientalismo, cosmopolitismo, liberdade sexual e igualdade de gênero assumiram nova proeminência em sociedades ocidentais. Eleitores imbuídos desses valores consideravam-se de esquerda, mas diferenciavam-se de eleitores tradicionais de esquerda, que permaneciam ligados a identidades nacionais, priorizavam a lei e a ordem e preferiam o crescimento à proteção ambiental. As divisões entre os eleitores da “nova” e da “velha” esquerda deixaram partidos socialistas e social-democratas em conflito e confusos.
Para o Leste Europeu pós-comunista, uma explicação popular para o declínio da esquerda destaca o viés contrário aos governantes então em exercício. Segundo essa visão, eleitores desiludidos sem forte identificação partidária simplesmente puniram os mandatários através do voto. Isso resultou em uma alternância de poder entre reformistas lentos e rápidos, representados (aproximadamente) por antigos partidos comunistas reformados e a oposição democrática de centro-direita, respectivamente. Outras explicações atribuem a queda no apoio à esquerda a uma baixa organização partidária, conflitos internos e escândalos de corrupção.
Embora todos esses fatores mereçam ser considerados, não explicam sozinhos o declínio da esquerda. Como essa tendência não está limitada à Europa Central ou ao Leste Europeu, nem mesmo à Europa como um todo, a explicação precisa envolver algo mais amplo do que acontecimentos no nível regional.
Defendemos que há, de fato, um fator comum subjacente ao declínio da esquerda na Europa e em outras partes do mundo: o deslocamento da esquerda para o centro em questões econômicas e, em particular, sua aceitação de reformas “neoliberais” como a privatização de partes do setor público, redução de impostos e cortes em políticas sociais e desregulamentação dos negócios e do setor financeiro. Embora esse deslocamento tenha feito algum sentido no curto prazo, no longo prazo teve consequências deletérias ou até mesmo fatais. Desbotou o perfil histórico distinto da esquerda; tornou os partidos socialistas e social-democratas incapazes de tirar proveito do descontentamento geral em torno dos efeitos das reformas neoliberais e da crise financeira de 2008; criou incentivos para que partidos enfatizassem questões culturais e sociais em vez de econômicas ou de classe; e enfraqueceu a natureza representativa da democracia. A mudança do perfil econômico da esquerda, em resumo, merece assumir o destaque em qualquer descrição de seu declínio. Além disso, essa mudança e suas consequências têm sido cruciais para a ascensão de uma direita nativista e populista e para problemas mais amplos enfrentados atualmente pela democracia na Europa Ocidental e no Leste Europeu, bem como em outras partes do mundo.
O capitalismo, ou melhor, a reação contrária a ele, é a razão da existência da esquerda moderna. Quando o capitalismo emergiu nos séculos 18 e 19, levou a um crescimento econômico e inovação sem precedentes — mas, também, a uma desigualdade econômica e insegurança dramáticas, bem como a uma imensa fratura social. Em resposta a isso, emergiu um movimento socialista internacional, com o marxismo como sua estrela guia ideológica. No fim do século 19, esse movimento estava dividido devido à diferença entre as visões sobre como lidar com o desenvolvimento do capitalismo. Diferentemente das previsões feitas por Karl Marx em meados daquele século, o capitalismo não estava entrando em colapso. Algumas pessoas da esquerda argumentavam, então, que, em vez de esperar que a história seguisse seu curso, as pessoas de esquerda deveriam formar uma vanguarda revolucionária que agiria para pôr fim ao capitalismo. O russo Vladimir Lenin (1870–1924) foi o defensor mais importante dessa posição, e seus seguidores tornaram-se comunistas.
Outra facção, por sua vez, argumentava que reformar o capitalismo era possível e desejável. Defendia que a esquerda deveria focar não em transcender o capitalismo, mas em garantir que sua imensa capacidade produtiva servisse a fins progressistas e não destrutivos. O pensador político alemão Eduard Bernstein (1850–1932) foi o defensor mais influente dessa visão, e seus seguidores tornaram-se social-democratas.
Esse panorama social-democrata era otimista, até mesmo idealista. Diferentemente dos comunistas e de outros socialistas, os sociais-democratas argumentavam que nem a revolução violenta nem o colapso do capitalismo eram necessários para garantir um futuro melhor. Em vez disso, defendiam a “primazia da política”: seres humanos, agindo coletivamente, poderiam usar o poder do Estado democrático para criar um mundo melhor.
