Três tipos de corrupção na política considerados devem ser:
TIPO 1 – A corrupção costumeira ou ordinária para se dar bem na vida, levar vantagem em uma transação, subir na carreira, enriquecer, manter ou reproduzir uma posição de poder individual ou grupal.
TIPO 2 – A corrupção com motivos estratégicos de poder, para financiar um Estado paralelo visando se delongar nos governos, vencendo eleições sucessivamente e ganhando tempo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido.
TIPO 3 – A corrupção a serviço do processo de erosão da democracia, promovida por populistas-autoritários para colocar o Estado a serviço da sua facção e transformar as democracias eleitorais em autocracias eleitorais.
Se há uma transição do TIPO 1 para o TIPO 2 ou para o TIPO 3 é bom acender o alerta vermelho.
Não há como acabar com a corrupção na política
É impossível erradicar a corrupção na política. Só se não houver mais política. Havendo Estado, haverá alguma corrupção política. Isso ocorre nas democracias e, mais ainda, nas autocracias. Há uma diferença, porém. Nas democracias a corrupção tem chances de se tornar mais visível, ensejando ações para coibí-la. Nas autocracias a corrupção permanece escondida e, quando vem à luz, muitas vezes nem mesmo como corrupção é considerada (e sim como o direito do senhor de se apossar de qualquer coisa).
Sobre governos democráticos, entretanto, é preciso entender três coisas:
a) que todo governo, mesmo que seja democrático, é oligárquico (ou seja, havendo governo, haverá minorias – oligoi – governantes);
b) que essas minorias governantes tenderão a permanecer no governo, lançando mão de todos os meios possíveis (legais e, às vezes, ilegais) para tanto – nem sempre por razões materiais, para enriquecer ou prosperar economicamente, mas sobretudo por razões ligadas ao que chamam de sucesso, fama ou glória; e
c) que, portanto, a democracia não é um regime sem corrupção e sim um regime sem um senhor (ou seja, a democracia não tem o condão – nem o propósito – de limpar o mundo dos ladrões: ela é, simplesmente, a política que tem como sentido a liberdade).
Claro que nas democracias é mais fácil coibir a corrupção, seja pela maior transparência dos atos dos políticos, seja pela existência de instituições independentes encarregadas de combater a corrupção, seja pela reprovação da sociedade a esses comportamentes (na verdade, a única medida realmente efetiva para reduzir a corrupção política nos médio e longo prazos).
Dito isto, examinemos cada tipo em separado nas democracias.
A corrupção de TIPO 1
A corrupção de TIPO 1 é praticada pelos políticos profissionais, em geral pelos conjuntos de agentes fisiológicos que vivem na e da política (o que atualmente se chama, no Brasil, de centrão), mas não só: populistas também a praticam, sejam democratas eleitorais, sejam autocratas eleitorais. Em geral esse tipo de corrupção é metabolizável pela democracia. Não há notícia de que alguma democracia tenha virado uma ditadura em razão do aumento do número de corruptos de TIPO 1 por metro quadrado.
A corrupção de TIPO 2
A corrupção de TIPO 2 é praticada, em geral, por neopopulistas (que se dizem de esquerda). A maioria dos corruptos desse tipo é composta por democratas eleitorais que são iliberais. Os exemplos são conhecidos e devem ser buscados nas diversas expressões do bolivarianismo ou do que foi chamado de “socialismo do século 21”, como Chávez (na Venezuela), Lula (no Brasil), Evo (na Bolívia), Correa (no Equador), Lugo (no Paraguai), Funes (em El Salvador).
Ocorre que a democracia não é um modelo de regime político e sim um processo: o processo de democratização. A melhor metáfora para ilustrar isso é a da bicicleta: parou de pedalar, cai. Se a democracia eleitoral não se deslocar em direção a uma democracia liberal ela, relativamente, ficará mais próxima de uma autocracia eleitoral; quer dizer, perderá conteúdo liberal e, no limite, deixará de ser uma democracia, como já aconteceu com dois populismos de esquerda: o de Maduro (na Venezuela) e o de Ortega (na Nicarágua), que viraram autocracias eleitorais.
A corrupção de TIPO 3
A corrupção de TIPO 3 é praticada por populistas-autoritários ou nacional-populistas (que se dizem, em geral, de direita e são, na verdade, de extrema-direita). A maioria dos corruptos desse tipo é composta por autocratas eleitorais que são iliberais. Os exemplos são conhecidos: Putin (na Rússia), Orbán (na Hungria), Erdogan (na Turquia), Farage (na Inglaterra), Trump (nos EUA), Grillo, Casaleggio e Salvini (na Itália), os irmãos Kaczyński e Duda (na Polônia), Le Pen (na França) e Bolsonaro (no Brasil – embora não sejamos uma autocracia eleitoral, e sim uma democracia eleitoral, o governo atual do país é populista-autoritário iliberal e o chefe do governo é um autocrata eleitoral).
