Algumas pessoas estão torcendo para tudo voltar logo ao normal. O que elas não percebem é que o que chamam de normal era anormal. Partamos do conceito de Maturana de que um sistema que não cuida da vida de seus membros não é um sistema social e sim antissocial. Então? Um sistema antissocial é anormal para o humano.
Como não haverá uma mudança global que substitua o mundo antissocial por um mundo propriamente social (quer dizer, humano), de vez que não há mais um mundo único, nem uma grande narrativa totalizante que possa convencer, comover e mobilizar as pessoas para inaugurar esse impossível mundo novo, a mudança terá que ser local, ou melhor, glocal.
Mundos glocais mais humanos (quer dizer, sociais) não substituirão mundos antissociais (quer dizer, desumanos). Não se trata de substituição, mas de transição. E a transição em curso, em uma sociedade-em-rede, não poderá ser unitária, senão fractal. Em um mundo estilhaçado em miríades de mundos teremos a coexistência de vários modos de vida e de convivência social.
Sim, teremos ainda ditaduras cruéis ao lado de democracias liberais, de democracias apenas eleitorais parasitadas por governos populistas manipuladores e de novas democracias experimentais.
Teremos organizações hierárquicas, fortemente centralizadas, e também organizações em rede (mais distribuída do que centralizada).
Teremos, talvez ainda por muito tempo, Coréia do Norte e Nova Zelândia, Estados Unidos dirigido por uma elite insuportável tipo America First e a simpática ilha democrática de Malta.
Teremos o estatismo do jihadismo ofensivo islâmico (que sonha com um novo califado universal) e ilhas na rede sociocêntricas ensaiadas, quem sabe, na Noruega, na Islândia, na Finlândia e – por que não? – no Brasil.
A questão é: em que mundos nós queremos viver? Não haverá mais um mundo único, mas as pandemias, as catástrofes naturais provocadas por mudanças ambientais e, eventualmente, até as guerras, mesmo que tendo seu início em algum local, afetarão ainda globalmente os múltiplos mundos. Porém – e aqui está o ponto – de formas diferentes.
Queremos viver em mundos glocais que sejam capazes de assimilar e metabolizar esses eventos catastróficos de consequências globais de modo que não ameacem a vida, não ensejem a restrição das liberdades e causem o mínimo possível de sofrimentos aos humanos e aos seres sencientes.
Algum grau de self-reliance deverá haver para que isso seja possível. Não apenas em termos de subsistência (quando, por exemplo, faltarem – ou se tornarem escassos – água potável, ar respirável, alimentos, energia e proteção eficaz contra intempéries e doenças), mas também em tudo que diz respeito àquela convivência que nos torna cada vez mais humanos (e não cada vez menos humanos). Sim, humano não é um dado de partida (só o humanizável o é), mas um processo (de humanização).
Não se trata, portanto, de voltar às velhas comunidades de sobrevivência, baseadas em herança, que acabam trancando o futuro ao se tornarem comunidades de destino.
Não se trata de se isolar em comunidades tradicionais, baseadas em localismo não-cosmopolita, nem de reeditar as comunidades alternativas dos anos 70 do século passado, que queriam antecipar uma nova era.
Não! Pois agora serão muitas eras, coexistindo… O tempo acompanha o espaço e o ritmo da vida é ditado pelas correntes subterrâneas que percorrem o espaço-tempo dos fluxos. O fluxo interativo da convivência social é tudo, se pensamos em novos mundos sociais (e não antissociais).
Pensemos então em novos mundos-bebês. Mundos bebês em gestação.