Ao longo do período entreguerras, as facções comunista e social-democrata da esquerda lutaram entre si pelo poder, competindo também contra uma miríade de outras forças políticas (liberais, fascistas, conservadores, anarquistas) que disputavam a supremacia na Europa. Com poucas exceções, entretanto — os comunistas governaram a Hungria por um breve período, e os sociais-democratas gozaram de enorme sucesso político na Escandinávia — , nenhum deles foi capaz de dominar a esquerda ou deter o poder político na Europa. Isso mudou em 1945. Os comunistas assumiram o poder no Leste Europeu, e a social-democracia veio a dominar a esquerda da Europa Ocidental e exercer uma influência decisiva na formação da ordem regional no pós-guerra.
A história da Europa Ocidental
A experiência da Grande Depressão nos anos 1930, quando os fracassos do capitalismo produziram um caos social e alimentaram o apoio ao extremismo de esquerda (comunismo) e de direita (fascismo), produziu um grande impacto nas mentalidades políticas da Europa Ocidental. Após a Segunda Guerra Mundial, atores de todo o espectro político reconheceram que garantir o sucesso democrático e a estabilidade social implicava lidar com os aspectos perversos do capitalismo. Durante o período do pós-guerra, portanto, as nações da Europa Ocidental construíram uma nova ordem, projetada para garantir, ao mesmo tempo, o crescimento econômico e a proteção da sociedade contra as consequências negativas do capitalismo. Essa ordem representava uma nítida ruptura com o passado: após 1945, os governos da Europa Ocidental, em vez de se limitarem ao papel de “vigia noturno” da economia, buscaram agir como guardiões da sociedade e promotores da estabilidade social. O capitalismo sobreviveu, mas era um capitalismo de um tipo bem diferente do que havia existido antes da guerra: era moderado e limitado pelo poder de governos democráticos. Prometeu-se aos cidadãos proteção contra choques e sofrimento econômico, criando o tipo de política de “soma positiva” que permite à democracia florescer. Era exatamente o tipo de abordagem que sociais-democratas haviam defendido desde o início do século 20, mas foi preciso as tragédias dos anos 1930 e 1940 para que suas visões ganhassem uma aceitação mais ampla.
Os trinta anos após 1945 foram o período de maior crescimento econômico da Europa Ocidental, e a democracia se consolidou na região pela primeira vez em sua história. No entanto, apesar desse feito impressionante, o consenso social-democrata acabou se desgastando. Na esquerda, o próprio sucesso da ordem do pós-guerra levou muitos a esquecer que as reformas, embora importantes, eram simplesmente um meio para se chegar a um fim: domar o capitalismo e reconciliá-lo com a democracia e a estabilidade social. Muitos à esquerda estavam satisfeitos com a função de gerenciar a ordem existente, esquecendo-se de que o capitalismo estava em constante evolução e era inerentemente perigoso. Outros, desapontados com o fato de que a perspectiva de um futuro pós-capitalista havia desaparecido e cansados da banalidade e do materialismo da ordem do pós-guerra, simplesmente pararam de focar no capitalismo. Em vez disso, dirigiram sua atenção para correntes intelectuais como o pós-modernismo, multiculturalismo, feminismo e pós-colonialismo, que eram de natureza cultural e não econômica. Durante as últimas décadas do século 20, a esquerda dedicou pouco pensamento estratégico à natureza mutante do capitalismo.
As consequências disso ficaram claras nos anos 1970, quando uma combinação nociva de inflação com desemprego atingiu o Ocidente. Durante as décadas anteriores, uma direita pró-livre mercado estava se organizando e pensando sobre o que via como as desvantagens da ordem social-democrata do pós-guerra. Quando veio a crise, a direita pró-livre mercado já dispunha tanto de explicações como de soluções. Isso, combinado com a incapacidade da esquerda de propor um caminho alternativo viável, ajudou a direita neoliberal a ganhar dominância ideológica com seu argumento de que “não há alternativa”, nas palavras de Margaret Thatcher, à liberalização dos mercados e à redução do papel do Estado.
A ascensão do consenso neoliberal
Então, em uma inversão radical do padrão do pós-guerra, no qual um consenso social-democrata passou a dominar as correntes principais da esquerda e da direita, no final do século 20 um consenso neoliberal dominava ambas. O “novo trabalhismo” de Tony Blair no Reino Unido, os “novos democratas” de Bill Clinton nos Estados Unidos, e o SPD de Gerhard Schröder na Alemanha aceitavam em grande medida as políticas neoliberais e a ideia de que a capacidade do governo de dirigir o desenvolvimento econômico e social era limitado. Sociais-democratas, em outras palavras, deixaram de se apresentar como atentos senhores do capitalismo, conscientes da necessidade de proteger as sociedades de seus aspectos negativos, e passaram a apresentar sua missão cada vez mais em termos tecnocráticos e de eficiência. Isso foi acompanhado por uma mudança na liderança da esquerda, que passou a ter um perfil de elite altamente educada, cujas preferências em muitas questões divergia daquelas dos eleitores tradicionais de esquerda.