A corrupção desse tipo está sempre a serviço do ‘estado de golpe’, uma condição em que se torna possível acelerar o processo de erosão da democracia (que é a nova forma de “golpe de Estado” do século 21), algumas vezes sem violar abertamente as leis, mas derruindo as normas não-escritas que sustentam as instituições democráticas.
O grande perigo para a democracia é quando os políticos profissionais, que praticam a corrupção de TIPO 1, resolvem abrir mão do seu ganha-pão (que é parasitar e se aproveitar da democracia eleitoral) porque avaliam que pode ser mais vantajoso conviver com uma autocracia eleitoral do que permanecer defendendo a velha democracia eleitoral. Quando agentes políticos corruptos (no sentido da corrupção de TIPO 1) calculam que é melhor arriscar matar sua “galinha dos ovos de ouro” (a política democrática praticada como profissão) desde que seja possível ficarem indefinidamente no poder, garantidos por um populista-autoritário, a democracia fica em risco. É o que está acontecendo hoje no Brasil, por exemplo, com a atuação de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados e articulador da banda podre do centrão. Neste caso, a corrupção de TIPO 1 se coloca a serviço da corrupção de TIPO 3.
Nossas leis só alcançam a corrupção de TIPO 1
A corrupção de TIPO 1 retira qualidade da democracia e pode drenar, em parte, seu conteúdo liberal, mas não a ponto de derruir completamente a democracia alterando a natureza do regime (ou o “DNA” da democracia). A menos quando ela decai para ou se associa à corrupção de TIPO 2 ou de TIPO 3.
O mais importante, porém, é perceber o perigo de governantes autocráticos honestos (no sentido de não-corruptos individualmente). Stalin, Hitler, Mao Tse-Tung e Pol Pot não eram particularmente conhecidos por serem corruptos. Os ditadores Salazar e Castelo Branco eram honestos. Os autocratas espartanos, verdadeiros varões de Plutarco – que apoiaram e financiaram dois golpes contra a democracia ateniense, em 411 e 404 a.C. – eram honestíssimos (individualmente).
Se Lula – um praticante da corrupção de TIPO 2 – fosse 100% honesto (no sentido de não aderir à corrupção de TIPO 1), seria 1.000 vezes pior. Aliás, os lulopetistas, que praticaram a corrupção de TIPO 2, não eram, em sua maioria, corruptos no sentido da corrupção de TIPO 1. Eram – e continuam sendo – pessoas (individualmente) honestas, não ladrões. Muitos estavam (honestamente) trilhando a via que o saudoso poeta Ferreira Gullar chamou de “a revolução pela corrupção”.
E se Bolsonaro e sua família fossem honestos (no sentido da corrupção de TIPO 1) estaríamos em situação muito pior no Brasil atual, pois – entre outras coisas – a facção governante seria muito menos vulnerável à crítica e à aplicação das leis (o que ainda virá, mais cedo ou mais tarde, após o capitão deixar o governo).
E tudo isso é assim porque não há, no nosso arcabouço legal, dispositivos eficazes para coibir e punir as corrupções de TIPO 2 e de TIPO 3 – a menos quando elas contemplam algum crime de corrupção de TIPO 1. Foi por isso que Lula teve de ser condenado – em um processo mal-instruído, parcial e cheio de irregularidades – por delitos menores, como o de ter se interessado por um triplex palha em Guarujá ou de ter se aboletado em um sítio meia-boca em Atibaia. Os verdadeiros crimes de corrupção de TIPO 2 cometidos por ele e pela direção lulopetista do PT não foram sequer investigados e até hoje não são conhecidos.
A instrumentalização política do combate à corrupção
E é bom entender também que cruzadas de limpeza ética, promovidas por movimentos moralistas-punitivistas, em geral resultam em menos (e não em mais) democracia. Robespierre e seus restauracionistas da revolução francesa não eram corruptos, mas, como já se disse, lançaram ao futuro uma bala de canhão chamada Napoleão. A operação Mani Pulite, na Itália dos anos 90, produziu Berlusconi. A operação Lava Jato, a partir de 2014, contribuiu decisivamente para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A instrumentalização do combate à corrupção para constituir uma força política – como fez o ex-juiz, ex-ministro de Bolsonaro e agora candidato à presidência Sergio Moro – é um perigo real para a democracia brasileira.
A honestidade (individual) – no sentido da não prática da corrupção de TIPO 1 – não pode ser colocada como valor universal acima da democracia. Toda vez que isso acontece, uma sombra autocrática escurece o ambiente político ensejando a corrupção de TIPO 2 ou de TIPO 3 e enfreando o processo de democratização.