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Diretrizes do programa de governo Lula: um plano estatista, populista e iliberal

Seguem abaixo as diretrizes, redigidas pela direção do PT, para o programa de governo de Lula. Não, não é um documento lateral, elaborado por alguma tendência minoritária do partido. Quem redigiu (ou aprovou) essas 90 diretrizes do PT para o programa Lula foi a executiva nacional do PT. Foi gente como Rui Falcão, José Guimarães e Gleisi Hoffmann. Não se enganem. É o velho PT de sempre. Aquele que não aprendeu nada e não esqueceu nada.

Lendo com atenção o documento preliminar (reproduzido a seguir) vemos o quê? O Estado (sob controle do partido no governo) como principal protagonista de tudo. Os apelos repetidos ao povo, ao patrimônio do povo, tão ao gosto populista. E um conjunto de orientações iliberais, que podem ser resumidas em 9 pontos:

1 – Revogar a reforma trabalhista
2 – Derrubar o teto de gastos
3 – Acabar com as privatizações
4 – Colocar a Petrobrás a serviço do povo, intervindo nos preços dos combustíveis
5 – Interferir no câmbio
6 – Usar as empresas estatais para implementar políticas governamentais
7 – Promover uma política industrial a serviço do governo
8 – Superar um suposto ‘Estado neoliberal’
9 – Retomar uma política externa ideológica (onde, como no passado, admite-se a aliança com ditaduras, desde que pertençam ao bloco Sul-Sul ou aos BRICs, supostamente, presume-se, contra o imperialismo norte-americano e o neocolonialismo das democracias liberais europeias)

Nas diretrizes redigidas pela direção do PT para o programa Lula, a palavra soberania aparece 13 vezes (mais do que a palavra democracia – que, quando aparece, não raro vem junta com a palavra soberania). A palavra Estado aparece 12 vezes (e a palavra liberal, muito menos a expressão ‘democracia liberal’, nem uma vez; o termo só aparece numa palavra composta – neoliberal – para criticar um suposto ‘Estado neoliberal’ ou ‘modelo neoliberal’).

No texto abaixo, os destaques aparecem em vermelho e os comentários críticos estão interpolados em azul. Ao final, três perguntas sobre a viabilidade de um plano desse tipo.


DIRETRIZES PARA O PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO DO BRASIL LULA 2023-2026

Versão para discussão e sem aprovação das instâncias partidárias – Não divulgar

JUNHO DE 2022

PDF baixado no link: https://static.poder360.com.br/2022/06/diretrizes-programa-Lula.pdf

VAMOS JUNTOS PELO BRASIL – COMPROMISSOS PARA A RECONSTRUÇÃO DO PAÍS

1. Mais do que nunca o Brasil precisa resgatar a esperança na reconstrução de um país devastado por um processo de destruição que nos trouxe de volta a fome, o desemprego, a inflação, o endividamento e o desalento das famílias; que coloca em xeque a democracia e a soberania nacional, fulmina o investimento público e das empresas, aprofundando as desigualdades e condenando o país ao atraso e ao isolamento internacional. A sociedade brasileira precisa voltar a acreditar na sua capacidade de mudar os rumos da História, para superar uma profunda crise social, política e econômica, agravada por um governo negacionista, que negligenciou a pandemia, sendo o principal responsável por centenas de milhares de mortes. O Brasil merece e pode mudar para muito melhor, pois nossa gente já provou do que é capaz.

Em primeiro lugar, um plano para reconstruir o pais, devastado pelo governo Bolsonaro, deveria contar com uma ampla aliança de todos os setores democráticos. Se há fascismo, no sentido técnico do termo, definido por Robert Paxton (2005), em Anatomia do Fascismo, ou mesmo num sentido alegórico, como os atribuídos por Umberto Eco e Primo Levi, ele só pode ser contido por uma frente democrática, nunca por uma frente de esquerda. Basta examinar os exemplos históricos.

Uma curiosidade, mas que revela um padrão. Quase todas a vezes que a democracia é mencionada neste documento, por algum motivo, ela aparece junto com a palavra soberania.

2. A política econômica vigente é a principal responsável pela decomposição das condições de vida da população, da instabilidade e dos retrocessos na produção e no consumo. O desemprego e a subutilização da força de trabalho seguem extremamente elevados, enquanto a precarização avança e a indústria definha. Setores estratégicos do patrimônio público são desnacionalizados, bancos públicos e empresas de fomento ao desenvolvimento são destruídos, num momento em que o quadro na infraestrutura é desolador. As políticas sociais, conquistas civilizatórias de mais de uma geração, estão sendo mutiladas. Mulheres, negros e jovens padecem com o desmonte de políticas públicas, de modo a reforçar discriminações históricas. Populações indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais têm conquistas atacadas sem trégua. A saúde, a assistência social e a previdência sofrem ataques e retrocessos. Educação, Ciência e Tecnologia e Cultura sofrem ameaças, cortes de investimentos e mudanças regressivas, são perseguidas e criminalizadas.