Embora a mudança econômica da esquerda pudesse fazer sentido no curto prazo — quase todos os economistas ortodoxos apoiavam as novas políticas e o crescimento de fato se recuperou após a desaceleração do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 — , suas consequências no longo prazo foram profundas. A mais óbvia é que ela representava uma transformação do perfil histórico da esquerda, até mesmo de sua identidade, que se baseava na luta contra o capitalismo. O sucesso da esquerda — na verdade, o sucesso da Europa Ocidental — após 1945 baseava-se na ideia de que o Estado democrático era capaz de domar ou até mesmo de eliminar as consequências perigosas do capitalismo e promover crescimento e igualdade. Ao abandonar essa visão, a esquerda tradicional estava mal posicionada para capturar o ressentimento e raiva que haviam se materializado quando o enfraquecimento da ordem social-democrata do pós-guerra produziu sua consequência inevitável: desigualdade e insegurança econômica dramáticas, bem como uma enorme ruptura social. A crise financeira de 2008 agravou essas tendências intensificando a frustração popular com o neoliberalismo e as elites e partidos que o haviam abraçado.
Com a esquerda tradicional não mais sendo capaz de capturar o crescente descontentamento popular, uma oportunidade de ouro surgiu para uma força política empreendedora. Essa força revelou-se ser o populismo.
A maioria dos partidos populistas de direita da Europa teve início entre o final dos anos 1970 e 1980, mas, quando surgiram na cena política, quase todos possuíam um perfil econômico conservador. A mudança econômica da social-democracia, bem como um crescente descontentamento gerado pelas consequências das políticas neoliberais e, depois, da crise financeira de 2008 e consequente crise na zona do euro, criaram fortes incentivos para esses partidos mudarem sua direção.
Talvez a mais antiga e bem-sucedida transformação desse tipo tenha ocorrido na França: a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen originalmente defendia políticas neoliberais, incluindo uma baixa carga tributária e um Estado pequeno. De fato, Le Pen chegou a se gabar de ter adotado os princípios da política econômica de Reagan e de Thatcher antes de terem virado moda. Mas, sob a liderança de sua filha Marine Le Pen (que assumiu em 2011), o partido passou a defender o protecionismo, um Estado intervencionista e uma forte rede de proteção social. O Partido da Liberdade da Áustria passou por mudança similar. Originalmente lar de liberais pró-livre mercado, bem como de antigos nazistas, esse partido posteriormente abraçou o “chauvinismo de bem-estar social” (uma abordagem que enfatiza limitar o Estado de bem-estar social aos cidadãos nativos). Na Dinamarca, o Partido do Progresso dos anos 1970, contrário ao estatismo e aos impostos, fragmentou-se e foi eclipsado por uma facção que se tornou o Partido Popular Dinamarquês (DFP), favorável ao Estado de bem-estar social. O Alternativa para a Alemanha (AfD) começou como um partido conservador de classe média contrário à moeda comum europeia e ao socorro financeiro da UE a países do sul da Europa mas, quando passou a ter representação no parlamento em 2017, havia se transformado em um partido nacionalista de direita que aceitava proteção social “para os alemães”. O Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) e a Liga (antiga Liga Norte) na Itália também começaram com um perfil econômico conservador, mas guinaram para a esquerda em anos recentes. E, durante as eleições parlamentares de 2018 na Suécia, o populista e nativista partido de direita Democratas da Suécia (SD) alegava que, diferentemente dos sociais-democratas, eram eles os verdadeiros defensores do Estado de bem-estar social sueco.
Além de oferecer aos populistas uma oportunidade de capturar o crescente descontentamento com a economia, a transformação econômica da esquerda intensificou a saliência de insatisfações sociais e culturais. Como a esquerda e a direita convergiam em questões de política econômica, politizar temas não econômicos tornou-se, nas palavras de um estudo transnacional, uma “estratégia de sobrevivência” atraente, na medida em que “mudar o tema da disputa permite que partidos se diferenciem melhor uns dos outros e, portanto, evitem perder eleitores por apatia”. Essas dinâmicas também “incentivam o surgimento de novos partidos, que disputam em torno de questões não econômicas”. De maneira similar, com poucas diferenças entre a esquerda e a direita tradicional em questões de política econômica, os eleitores possuíam uma razão para prestar mais atenção a fatores não econômicos.
