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Passou da hora, para os democratas, de ligar o alerta vermelho e tomar uma nova atitude

A situação está assim como está – com uma família de autocratas, corruptos e psicopatas, ligados a milicianos, na chefia do governo – por falta de oposição democrática.

Sempre que os democratas falham (ou são insuficientes), desastres acontecem (com a democracia, claro).

Vejam o que aconteceu com Lula. Em dezembro de 2005 o índice de aprovação do seu governo era de apenas 29%. Como os que deveriam exercer o papel de democratas (sobretudo os tucanos), renunciaram à sua missão de oposição e salvaram Lula do impeachment, ele se recuperou – manteve o Bolsa Família – e chegou a alcançar, em dezembro de 2010, 80% de aprovação.

O mesmo está acontecendo agora. Os que deveriam exercer o papel de oposição democrática não iniciaram, quando deveriam, a campanha pelo impeachment de Bolsonaro (não importa se já houvesse ou não votos no Câmara para aprová-lo, o fundamental era iniciar a campanha). Ele então foi se recuperando – surfou no auxílio emergencial – e saiu de 32% de aprovação em maio de 2020 para 37% agora em agosto (segundo o Datafolha). E está subindo, pelo menos por enquanto.

Populistas que são, ambos – Lula e Bolsonaro – se recuperaram distribuindo dinheiro, ainda que por razões justificáveis. Mas a democracia não pode ficar tão vulnerável assim a populistas que fazem bons programas de transferência de renda, permanentes ou emergenciais. Do contrário é melhor esquecê-la e adotar logo o regime do tirano de Brunei, Hassanal Bolkiah, que dá casa, comida e roupa lavada para o povo desde que não se conteste o seu domínio autocrático.

“Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado”, escreveu Orson Scott Card. Deve-se entender isso não como uma crítica à democracia representativa e sim como uma evidência de que a democracia não pode ser reduzida a eleição. Sim, a primeira providência para destruir a democracia é reduzi-la às eleições.

Claro que, distribuindo dinheiro, qualquer governo melhora sua avaliação e pode garantir sua reeleição. Se não fosse por isso, os populismos não floresceriam. E não se delongariam no poder.

A pesquisa Datafolha (11-12/08/2020) revelou que o índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.

A pesquisa Datafolha confirma a pesquisa PoderData (03-05/08/2020). Esta última, porém, resolveu extrapolar um execício de imaginação, consultando a população sobre as eleições de 2022. Deu Bolsonaro disparado na frente, é claro. Simplesmente porque não existem ainda concorrentes (a não ser, talvez, Ciro e Haddad), Bolsonaro é o único sob holofotes e as ruas não podem falar em razão da pandemia.

Seria uma pesquisa inútil, a não ser por duas coisas: 1) é péssima para Ciro (mostrando que não há como voltar ao século 20) e 2) revela que Moro é um perigo real (o único que empataria com Bolsonaro no segundo turno). De qualquer modo é espantoso que um número tão grande de pessoas (embora menor do que o de todos os presidentes eleitos anteriores) continue apoiando Bolsonaro.

Conclusão possível neste momento. Se a situação continuar como está – sem oposição e resistência democráticas, sem manifestações de rua, sem desmontagem do esquema de manipulação das mídias sociais para falsificar a opinião pública e sem uma campanha pelo impeachment – Bolsonaro poderá, sim, ser reeleito.

Para além das especulações eleitorais, entretanto, é mais um sinal de que nossa democracia foi hackeada (para o mal). Só um poderoso netweaving de democratas poderá neutralizar esse hackeamento. Nos modos tradicionais do fazer político e com três messianismos disputando a preferência popular – o bolsonarismo, o lulopetismo e o morismo (ou lavajatismo) – não tem jeito. Seja qual for o resultado dessa disputa a democracia brasileira sucumbirá mais uma vez aos populismos. Passou da hora, para os democratas, de ligar o alerta vermelho e tomar uma nova atitude. Ou então começar a pensar em 2026.

Depois de a democracia ter sido hackeada é muito difícil trocar o governo apenas por meios eleitorais. Populistas, que usam as eleições contra a democracia, não perdem eleições facilmente. Sem as ruas, o parlamento e os tribunais, é muito difícil tirá-los do poder.