“Desnacionalizados”? O que significa isso? Parece um eufemismo para combater as privatizações. Desnacionalizados significa a mesma coisa que desestatizados (a nação é o Estado)? E quais são os tais “setores estratégicos do patrimônio público”? Ora, o que é estratégico depende da estratégia. Bancos são estratégicos? Os Correios são estratégicos? Companhias de energia são estratégicas? Quem define o que é estratégico o faz a partir da estratégia que tem em mente. Qual é a estratégia do PT?

3. Diante desta situação, o primeiro e mais urgente compromisso que assumimos é com a restauração das condições de vida da população brasileira – sobretudo os que mais sofrem com a crise, a fome, o alto custo de vida, os que perderam o emprego, o lar e a vida em família. São esses brasileiros e brasileiras que precisamos priorizar, tanto por meio de ações emergenciais quanto por meio de políticas estruturantes, desde o primeiro minuto de um governo que será eleito para reconstruir o Brasil, superar a crise presente e resgatar a confiança no futuro.

4. Temos inarredável compromisso com defesa da democracia, da soberania e da paz, com o respeito ao resultado das urnas, com a qualificação da representação política, a humanização do governo, ampliação da representatividade, da participação popular e a reinserção do Brasil como protagonista global pela democracia, paz e desenvolvimento dos povos.

Mais uma vez a referência à democracia aparece junta com a referência à soberania.

5. Temos compromisso com o desenvolvimento econômico sustentável com estabilidade, para superar a crise e conter a inflação, assegurando o crescimento e a competitividade, o investimento produtivo e com sistema fiscal compatível com a responsabilidade social, num ambiente de justiça tributária e transparência na definição e execução dos orçamentos públicos, de forma a garantir a necessária ampliação de políticas públicas e investimentos fundamentais para a retomada do crescimento econômico.

6. Temos compromisso com a justiça social e inclusão com direitos, trabalho, renda e segurança alimentar, para combater a fome, a pobreza, o desemprego, a precarização do trabalho e a desigualdade, e enfrentar a concentração de renda e de riquezas.

7. Temos compromisso com os direitos humanos, a cultura e o reconhecimento da diversidade, para proteger as pessoas de todas as formas de violência, opressão, desigualdades,e discriminações, garantir o direito à vida, à liberdade, à memória e à verdade. Estamos comprometidos com a dignidade humana de todos os brasileiros e brasileiras e com a defesa da população historicamente privada de direitos no Brasil.

8. Temos compromisso com a sustentabilidade socioambiental e com o enfrentamento das mudanças climáticas. Isso requer cuidar de nossas riquezas naturais, fazer uso racional dos recursos, produzir e consumir de forma sustentável e mudar o padrão de consumo de energia no país, participando do esforço mundial para combater a crise climática. Somaremos esforços na construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, no avanço da transição ecológica e energética para garantir o futuro do planeta, apoiando o surgimento de uma economia baseada na biodiversidade de todos os biomas brasileiros.

9. O Brasil da esperança exige compromisso com o povo brasileiro, que é nossa maior riqueza, em torno da superação do Estado neoliberal e da consolidação de um Estado de bem estar social. Somos milhões de cidadãos e cidadãs criativos, compondo uma sociedade plural. Temos expressões, linguagens, raças, etnias e culturas diversas. Temos um ambiente acadêmico rico, um parque produtivo amplo e riquezas oriundas da biodiversidade, em um país de dimensão continental. Temos posição e peso estratégicos na geopolítica e na geoeconomia mundiais. Temos credenciais internacionais decorrentes de um histórico de cooperação multilateral, em defesa da autodeterminação dos povos e da não intervenção em nações soberanas. Juntos, podemos fazer um grande país, socialmente justo, soberano e democrático, desenvolvido de forma sustentável, para esta geração e para os que virão depois.

O que seria esse suposto ‘Estado neoliberal’? Quem erigiu esse Estado? Os companheiros de Alckmin? E por que o PT não o desmontou tendo ficado quase quatro mandatos consecutivos no governo (mais de uma década)?

Mais uma vez – a terceira – a referência à democracia aparece junta com a referência à soberania.

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E GARANTIA DE DIREITOS

10. Colocar o povo no orçamento foi, durante os governos do PT e dos partidos aliados, uma decisão e uma prática política inovadora e coerente com a transformação que aconteceu no Brasil. Disputas foram arbitradas democraticamente em favor dos interesses e das demandas da população brasileira, criando condições para o processo de crescente materialidade e acesso a direitos associados às políticas inclusivas previstas pela Constituição de 1988. Retomaremos esta estratégia, avançando ainda mais.