A mudança do eixo principal de competição política de questões econômicas para sociais beneficia mais a direita populista que a esquerda tradicional. Historicamente, pelo menos, a esquerda se beneficia mais quando há claras identidades de classe e a insatisfação com o mercado é alta. Além disso, a base eleitoral de partidos de esquerda é mais diversa que a da direita (em termos de etnia, religião e identidade sexual) e divide-se entre uma esquerda “nova” ou pós-materialista e uma esquerda “velha”, que permanece ligada a normas sociais tradicionais. Portanto, quando a competição política foca em questões sociais, torna-se mais difícil para partidos social-democratas construir e manter coalizões eleitorais amplas e coesas.
O apelo populista de direita, por outro lado, era limitado antes dessa mudança de rumo econômico. Eleitores de contextos socioeconômicos menos privilegiados, como trabalhadores e aqueles com baixo nível de escolaridade, sempre foram conservadores em questões sociais e culturais; no entanto, também possuem preferências econômicas mais à esquerda. Enquanto partidos populistas de direita defendiam políticas econômicas conservadoras (e flertavam abertamente com o fascismo, que era universalmente rejeitado por eleitores europeus), os eleitores com preferências econômicas de esquerda tinham que abrir mão de certas coisas ao votar neles. Mas, uma vez que populistas de direita mudaram de curso, eleitores com visões sociais conservadoras e preferências econômicas de esquerda não tinham mais que abrir mão de nada ao decidir em quem votar.
Acadêmicos e comentaristas políticos há muito reconhecem que os partidos de direita tentam, particularmente durante tempos econômicos difíceis, direcionar a atenção do público para questões sociais e identitárias, em vez de questões econômicas e de classe. Como um estudo coloca, à medida que a desigualdade cresceu, partidos de direita buscaram cada vez mais “desviar a atenção dos eleitores de interesses para valores”. Eleitores de populistas de direita estão unidos em torno de visões sociais e culturais, e o eleitorado associa partidos populistas a questões como imigração e lei e ordem. (Na linguagem da ciência política, diz-se que esses são temas “de” partidos populistas.) No que se refere às visões econômicas, no entanto, eleitores de populistas de direita estão divididos — por exemplo, entre trabalhadores e microempresários — e, portanto, é do interesse de partidos populistas manter questões sociais e não econômicas no topo da agenda política. Como argumenta um estudo, “partidos radicais de direita empregam” diferentes estratégias com relação a questões econômicas e não econômicas: “competem em questões não econômicas, mas não deixam claras suas posições em questões econômicas”. Portanto, dadas as guinadas de rumo da centro-esquerda e da direita populista, não é de surpreender que, ao longo dos últimos anos, muitos eleitores que, em outras épocas, teriam votado na primeira começaram a votar na última.
A mudança econômica da esquerda da Europa Ocidental não trouxe apenas consequências importantes internamente: também influenciou a evolução da esquerda no Leste Europeu pós-comunista. Para obter legitimidade, muitos partidos de esquerda do Leste Europeu se modelaram em torno de seus pares da Europa Ocidental — e, no final do século 20, isso significava adotar políticas neoliberais e se projetar como partidos de tecnocratas e pragmáticos. Além de oferecer um modelo detalhado com o qual um partido moderno de esquerda deveria se parecer, a esquerda da Europa Ocidental apoiou o consenso neoliberal dominante entre as instituições internacionais que foram essenciais para definir a transição do comunismo para a democracia capitalista no Leste Europeu. Como os países do Leste Europeu estavam bastante endividados e ansiosos por fazer parte da União Europeia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a UE tiveram enorme influência sobre eles. Em alguns desses países, partidos da esquerda abraçaram as reformas promovidas por instituições internacionais de maneira ainda mais intensa que os partidos da direita (estavam mais dispostos, por exemplo, a adotar políticas de austeridade fiscal e cortes orçamentários). Como no caso da Europa Ocidental, isso trouxe consequências trágicas.
A história do Leste Europeu
Como no Ocidente, a aceitação das políticas neoliberais por grande parte da esquerda no Leste Europeu fez sentido num primeiro momento. Permitiu a esses partidos se distanciar do passado comunista e sinalizar que abraçavam o consenso econômico ocidental e que estavam comprometidos com a adesão à UE. Dada a esmagadora rejeição do comunismo e o forte apoio à adesão à UE entre a população do Leste Europeu, esse reposicionamento foi importante no curto prazo para que os partidos da esquerda pudessem manter seu apoio popular. No longo prazo, entretanto, essa estratégia continha a semente de sua própria destruição.