Um exemplo mais atual é o de Aleksander Lukashenko, ditador de Belarus, que conquistou 79,7% dos votos nas eleições presidenciais. Há protestos nas ruas e acusações generalizadas de que a votação foi fraudada. Tudo inútil. Populistas usam as eleições contra a democracia e, assim, não podem ser removidos facilmente apenas por eleições.

Mas é possível interromper a marcha insana de Bolsonaro antes das eleições? Sim, é possível. O que cada vez fica mais difícil é interrompê-la lá em 2022.

Impeachment. Alguém lançou a ideia de que o impeachment é impossível se o presidente tem mais de 15% de aprovação popular. Esta é uma hipótese que adquiriu ares de verossimilhança pela repetição bovina, não por qualquer evidência sólida. Pior, virou uma espécie de lei da gravidade da política. Ora, o impeachment é a campanha do impeachment e os resultados de pesquisas de opinião são apenas um dos fatores a considerar. A campanha do impeachment muda a correlação de forças e, por consequência, inclusive os índices de aprovação.

Quem repete que o impeachment é impossível se tais ou quais condições não estiverem dadas, na verdade apenas saca alegações para não iniciar a campanha do impeachment. Os impeachments de Collor e de Dilma também não teriam ocorrido por iniciativa das instituições. Só aconteceram porque as ruas falaram.

Se milhões saírem às ruas (quando a pandemia deixar) quero ver se o Congresso vai poder usar essa desculpa. E vamos ver então se os analistas políticos vão continuar repetindo – como se fosse uma verdade evidente por si mesma – essa lei de ferro dos 15%. Aliás, Temer chegou a ter menos da metade disso (7%) e o Congresso, por duas vezes, não deu licença para que fosse processado. Não existem leis na política, não, pelo menos, como existem na física. O fracasso do Fora Temer mostra que não existe essa lei de ferro dos 15%. Temer terminou o seu mandato (e ele nem foi eleito diretamente).

Claro que é difícil. Há de fato um estado de anestesia, nas instituições e na sociedade. O Congresso acha possível manter esse facínora. O STF quando provocado, sai pela tangente. A imprensa, é verdade, denuncia, mas pouco pode fazer, como estamos vendo. A obra bolsonarista de demolição continua.

Repetindo. A democracia brasileira já foi hackeada. Se não se desmontar o esquema bolsonarista de manipulação das mídias sociais para falsificar a opinião pública, nada feito. Não adiantará tirar um candidato popular da cartola, nem esperar a volta de Ulisses (não o falecido Guimarães, mas o  da Odisseia mesmo) para colocar algum tipo de ordem na casa.

De novo. Gutta cavat lapidem. A democracia brasileira está hackeada (para o mal). É impossível consertar isso pelos meios tradicionais da política (apenas concentrando forças no próximo pleito presidencial, lançando um candidato supostamente competitivo et coetera).

A política no Brasil entrou nessa encruzilhada aziaga (diante de três populismos: bolsonarismo, lulopetismo e morismo) por uma principal razão: deficit de democratas!

Do que se pode projetar a partir da situação atual, para impedir a reeleição de Bolsonaro será necessário:

Desmontar o esquema bolsonarista de manipulação das mídias sociais para falsificar a opinião pública (o que depende, entre outras coisas, dos inquéritos do STF e da CPMI das Fake News).

Dar continuidade às investigações do MP do RJ sobre Queiroz, as rachadinhas e as relações da família Bolsonaro com as milícias.

Reativar e reanimar uma oposição congressual e uma resistência democrática na sociedade que atue cotidianamente em todos os lugares.

Retomar manifestações de rua (se – ou logo que – a pandemia permitir).

Empreender uma campanha pelo impeachment (não importa se Maia – ou seu sucessor – acatará ou não um pedido: o fundamental é começar a campanha) – esta, aliás, seria a única frente eficaz das forças que se opõem a Bolsonaro.

Não bastam movimentos ou articulações do tipo Estamos Juntos, Direitos Já, Somos 70% e outras iniciativas de intelectuais que querem, numa vibe meio de esquerda, reeditar uma velha Frente Ampla programática. É preciso ter um alvo concreto: interromper, o quanto antes, o atual mandato de Jair Bolsonaro.

Ou é isso ou 2026. Talvez.

Bolsonaro, Queiroz e dinheiro vivo 

A doença da alma brasileira