11. O trabalho estará no centro de nosso projeto de desenvolvimento. Defendemos a revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista, a partir da negociação tripartite, que proteja os trabalhadores, recomponha direitos, fortaleça os sindicatos sem a volta do imposto sindical, construa um novo sistema de negociação coletiva e dê especial atenção aos trabalhadores informais e de aplicativos.

O texto é claro: fala em revogação da reforma trabalhista. Poderia ser mais cuidadoso e falar em aperfeiçoamento. O pior é que não diz claramente o que colocará no lugar. O PT, ao que parece, quer voltar aos tempos das velhas negociações sindicais, entre governo, empresários e trabalhadores.

12. O Brasil precisa criar oportunidades de trabalho e emprego. Para isso, propomos a retomada dos investimentos em infraestrutura, a reindustrialização nacional em novas bases tecnológicas e ambientais, e o estímulo à economia solidária, à economia criativa e a economia baseada na biodiversidade bem como ao apoio ao cooperativismo, empreendedorismo e às micro e pequenas empresas.

13. Retomaremos a política de valorização do salário mínimo visando a recuperação do poder de compra de trabalhadores e dos beneficiários de políticas previdenciárias e assistenciais, essencial para dinamizar a economia, em especial dos pequenos municípios.

14. Buscaremos um modelo previdenciário que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável. A proteção previdenciária voltará a ser um direito de todos e de todas. Frente aos milhares de trabalhadores e trabalhadoras hoje excluídos, a inclusão previdenciária será central para o resgate, a longo prazo, da sustentabilidade financeira do regime geral de previdência social.

Será que isso é um aceno para algum tipo de revisão da reforma da Previdência? É o que parece.

15. É estratégica a retomada da centralidade e da urgência no enfrentamento da fome e da pobreza, assim como a garantia dos direitos à segurança alimentar e nutricional e à assistência social. Produzimos comida em quantidade para garantir alimentação de qualidade para todos. No entanto, a fome voltou ao nosso país. Além de uma questão de soberania, o enfrentamento contra a fome exigirá mais empregos e renda para os mais pobres e será prioridade em nosso governo. Trabalharemos de forma incansável, até que todos os brasileiros e as brasileiras tenham novamente direito ao menos a três refeições de qualidade por dia.

16. É imperativa a reconstrução e o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a garantia de acesso a ações de inclusão produtiva no campo e nas cidades, em todos os territórios brasileiros, aliando escala e respeito às diversidades regionais.

17. Um Bolsa Família renovado e ampliado precisa ser implantado com urgência para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população. Um programa que recupere as principais características do projeto que se tornou referência mundial, e que inove ainda mais na ampliação da garantia de cidadania para os mais vulneráveis. Um programa que, orientado por princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda, viabilizará a transição por etapas, no rumo de um sistema universal e uma renda básica de cidadania.

Isso parece um discurso eleitoral. O objetivo central é retomar a paternidade do Bolsa Família (tão usado, no passado, para reeleger candidatos do PT). Mas aqui não se explica como “garantir renda compatível com as atuais necessidades da população”. Isso o velho Bolsa Família nunca fez, assim como foi refratário a qualquer proposta de alterar o desenho do programa provendo-o de uma porta de saída e para não transformar os participantes em pensionistas do Estado, beneficiários passivos e permanentes de políticas assistenciais.

18. O país voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento do ensino da creche a pós-graduação, coordenando ações articuladas e sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo. Educação é investimento essencial para fazer do Brasil um país desenvolvido, independente e igualitário, mais criativo e feliz.

19. O nosso objetivo é resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado. Para participarmos da sociedade do conhecimento, é fundamental o resgate de um projeto de educação que dialogue com o projeto de desenvolvimento nacional. Para isso, é preciso fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada e inclusiva, com valorização e reconhecimento público dos trabalhadores e trabalhadoras da educação.

Qual é o “projeto de desenvolvimento nacional” que vai dialogar com um projeto de educação a ser resgatado? Onde está esse projeto? Quem vai formulá-lo?

20. A saúde, o direito à vida e o SUS têm sido tratados com descaso pelo atual governo. Faltam investimentos, ações preventivas, profissionais de saúde, consultas, exames e medicamentos. É urgente dar condições ao SUS para retomar o atendimento às demandas que foram represadas durante a pandemia, atender as pessoas com sequelas da COVID-19 e retomar o reconhecido programa nacional de vacinação. Não fossem o SUS e os corajosos trabalhadores e trabalhadoras da saúde, a irresponsabilidade do atual governo na pandemia teria custado ainda mais vidas.

21. Nos governos do PT e dos partidos aliados, a saúde foi tratada como uma política pública central, como um direito de todos os brasileiros e brasileiras e como um investimento estratégico para um Brasil soberano. Reafirmamos o nosso compromisso com o fortalecimento do SUS público e universal, o aprimoramento da sua gestão, a valorização e formação de profissionais de saúde, a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular, bem como a reconstrução e fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde.