A transição do comunismo no Leste Europeu criou vencedores e perdedores. Como na Europa Ocidental, os perdedores estavam concentrados entre o eleitorado “natural” da esquerda: trabalhadores menos qualificados e com baixa escolaridade, pessoas idosas e moradores da periferia ou da zona rural. Onde os partidos de esquerda estavam associados com reformas neoliberais durante e após a transição, seu apoio minguou entre aqueles que perderam com essas reformas, criando uma abertura para a direita populista.
Essas tendências ficaram particularmente evidentes na Hungria e na Polônia. Após 1989, o antigo partido comunista húngaro rapidamente se reposicionou como um partido social-democrata (o MSzP), adotando uma bandeira pró-Europa e aceitando as políticas neoliberais defendidas pelo FMI e pela UE. Após se unir a uma coalizão governista com a liberal Aliança dos Democratas Livres em 1994, o partido implementou outras reformas neoliberais — sobretudo o Pacote Bokros de austeridade em 1995, que impunha a desvalorização da moeda húngara e a redução dos benefícios sociais e dos salários em termos reais. O descontentamento com os resultados dessas políticas custou ao MSzP a perda de boa parte de sua popularidade e, nas eleições de 1998, ele perdeu seu status de maior partido do Legislativo.
Fora do governo, o MSzP reorientou-se mais uma vez, prometendo que, caso retornasse ao poder, aumentaria os gastos sociais. Quando uma coalizão governista, com o MSzP como seu maior partido foi formada após as eleições seguintes em 2002, o partido começou a assumir empréstimos para financiar a promessa de aumento de gastos. Teve um desempenho ainda melhor em 2006, dessa vez com a promessa de manter os gastos sociais em um patamar elevado, mas, naquele momento, a dívida assumida como resultado desses gastos levou a Hungria a um conflito com os critérios de estabilidade da UE. O governo liderado pelo MSzP foi, portanto, levado a recuar e implementar medidas de austeridade fiscal, incluindo aumento nos preços de gás e energia e elevação de impostos.
Uma análise de pesquisas de opinião feita por Maria Snegovaya mostra que, a cada rodada de austeridade, a popularidade do MSzP diminuía entre os eleitores. Um novo pacote de austeridade foi anunciado em junho de 2006, e o apoio ao partido caiu 12 pontos percentuais entre maio e agosto daquele ano. Portanto, mesmo antes do vazamento do áudio, em setembro de 2006, no qual o primeiro-ministro do MSzP admitia que havia mentido sobre as dificuldades econômicas que a Hungria enfrentava e antes de os húngaros começarem a sofrer com as consequências da crise financeira de 2008, as sondagens eleitorais mostravam que o apoio ao MSzP havia caído dramaticamente. Enquanto isso, o apoio ao Fidesz (um partido populista de direita) e, posteriormente, ao partido de extrema-direita Jobbik (Movimento por uma Hungria Melhor), estava aumentando. Ambos os partidos atacavam o MSzP e prometiam promover justiça social, oferecer “empregos honestos com salários honestos” e lutar pelo interesse “do povo”. Nos anos 2010, a maioria dos trabalhadores operários apoiava o Fidesz e o Jobbik. Em entrevistas, alguns trabalhadores pareciam se sentir envergonhados de admitir que haviam votado no MSzP, partido que havia entrado em completo descrédito por seu apoio a políticas econômicas neoliberais e seu envolvimento em vários escândalos de corrupção.
A esquerda polonesa seguiu uma trajetória similar. Como o MSzP, a Aliança da Esquerda Democrática (SLD) — sucessora do partido comunista polonês — detinha inicialmente o apoio de trabalhadores, pensionistas e alguns membros da classe média. Também como o MSzP, a SLD, após assumir o poder em 1993 numa coalizão com o Partido Popular da Polônia (PSL), de base rural, adotou uma agenda que envolvia privatizações, desregulamentação, políticas fiscais e orçamentárias austeras e abertura da economia polonesa ao investimento estrangeiro. Após um desempenho ruim nas eleições parlamentares de 1997, o partido mudou seu discurso, prometendo aumentar o apoio àqueles que sofriam com os resultados das mudanças na economia. Isso ajudou a SLD a voltar ao poder após as eleições de 2001 numa coalizão com a União do Trabalho (UP) e o PSL.
