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Bolsonaro diz que não dará um golpe para poder continuar dando um golpe

Chance de golpe é zero, disse Bolsonaro em recente entrevista à revista Veja. Golpe com tanques nas ruas é zero mesmo. Mas quem disse que Bolsonaro está dando esse tipo de golpe? Ele está dando outro tipo de golpe desde que assumiu. Está erodindo, dia após dia, as bases da nossa democracia.

É preciso entender, de uma vez por todas, que há quatro maneiras de matar a democracia:

(1) Invasão estrangeira,

(2) golpe militar,

(3) autogolpe, e

(4) erosão democrática.

O fato de Bolsonaro não ter conseguido emplacar as maneiras (2) ou (3), não significa que ele não esteja aplicando a maneira (4).

A forma mais frequente de “golpe” na época em que vivemos é a erosão democrática, como mostra o gráfico abaixo, elaborado pelo pessoal do V-Dem, da Universidade de Gotemburgo.

É este, inegavelmente, o “golpe” que Bolsonaro está aplicando: não agora, mas desde que assumiu o governo.

A entrevista à Veja e a cartinha do Temer fazem parte do mesmo movimento que Bolsonaro está fazendo para nos enganar, dizendo que não dará um golpe (à moda antiga, com tanques nas ruas) para continuar dando um golpe (no sentido atual do termo, por erosão democrática).

Bolsonaro não mudou uma vírgula no conteúdo das suas declarações e nos seus comportamentos após esses movimentos táticos de enganação do distinto público.

E enquanto ele modera, em parte, alguns discursos, na forma, os bolsonaristas continuam a 100 por hora mentindo para derruir as instituições democráticas. Não pararam de atacar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. Não pararam de tentar desacreditar a CPI da Covid no Senado.

E, inclusive, não pararam de propagar fake news em relação à pandemia, contribuindo para matar pessoas. Vejamos:

Estão desacreditando as vacinas (em especial a Coronavac) dizendo que se pessoas que foram vacinadas com duas doses (como o Queiroga) pegaram Covid é porque as vacinas não funcionam (ou são experimentais).

Estão propagando insistentemente a mentira de que quem já teve Covid não deve se vacinar.

Estão, em alguns casos, dando a entender que quem teve Covid está 100% imunizado.

E estão, criminosamente, fazendo uma campanha anti-máscara, dizendo que quem teve Covid ou foi vacinado não pode infectar outras pessoas.

Somente em relação à pandemia, deixando de lado, por ora, os crimes que cometeu contra a democracia, há quatro razões básicas, já focalizadas pela CPI da Covid, que exigem a condenação de Bolsonaro:

1 – Porque atrasou deliberadamente a aquisição de vacinas apostando na imunização de rebanho, o que acarretou centenas de milhares de mortes que poderiam ser evitadas.

2 – Porque foi contra medidas sanitárias de distanciamento social divulgando um falso “isolamento vertical” (só para idosos e doentes), criando condições para os mais jovens infectarem os mais velhos, que vieram a morrer aos milhares.

3 – Porque divulgou que havia “tratamento precoce” para a Covid com remédios comprovadamente ineficazes (mesmo depois da ciência comprovar sua ineficácia), levando milhares de brasileiros à doença e à morte.

4 – Porque desorganizou propositadamente o sistema de saúde do país, criando condições para que a corrupção grassasse no governo, atrasando a aquisição de vacinas que existiam a pretexto de adquirir vacinas que não existiam intermediadas por bandidos ligados à sua família ou aos seus aliados políticos.

Aliás, Bolsonaro deu uma entrevista negacionista – a dois delinquentes da extrema-direita alemã – nos mesmos dias (08-09/09/2021) em que pediu socorro a Temer para arrumar um jeito de nos enganar, dizendo que não dará um golpe (à moda antiga) para continuar dando um golpe (no sentido atual do termo).

Com efeito, na entrevista concedida a Vicky Richter e Markus Haintz, fundadores, na Alemanha, do partido antivacina “Die Basis” (A Base), ligados ao movimento negacionista Querdenken, Bolsonaro alegou que a Covid “apenas encurtou” a vida de pessoas que morreriam mesmo de qualquer jeito em “alguns dias ou algumas semanas”, porque “muitas tinham alguma comorbidade”. Nessa mesma entrevista mentiu mais uma vez sobre os números da Covid no Brasil: disse que foram “inflacionados” e voltou a insistir no falso “tratamento precoce”.

Não são evidências de que ele, Bolsonaro, quer mudar. São evidências de que ele quer, isto sim, continuar nos enganando. Para quê? Ora, para ganhar tempo. Tempo para continuar erodindo a democracia. Este é o verdadeiro golpe de Bolsonaro, que está em curso.

Desgraçadamente, por mais que se tente, não se consegue entender por que as pessoas não conseguem entender o que é um golpe no século 21. Será porque elas ainda não conseguiram sair do século 20?

Se Bolsonaro quisesse realmente mudar e aceitar o jogo democrático deveria, em vez de assinar cartas decorativas ou conceder entrevistas com cartas marcadas, tomar algumas atitudes concretas. Por exemplo, recolher todos os decretos armamentistas que editou. Outro exemplo, começar a desaparelhar o governo de milhares de militares, da ativa e da reserva, que ocuparam postos para os quais não têm competência técnica e, em alguns casos, nem mesmo a integridade necessária (como se viu na roubalheira no ministério da Saúde).

Os exemplos do que poderia ser feito são muitos. Extinguir o chamado Gabinete do Ódio, demitindo sumariamente seus integrantes. Usar as mídias sociais para desencorajar os ataques de enxame da facção bolsonarista às instituições do Estado democrático de direito e aos seus integrantes. Substituir os ministros e outros funcionários de primeiro e segundo escalões que não aceitam o regime democrático e tentam diariamente subvertê-lo, por palavras e atos, entregando seus cargos a técnicos com experiência comprovada.

Mas – a essa altura – é inútil ficar especulando. Bolsonaro não fará nada disso. E pior: fará exatamente o oposto. Simplesmente porque precisa fazer o oposto do que é razoável e aceitável para continuar aplicando sua estratégia de envenenar a nossa democracia (e este link é fundamental para entendermos o que está acontecendo).

Só o impeachment poderia barrar essa trajetória insana. Infelizmente não se conta com todas as oposições para isso. A esquerda neopopulista lulopetista quer manter Bolsonaro no governo se desgastando por mais um ano – e ainda torcendo para sua popularidade não cair abaixo de 20% – para poder susbtituí-lo com tranquilidade no segundo turno das eleições de 2022. O país que se dane.

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