“Mais Médicos” com a volta dos médicos alocados no Brasil pela ditadura cubana, praticamente sem quaisquer direitos?

22. O país precisa de uma nova política sobre drogas que combata o poderoso núcleo financeiro das organizações criminosas, os poderes locais armados, o tráfico e as milícias e que dê a devida atenção de saúde pública ao tema, com medidas educativas, de prevenção e apoio às famílias.

23. Teremos uma segurança pública cidadã para a proteção da vida. A legítima e crescente demanda dos brasileiros e das brasileiras por maior segurança pública será respondida com um conjunto consistente de políticas integradas para a redução da violência e da criminalidade, enfrentamento eficaz ao tráfico de drogas e armas, ao crime organizado e às milícias. Prevenção da violência e atenção às vítimas serão feitas com a integração das políticas de segurança pública, com especial atenção ao direito das mulheres e da juventude negra a uma vida livre de violência. A integração com governos estaduais e municipais, o foco na priorização da vida, no controle de armas, em inteligência policial, em tecnologia de ponta e na valorização profissional dos policiais nortearão nossas ações, que enfrentarão a violência, a corrupção, a lavagem de dinheiro, as movimentações financeiras e a rede de negócios ilegais dos grupos armados organizados.

24. A cultura é uma dimensão estratégica do processo de reconstrução democrática do país. Defendemos amplo direito à cultura com a qualificação, ampliação e criação de novas políticas culturais, dinamizando a economia da cultura, potencializando processos criativos, fortalecendo a memória e a diversidade, construindo espaços comuns de convivência e qualificando as relações sociais por meio de valores civilizatórios e democráticos.

25. A democratização do acesso ao esporte e ao lazer constrói cidadania. O fomento ao esporte e lazer em suas várias dimensões, a ampliação do apoio a atletas, incluindo as pessoas com deficiência, e sua valorização na gestão do sistema esportivo serão reinseridos na agenda de políticas públicas nacionais, valorizando o esporte de alto rendimento, para a integração social e saúde.

26. Nas cidades brasileiras, vivem 85% da nossa população. Retomaremos as políticas de garantia do direito à cidade combatendo desigualdades territoriais, reduzindo as desigualdades sócio territoriais e promovendo a transição ecológica das cidades, por meio de investimentos integrados em infraestrutura de transporte público, mobilidade, habitação, saneamento básico e equipamentos sociais.

27. Voltaremos a ter um amplo programa de acesso à moradia, com mecanismos de financiamento adequados a cada tipo de público, garantindo a prioridade da propriedade às mulheres. Porque ter uma moradia digna, proteção primeira da família, é um direito de todos e todas e um requisito para um Brasil desenvolvido e soberano.

28. O Brasil não será o país que queremos enquanto mulheres continuarem a ser discriminadas e submetidas à violência pelo fato de serem mulheres. Precisamos ampliar as políticas públicas que garantam às mulheres a proteção à vida e o combate ao machismo e ao sexismo. Reafirmamos o compromisso com o protagonismo das mulheres no novo ciclo de desenvolvimento, promovendo a autonomia econômica, a igualdade de oportunidades e de tratamento e o acesso a direitos universais. O Estado deve coordenar uma política pública de cuidados e assegurar às mulheres o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos, políticas essenciais para a construção de uma sociedade mais igual.

29. É imprescindível a implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, indissociáveis do enfrentamento da pobreza, da fome e das desigualdades, que garantam ações afirmativas para a população negra e o seu desenvolvimento integral nas mais diversas áreas. Construiremos políticas que enfrentem o genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam as violências policial, contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro. Asseguraremos a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, bem como sua ampliação para outras políticas públicas.

Aqui o programa compra a ideia identitarista de ‘racismo estrutural’. Claro que o racismo é cultural na sociedade brasileira e deve ser combatido. Mas seria ‘estrutural’ por que? A que ‘estrutura’ a expressão se refere? 

30. Estamos comprometidos com a proteção dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Temos o dever de assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que aviltem seus direitos. É fundamental implementar políticas que lhes assegurem vida digna e cidadania, respeitando e valorizando sua cultura, tradições, modo de vida e conhecimentos tradicionais.

31. Não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual. Propomos políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+.

32. No processo de reconstrução do Brasil, a juventude demanda políticas transversais. Queremos um projeto de país que viabilize novas e mais oportunidades para a juventude e que assegure a todos o direito à vida com dignidade e liberdade.

33. Um Brasil inclusivo exige compromisso com o pleno desenvolvimento, a geração de oportunidades e a autonomia das pessoas com deficiência. Vamos assegurar políticas para plena inserção das pessoas com deficiência na sociedade e adotar medidas para eliminar a discriminação baseada em deficiência e o capacitismo.