Mas, com a Polônia prestes a se juntar à UE, a necessidade de atender os critérios de ingresso da UE forçou o novo governo a aprovar novas reformas neoliberais, incluindo o aumento de impostos e cortes em gastos sociais (o gasto total previsto no orçamento de 2002 era quase 20% menor do que o do ano anterior). Essas mudanças resultaram numa rápida queda do apoio ao novo governo. Entre novembro de 2001, quando os cortes foram anunciados, e dezembro de 2002, sondagens eleitorais mostravam uma queda de 20 pontos percentuais para a SLD. Pouco tempo depois, como na Hungria, emergiram escândalos de corrupção, intensificando a repulsa popular ao governo. Quando novas medidas de austeridade fiscal foram introduzidas no final de 2003, a esquerda estava sob ataque, e a SLD recebeu apenas 11,3% dos votos nas eleições parlamentares de 2005. Nos anos seguintes, muitos dos antigos apoiadores da SLD voltaram-se ao populista de direita Lei e Justiça (PiS). Esse partido criticava a natureza da transição da Polônia de maneira geral e as consequências das políticas neoliberais em particular, prometendo proteger aqueles que foram “abandonados” na nova Polônia.
Antecipando-se à direita populista?
Em alguns países da Europa Central, partidos de esquerda preferiram políticas econômicas mais protecionistas, reconquistaram o apoio de eleitores da classe operária e, portanto, deixaram uma abertura menor para a direita populista. Na Eslováquia, após o Partido da Esquerda Democrática (SDL) ter participado do processo de reforma neoliberal e, subsequentemente, entrado em colapso, outro partido de esquerda se mobilizou para capitalizar a insatisfação popular. O partido populista Direção (Smer), sob a liderança de Robert Fico, apresentava-se como o protetor dos “eslovacos comuns” contra injustiças sociais cometidas pelo governo anterior, empregadores que não pagavam os salários em dia e a população cigana que, supostamente, roubava os fazendeiros. Esse perfil permitiu ao Direção atrair eleitores tradicionalmente de esquerda e manter questões tradicionalmente “de esquerda” como pobreza e justiça social na mente dos eleitores. O Direção incorporou o SDL em 2005, e o resultante Smer-SD também defendia ajustar o imposto sobre valor agregado da Eslováquia, que tinha alíquota única, passando a taxar mais os mais ricos. Após o bom desempenho nas eleições parlamentares de 2006 permitir a seu partido formar uma coalizão governista, Robert Fico continuou a atacar o neoliberalismo, defendendo políticas redistributivas, incluindo mudanças nas leis trabalhistas, mudança no imposto de alíquota única implementado pelo governo anterior, o fim dos honorários médicos e a introdução de pagamentos adicionais a pensionistas e a famílias que acabavam de ter filhos. Ao combinar políticas econômicas de esquerda com um nacionalismo moderado, o Smer-SD conseguiu assegurar uma posição dominante no parlamento por boa parte da década seguinte.
A pesquisa de Maria Snegovaya também mostra que a capacidade de populistas de direita de se apresentarem como defensores do Estado de bem-estar social contribuiu para seu sucesso no Leste Europeu. Em pesquisas estipulando que partidos de esquerda abraçavam políticas pró-mercado, eleitores da classe operária e da classe média-baixa disseram que votariam na direita populista nas eleições seguintes desde que prometessem maior proteção social. Sem tais promessas, os apelos anti-imigração não eram suficientes para fazer com que esses eleitores mudassem seu apoio para a direita populista.
Como na Europa Ocidental, a guinada à direita da esquerda em questões de política econômica não apenas criou uma oportunidade política para a direita populista como também produziu uma dinâmica eleitoral que encorajava discursos social e culturalmente divisivos. Como coloca uma pesquisa, em países do Leste Europeu onde partidos da esquerda abraçaram reformas neoliberais, os políticos incapazes de mobilizar seus apoiadores por conta de discordâncias com a política econômica tinham “incentivos para construir uma divisão sociocultural poderosa na qual pudessem mostrar diferenças programáticas significativas e empregá-las para atrair eleitores”.
Implicações para a esquerda e para a democracia
O declínio da centro-esquerda é uma das tendências mais consequentes das últimas décadas. Embora muitos fatores tenham contribuído para esse declínio, acreditamos que a guinada econômica da esquerda tenha sido preponderante.
Primeiro, não se tratou meramente da mudança em políticas, mas uma mudança dramática no perfil da esquerda, até mesmo de sua identidade. Do fim do século 19 ao fim do século 20, a característica distintiva da esquerda social-democrata era sua insistência — diferentemente dos comunistas, liberais e outros — de que era possível usar o Estado democrático para mitigar ou até mesmo eliminar os efeitos mais destrutivos do capitalismo. Essa visão social-democrata era, também, a base da ordem do pós-guerra sobre a qual a democracia na Europa Ocidental foi construída após 1945. A mudança no rumo econômico da esquerda social-democrata ao longo do século 20 resultou em um significativo desbotamento daquilo que a tornava distinta e atraente. E então, quando as consequências econômicas e sociais negativas das políticas neoliberais tornaram-se claras, muitos eleitores decidiram que havia poucas razões para se votar na esquerda.
