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Por que não sou de direita, nem de esquerda

Há 25 anos venho dizendo que o esquema interpretativo esquerda x direita perverte a política porque a transforma de uma questão de modo (o que ela é realmente, modo de regulação de conflitos) em uma questão de lado (a política como continuação da guerra por outros meios).

Em 1997 publiquei um livro sobre isso: O novo partido: a crise da forma-partido tradicional e o surgimento de novos sujeitos políticos na sociedade brasileira.

Mas até hoje as pessoas (que se dizem de esquerda) insistem em dizer que quem não aceita o esquema esquerda x direita é porque é de direita. Fazer o quê? Essa “herança maldita” da revolução francesa, exacerbada pela política bolchevique, é uma gosma pegajosa da qual não conseguimos nos desvencilhar.

O problema é o modo de ver. A esquerda inventou a esquerda e, pelo mesmo movimento, a direita. Os que se guiam pela divisão esquerda x direita olham conteúdos (ideias e crenças) e não comportamentos políticos. Veem os atores e suas opções e predileções intelectuais, mas não veem a rede. E até hoje não descobriram que é como – e com quem – uma pessoa vive e convive que condiciona o que ela pensa (ou seja, que ideias não mudam comportamentos: só comportamentos mudam comportamentos).

Não sou de esquerda, nem de direita, porque não valorizo esse tipo de clivagem e não reconheço sua consistência epistemológica. Mas até hoje muitos (sobretudo idiotas que pertenceram a conventículos ideológicos) acham que sou de direita porque não sou esquerda (ou, vice-versa, que sou de esquerda porque não sou de direita).

Quando há polarização entre forças políticas populistas, ditas de esquerda ou de direita (ou extrema-direita), a tolice vira critério: no Brasil atual, por exemplo, se você não apoia o PT (ou não engole a sua metafísica) é porque é de direita e se não apoia Bolsonaro é porque é de esquerda. Lamentável!

Nota 

Isso nada tem a ver com votar em Lula para impedir a reeleição de Bolsonaro, o que é o correto a ser feito do ponto de vista da democracia liberal. Não porque Lula seja um democrata liberal. Não, ele não é! E ele mesmo não acha que seja. Lula é um democrata eleitoral neopopulista. O que é melhor do que ser um autocrata-eleitoral populista-autoritário (como Bolsonaro).

Não sou de esquerda, nem de direita – mas voto em Lula em 2022 (sem, entretanto, engolir a baba do PT).


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