34. É necessário que se promova a defesa das famílias com proteção e cuidado prioritário com as crianças e suas infâncias, por meio do combate à pobreza na infância, da garantia de acesso integral às políticas públicas e do direito ao brincar.

35. Atuaremos para construir políticas que assegurem os direitos dos idosos com envelhecimento ativo, saudável e participativo.

36. Nosso compromisso com a afirmação de direitos é amplo e inclui a proteção e garantia dos direitos dos animais.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E CLIMÁTICA

37. A retomada do crescimento, dos empregos, da renda e a busca pela estabilidade de preços serão tarefa prioritária em nosso governo. É necessário restabelecer um ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que proporcione confiança e segurança aos investimentos que interessam ao desenvolvimento do país.

38. Vamos adotar um projeto nacional de desenvolvimento justo, solidário, soberano e sustentável, superando o modelo neoliberal, que levou o país ao atraso. Os investimentos na infraestrutura urbana, de comunicações e de mudanças dos padrões de consumo e produção de energia abre enormes possibilidades de novos tipos de indústrias e serviços e de oportunidades de inserção ocupacional.

Mais uma vez aparece o tal ‘projeto nacional de desenvolvimento’ para superar o ‘modelo neoliberal que levou o país ao atraso’? Onde está esse projeto (o PT vai pedir emprestado o projeto estatista do Ciro Gomes)? A quem o texto se refere? Ao governo Bolsonaro – que é um estatista – é que não poderá ser. Se refere então ao governo Fernando Henrique?

Para tanto, vamos mobilizar de maneira virtuosa as potencialidades da economia brasileira e suas principais frentes de expansão: o mercado interno com potencial de produção e consumo em massa, as capacidades estatais com potencial de gasto social e investimento público, as infraestruturas econômicas, urbanas e sociais, além do uso ambientalmente sustentável de recursos naturais estratégicos com inovações industriais e proteger os bens de uso comum.

Daqui exala um odor de nova matriz econômica, de grande mercado interno consumidor, de gasto social e investimento público como motores do desenvolvimento.

39. Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento. Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, que é disfuncional e perdeu totalmente sua credibilidade.

A palavra usada é ‘revogar’. O PT não quer aperfeiçoar e sim revogar o teto de gastos, possivelmente para poder gastar mais, gastar sem limites. Quer voltar à prática populista do “gasto social” e do ‘investimento público’ para impulsionar o desenvolvimento sem freios, ao arbítrio do governo de turno. Do fato desse teto ter sido furado pelo governo Bolsonaro não se pode inferir que não deva haver limites para o gasto e para o liberou geral da irresponsabilidade fiscal. O que o PT propõe colocar no lugar do teto, além de intenções vagas?

40. Construiremos um novo regime fiscal que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade, que possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica, que promova a transparência e o acompanhamento da relação custo-benefício das políticas públicas, que fortaleça o planejamento e a articulação entre investimentos públicos e privados, que reconheça a importância do investimento social, dos investimentos em infraestrutura e que esteja vinculado a criação de uma estrutura tributária mais simples e progressiva. Vamos colocar o pobre outra vez no Orçamento e os super ricos pagando impostos.

41. Proporemos uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e distribua renda. Essa reforma será construída na perspectiva do desenvolvimento, “simplificando” e reduzindo a tributação do consumo, corrigindo a injustiça tributária ao elevar a taxação de renda sobre os muito ricos, preservando o financiamento do Estado de bem-estar social, restaurando o equilíbrio federativo, contemplando a transição para uma economia ecologicamente sustentável e aperfeiçoando a tributação sobre o comércio internacional. Queremos também corrigir um mecanismo que historicamente transfere renda das camadas mais pobres para as camadas de maior renda da sociedade: a sonegação de impostos.

Ainda que a medida seja correta, do ponto de vista da racionalidade econômica, qual o montante da taxação de renda dos muito ricos (e quem são e quantos são os muitos ricos)?

42. É tarefa prioritária combater a inflação e enfrentar a carestia, em particular a dos alimentos e a dos combustíveis e eletricidade.

43. Vamos recuperar instrumentos importantes no combate à inflação, além de políticas setoriais indutoras do aumento da produção de bens críticos. No caso dos preços dos combustíveis e tarifas de energia elétrica é necessário implementar políticas que envolvam a consideração dos custos de produção no Brasil, os efeitos sobre os orçamentos dos consumidores e a expansão da capacidade produtiva setorial.

Aqui há uma indicação de que o governo vai querer regular os preços de combustíveis e da energia elétrica. Parece que de nada adiantou a trágica experiência do governo Dilma nessa matéria.

44. Vamos reconstruir a política de estoques reguladores e ampliar as políticas de financiamento à produção de alimentos.