Segundo, focar na guinada econômica da esquerda nos ajuda a entender por que partidos de esquerda têm enfrentado problema na Europa Ocidental e no Leste Europeu, bem como em regiões como a América Latina. Como argumenta Kenneth Roberts, movimentos populistas emergiram sobretudo em países como Venezuela, Bolívia e Equador, onde reformas neoliberais foram implementadas “de maneira sorrateira — ou seja, por governos liderados por partidos tradicionais de centro-esquerda ou populistas”. Nesses casos, as pessoas “abandonadas” pelas reformas não puderam mais contar com partidos tradicionais de esquerda para atender suas queixas e, portanto, foram para as ruas protestar e voltaram-se a partidos antissistema.
Terceiro, o espaço político aberto pela transformação econômica da esquerda ajuda a explicar a ascensão do populismo. Na Europa Ocidental, partidos tradicionais da extrema-direita com perfil econômico conservador ou libertário se transformaram em defensores de Estados intervencionistas e redes de proteção social, tirando vantagem da reação negativa à globalização e a medidas de austeridade para aumentar sua atratividade. No Leste Europeu, populistas faziam apelos explícitos a eleitores “abandonados” pelas mudanças na economia e por políticas que partidos de esquerda haviam implementado.
A guinada econômica da esquerda também ajudou a alimentar o populismo ao aumentar a visibilidade de questões sociais e culturais. Com menos diferenças entre os partidos tradicionais em termos econômicos, lideranças partidárias, bem como eleitores, dispunham de maiores incentivos para focar em outras diferenças. Mas a mudança do eixo principal do debate para questões sociais e culturais ajudou mais a direita que a esquerda. Historicamente, essa última teve melhor desempenho quando focava em questões econômicas e de classe, e está mais dividida internamente em questões sociais e culturais, enquanto o apelo populista de direita está baseado principalmente em questões sociais e culturais — a direita se beneficia quando questões econômicas estão menos visíveis no debate político.
A crescente proeminência de questões sociais e culturais também é chave para muitos dos problemas mais amplos que agora as democracias na Europa e além enfrentam. Esses temas tocam em questões de moralidade e identidade. Muitas vezes possuem uma natureza excludente ou “de soma zero” e costumam ser assuntos de difícil negociação. Em contraste, questões sobre a distribuição de recursos econômicos — o eixo principal da competição partidária por grande parte da era do pós-guerra — são mais passíveis de barganhas e acordos, que estão no cerne da democracia.
Por fim, a guinada à direita da esquerda pode ter criado uma abertura para o questionamento de outras normas liberal-democráticas. Durante o período do pós-guerra, aqueles que se sentiam “abandonados” podiam encontrar um defensor de seus direitos nos partidos social-democratas ou de centro-esquerda comprometidos com as regras liberal-democráticas do jogo. Quando esses partidos começaram a abandonar esse papel, o vazio resultante causou problemas para a democracia liberal. Um dos papéis mais importantes que os partidos desempenham numa democracia é oferecer aos cidadãos uma voz institucionalizada. Mas, se os partidos tradicionais deixam de preencher essa função representativa, os eleitores que acreditam que seus interesses, demandas e preferências estão sendo consistentemente ignorados podem se tornar suscetíveis a apelos feitos por partidos que questionam a legitimidade da própria democracia liberal. É difícil, se não impossível, separar essa crise de representação do declínio da esquerda social-democrata ou da centro-esquerda.
Olhando para o futuro
O que o futuro reserva para a esquerda e para a democracia? Podem os partidos da “nova esquerda” assumir o papel desempenhado por partidos social-democratas ou de centro-esquerda durante as décadas do pós-guerra? Na Alemanha, o Partido Verde — talvez o mais velho dos partidos da “nova esquerda” na Europa — recentemente ultrapassou o Partido Social-Democrata (SPD) nas pesquisas de opinião. Mas esse partido, como seus pares em outros países, se distingue principalmente por suas visões de “esquerda” em questões não econômicas como o meio-ambiente e a imigração, e não por um programa econômico consistentemente de esquerda. Isso explica por que os verdes foram capazes de se aliar no nível estadual com o partido de centro-direita União Democrata-Cristã (CDU) e o liberal Partido Democrático Liberal (FDP). Esses partidos da “nova esquerda” atraem principalmente a população urbana, altamente educada, profissional e cosmopolita, e estão mal posicionados para capturar o apoio daqueles que se sentem economicamente “abandonados”. Em parte por esse motivo, não está claro se esses partidos são capazes de obter apoio suficiente (em sistemas de representação proporcional) para garantir governos de coalizão forte na esquerda democrática, muito menos formar um governo próprio.