45. Reduzir a volatilidade da moeda brasileira por meio da política cambial também é uma forma de amenizar os impactos inflacionários de mudanças no cenário externo. A orientação passiva para a política cambial dos últimos anos acentuou a volatilidade da moeda brasileira em relação ao dólar com consequências perversas para o índice de preços.

Aqui há uma indicação de que o governo vai tentar interferir no câmbio.

46. Como a renda familiar dos brasileiros e brasileiras desabou e o endividamento das famílias explodiu, vamos promover a renegociação das dívidas das famílias e das pequenas e médias empresas por meio dos bancos públicos e de incentivos às cooperativas de crédito e aos bancos privados para oferecer condições adequadas de negociação com os devedores. Avançaremos na regulação e incentivaremos medidas para ampliar a oferta e reduzir o custo do crédito, ampliando a concorrência no sistema bancário.

47. É preciso fortalecer e modernizar a estrutura produtiva por meio da reindustrialização, do fortalecimento da produção agrícola e do estímulo a setores e projetos inovadores.

48. Vamos reverter o processo de desindustrialização e promover a reindustrialização de amplos e novos setores e daqueles associados à transição para a economia digital e verde. É imperativo elevar a taxa de investimentos públicos e privados e reduzir o custo do crédito a fim de avançar com uma reindustrialização nacional de novo tipo, acoplada com os novos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia. Faz parte desse esforço o desafio de reverter a desnacionalização do nosso parque produtivo e modernizá-lo.

49. A principal missão da política industrial será promover o engajamento da indústria na transição tecnológica, ambiental e social. Para isso, a política industrial deve manter o foco nas prioridades do país e se voltará para o fomento à inovação. Será também estimulada pelo poder de compra governamental em complexos industriais estratégicos como saúde, energia, alimentos e defesa.

Toda essa conversa sobre política industrial é meio assustadora. Lembra as políticas dirigistas de escolher “campeões nacionais”, de triste memória. “Reverter a desnacionalização” é outra ameaça: é o governo do PT que vai dizer quais as empresas que devem ser re-estatizadas? Incrementar a industrialização depende da criação de um ambiente de negócios favorável, atrativo e competitivo, com o aumento da segurança jurídica para os investidores e não das decisões “estratégicas” de uma camarilha.

50. Estamos comprometidos com a soberania alimentar, com o avanço da reforma agrária e com a elevação da produtividade de alimentos. Daremos apoio à pequena e média propriedade agrícola, em especial à agricultura familiar. Políticas de compras públicas podem servir de incentivo à produção de alimentos saudáveis e de qualidade, que têm tido sua área plantada reduzida nos últimos anos por falta de apoio do Estado e de estímulo à ampliação das relações diretas dos pequenos produtores e consumidores no entorno das cidades.

51. O fortalecimento da agricultura familiar e camponesa é imperativo para repensar o padrão de produção e consumo e a matriz produtiva nacional com vistas a oferecer alimentação saudável para a população. A experiência brasileira já demonstrou que este é o caminho para superar a crise alimentar e ampliar a produção de alimentação adequada e saudável, por meio de medidas que reduzam os custos de produção e o preço de comercialização de alimentos frescos e de boa qualidade, fomentem a produção orgânica e agroecológica e incentivem sistemas alimentares de bases saudáveis e sustentáveis obtidas com parâmetros de sustentabilidade, de respeito aos territórios e de simetria na posse e uso da terra. A Embrapa será fortalecida para assegurar mais avanços tecnológicos no campo, essenciais para a competitividade e sustentabilidade tanto dos pequenos quanto dos grandes produtores.

52. A produção agrícola e pecuária é decisiva para a segurança alimentar e para a economia brasileira, sendo um setor estratégico para a nossa balança comercial. Precisamos avançar rumo a uma agricultura e uma pecuária comprometidas com a sustentabilidade ambiental e social. Sem isso, perderemos espaço no mercado externo e não contribuiremos para superar a fome e o acesso a alimentos saudáveis dentro e fora das nossas fronteiras. Ademais, é imprescindível agregar valor à produção agrícola, com a constituição de uma agroindústria de primeira linha, de alta competitividade mundial.

53. É preciso garantir a modernização e a ampliação da infraestrutura de logística de transporte, social e urbana. Vamos assegurar a imediata retomada do investimento em infraestrutura, fundamental para a volta do crescimento e decisivo para reduzir os custos de produção. Retomaremos os investimentos públicos. O investimento privado também será parte fundante da reconstrução do Brasil e será estimulado por meio de créditos, concessões, parcerias e garantias.

54. Tais investimentos estarão comprometidos com missões socioambientais e orientados para garantir maior eficiência na produção e na circulação de mercadorias, assim como para o aumento do bem-estar da população e para a construção de cidades mais inclusivas, seguras, justas, resilientes e sustentáveis.

55. Retomaremos obras importantes que foram paralisadas pelo atual governo, que não faz, mas tenta se apropriar de obras que recebeu praticamente concluídas.

56. É imprescindível garantir a soberania e a segurança energética do país, com ampliação da oferta de energia, aprofundando a diversificação da matriz, com expansão de fontes renováveis a preços compatíveis com a realidade brasileira. Além disso, é necessário expandir a capacidade de produção de derivados no Brasil, aproveitando-se da grande riqueza do pré-sal com preços que levem em conta os custos de produção no Brasil.

57. Será necessário proteger o patrimônio do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social do país.

58. Nos opomos fortemente à privatização em curso da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo S.A – PPSA. A Petrobras será colocada de novo a serviço do povo brasileiro e não dos grandes acionistas estrangeiros, ampliando nossa capacidade de produzir os derivados de petróleo necessários para o povo brasileiro, expandindo a oferta de gás natural e a integração com a petroquímica, fertilizantes e biocombustíveis.

59. O pré-sal será novamente um passaporte para o futuro. Suas potencialidades podem voltar a servir para financiar grandes transformações na nossa sociedade com recursos para a educação, saúde e outros fins sociais, ampliando uma cadeia de produção, criando oportunidades de trabalho no Brasil, integrando as atividades de produção para ajudar o desenvolvimento brasileiro e a transição energética, tanto no desenvolvimento tecnológico como nos próprios projetos de expansão de fontes renováveis de energia.

60. Nos opomos à privatização da Eletrobras, maior empresa de geração de energia elétrica da América Latina, responsável por metade das linhas de transmissão do país. Será mantida como patrimônio do povo, preservando nossa soberania energética, e viabilizando programas como o Luz para Todos, que terá continuidade, e uma política sustentável de modicidade tarifária.

61. Nos opomos à privatização dos Correios, uma empresa com importante função social, logística e capilaridade em todo o território nacional.

62. Fortaleceremos também os bancos públicos – como BB, CEF, BNDES, BNB, BASA e a FINEP – em sua missão de fomento ao desenvolvimento econômico, social e ambiental e na oferta de crédito a longo prazo e garantias em projetos estruturantes, compromissados com a sustentabilidade financeira dessas operações.

As diretrizes 57 a 62 compõem um programa anti-privatização. Chega a ser irônica a referência à Petrobrás, devastada que foi pela corrupção (petrolão) durante os governos petistas. Aqui fica clara a intenção de colocar empresas (avaliadas por seu papel “estratégico” e sua “função social”) sob controle do governo (que poderá intervir nos preços finais de seus produtos ao consumidor e, inclusive, desviar suas finalidades empresariais para torná-las órgãos auxiliares de aplicação de políticas governamentais – meio ao estilo PEDEVESA).

63. Afirmamos nosso compromisso com o papel estratégico da pesquisa científica e tecnológica e com a defesa e promoção do Sistema Nacional de CT&I, articulando e mobilizando o poder público, a comunidade científica e tecnológica, o empresariado e a sociedade civil para gerar conhecimento, inovação e desenvolvimento. É necessário internalizar as tecnologias essenciais e, ao mesmo tempo, assegurar a prioridade de sua função de produtora de direitos.

64. Iniciaremos um grande processo de transformação digital no país, assegurando internet de qualidade em todo território e para todos e todas e o direito à inclusão no ambiente da conectividade.

65. Voltaremos a estimular a indústria do turismo, grande fonte de geração de empregos, por meio da valorização da cultura, do patrimônio histórico e da biodiversidade brasileiras. Retomaremos os investimentos em infraestrutura turística, capacitação e qualificação dos trabalhadores e das empresas do segmento e a promoção do Brasil no mercado interno e externo.

66. Em um país continental como o Brasil, é necessário combater as desigualdades regionais, fortalecendo o desenvolvimento das regiões e estimulando novas experiências de cooperação e organização territorial. O desenvolvimento regional passa pela inovação, pelo conhecimento, por investimentos, pela articulação de políticas públicas e pelo compartilhamento de boas práticas.

67. Precisamos criar um ambiente em que empreendedores individuais, sociais e cooperativados contem com um mosaico de oportunidades que assegure crédito facilitado, assistência técnica e em gestão, acesso à tecnologia, prioridades em compras públicas e superação de burocracia.

68. Vamos estimular a economia solidária, a economia criativa e o empreendedorismo social, que têm elevado potencial de inclusão produtiva, geração de renda e inovação social. Construiremos políticas de fomento e fortalecimento de redes e cadeias produtivas e outras iniciativas de cooperativismo, de facilitação do acesso a mercados e ao crédito e de estímulo à inovação.