Também não está claro quais serão as consequências para a democracia se a competição política se tornar ainda mais fortemente focada em questões sociais e culturais frequentemente priorizadas pela “nova esquerda” e por partidos populistas de direita. No Leste Europeu, o eleitorado “natural” para partidos da “nova esquerda” é muito menor do que no Ocidente, o que torna muito menos provável que esses partidos possam substituir eleitoralmente a “velha esquerda” ou que sirvam de âncora para a democracia.
É possível, portanto, que partidos da “velha esquerda” consigam se reinventar? Assim como a mudança econômica fora o principal fator do declínio da esquerda, uma mudança também será necessária se a esquerda quiser reviver sua prosperidade política. Como se observou acima, eleitores que preferem políticas econômicas de esquerda estão divididos em questões sociais. Se a competição política focar em tais questões, esses eleitores irão se dividir entre a velha esquerda, a direita populista e (na Europa Ocidental) a nova esquerda. Por outro lado, eleitores da direita populista estão unidos em suas visões em questões sociais, mas divididos em visões econômicas (o mesmo se aplica, em grande medida, aos eleitores do Partido Verde). Se a competição focar em questões sociais, esses partidos permanecem unidos, mas se focar em questões econômicas, terão que fazer escolhas difíceis. Para avançar, em resumo, a esquerda tradicional precisa diminuir a saliência das questões sociais e identitárias e aumentar a saliência das questões econômicas e de identidade de classe na competição política.
Um lugar em que isso parece ter ocorrido, pelo menos em parte, é Portugal. Após as eleições de 2015, um governo socialista chegou ao poder, apoiado pelos comunistas e dois outros pequenos partidos de esquerda. Embora esses partidos diferissem em questões importantes e houvessem previamente sido incapazes de formar uma coalizão, eles concordavam com uma prioridade: pôr fim ao severo programa de austeridade implementado pelo governo anterior de centro-direita. Nos anos anteriores, a economia portuguesa havia encolhido, o desemprego e a pobreza aumentado e jovens deixavam o país aos montes. O governo socialista imediatamente reverteu muitas das políticas que haviam atingido a classe trabalhadora e a classe média em particular, incluindo cortes em salários, pensões e pagamentos da seguridade social. A virada foi impressionante: outrora classificado como um caso econômico perdido junto com a Grécia e a Itália, Portugal tornou-se o caso de sucesso da Europa, com recuperação do crescimento econômico e redução dramática do déficit orçamentário (o atual déficit de 0,5% do PIB é o mais baixo já registrado em Portugal em 45 anos). Como descreveu o New York Times: “em um momento de crescente incerteza na Europa, Portugal desafiou seus críticos, que haviam insistido na austeridade como a resposta à crise econômica e financeira do continente”.
Se os partidos de esquerda forem passar por uma revitalização política, precisarão oferecer mais uma vez aos eleitores uma imagem clara do que defendem. Em Portugal, como os socialistas chegaram ao poder com a ajuda de outros partidos de esquerda e não como parte de uma coalizão ampla, foram capazes de ressaltar as diferenças entre a esquerda e a direita em questões econômicas. Isso lembrou os eleitores que a democracia oferece escolhas claras e ajudou a manter as questões econômicas como o eixo principal da competição política.
O sucesso, tanto para a esquerda como para a democracia, também exigirá resgatar o otimismo com a política. O primeiro-ministro socialista de Portugal António Costa e seus aliados ressaltaram a rejeição da esquerda à ideia de que o destino dos cidadãos ou de seu país está fora de suas mãos. Como afirma Costa, o programa de seu governo foi desenhado para deixar claro que “há uma alternativa ao ‘não há alternativa’”. Em um discurso ao Parlamento Europeu, ele lembrou seus colegas de que “o que distingue a política democrática do populismo é que a política democrática não explora os medos. […] A política democrática responde aos problemas, combate os medos e as angústias, devolve a esperança no futuro”. A esperança é o que irá restaurar a “confiança nas instituições democráticas e na União Europeia”.
Se a esquerda puder, mais uma vez, oferecer políticas econômicas distintas e convincentes, que promovam melhores oportunidades para todos, o apelo de mensagens social e culturalmente divisivas diminuirá. Isso reduzirá o apoio a partidos populistas (ou oferecerá um incentivo para que tais partidos moderem suas posições), e a política se tornará menos polarizada e menos um jogo de soma zero. São essas as condições necessárias para que a democracia prospere novamente.