69. O Brasil precisa construir sua trajetória de transição ecológica. A emergência climática se impõe e a ciência não deixa margem para dúvida: o aquecimento global é inequívoco e seus resultados catastróficos. Os custos de não enfrentarmos o problema climático são inaceitáveis, com projeções de forte redução do PIB, perdas expressivas na produção nacional no médio prazo, e principalmente o sofrimento humano, somado às constantes tragédias ambientais. Nosso compromisso será cumprir as metas de redução de emissão de carbono que o país assumiu na Conferência de 2015 em Paris e ir além, garantindo a transição energética; a mudança das atividades produtivas para um padrão ambientalmente sustentável; a recuperação de terras degradadas por atividades predatórias; reflorestamento das áreas devastadas; e um amplo processo de preservação da biodiversidade e dos biomas.

70. O Governo Federal deve ser protagonista dessa transformação, liderando e induzindo a construção de novas capacidades da estrutura produtiva nacional na fronteira do conhecimento e gerando tecnologia e inovação em conjunto com a sociedade brasileira. Deve também dirigir os benefícios sociais dos investimentos para as populações indígenas, quilombolas, tradicionais, vulneráveis e marginalizadas, tanto no contexto urbano quanto no campo.

71. É imperativo defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo atual governo. Nos nossos governos, reduzimos em quase 80% o desmatamento da Amazônia, a maior contribuição já realizada por um país para a mitigação das mudanças climáticas entre 2004 e 2012. Já nos comprometemos com o futuro do planeta, sem qualquer obrigação legal, e faremos novamente. Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que haja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com a reconstrução e preservação dos biomas e áreas degradadas do país.

72. O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta. É nosso dever conservar o cerrado, a mata atlântica, a caatinga, o pantanal e os outros biomas atualmente em risco por um modelo predatório de exploração e produção e pela total omissão do atual governo.

DEFESA DA DEMOCRACIA E RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SOBERANIA

73. Nossa Constituição enumera os fundamentos do Estado Democrático de Direito. No entanto, nossa soberania e nossa democracia vêm sendo constantemente atacadas pela política irresponsável e criminosa do atual governo.

Mais uma vez – a quarta – a palavra democracia aparece fundida à palavra soberania.

74. O grave momento que o país atravessa nos obriga a superar eventuais divergências para construirmos juntos uma via alternativa à incompetência e ao autoritarismo que nos governam.

75. Defendemos os direitos civis, garantias e liberdades individuais, entre os quais o respeito à liberdade religiosa e de culto e o combate à intolerância religiosa, que se tornaram ainda mais urgentes para a democracia brasileira. Vamos enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país, em um amplo movimento em defesa da nossa democracia.

76. Defender nossa soberania exige recuperar a política externa ativa e altiva que nos alçou à condição de protagonista global. O Brasil era um país soberano, respeitado no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, contribuía para o desenvolvimento dos países pobres, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia. Reconstruiremos a cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África.

77. Defender a nossa soberania é defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com vistas a manter a segurança regional. É fortalecer novamente o Mercosul, a UNASUL, a CELAC e os BRICS. É estabelecer livremente as parcerias que forem melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja. É trabalhar pela construção de uma nova governança global comprometida com o multilateralismo, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais.

Aqui há uma clara indicação de que o PT pretende retomar a política externa ideológica que marcou seus governos. Como já foi assinalado acima, trata-se de admitir a aliança com ditaduras, desde que pertençam ao bloco Sul-Sul (Mercosul, UNASUL, CELAC) e aos BRICs, supostamente, presume-se, contra o imperialismo norte-americano e o neocolonialismo das democracias liberais europeias. O PT vai ressuscitar a falida UNASUL e o Mercosul com a ditadura venezuelana? Vai investir na CELAC com a ditadura cubana e a autocracia eleitoral nicaraguense? Vai priorizar novamente os BRICs com as ditaduras chinesa e as autocracias eleitorais russa (mesmo depois de Putin ter declarado guerra às democracias liberais) e indiana? Nem uma palavra sobre a coalizão democrática que se formou (com USA, Canadá, democracias liberais da União Europeia, Japão, Coréia do Sul, Austrália e Nova Zelândia) para conter o imperialismo russo e suas guerra de agressão e conquista, como a invasão militar da Ucrânia.

78. Cumprindo estritamente o que está definido pela Constituição, as Forças Armadas atuarão na defesa do território nacional, do espaço aéreo e do mar territorial. A partir de diretrizes dos Poderes da República, colaborarão na cooperação com organismos multilaterais e na modernização do complexo industrial e tecnológico da defesa.

79. É preciso superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas. Para sair da crise e voltar a crescer e a se desenvolver, o Brasil precisa de normalidade e respeito institucional, com observância integral à Constituição Federal, que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, de cada um de nós.

80. Nosso compromisso democrático pressupõe o diálogo permanente e respeitoso entre os poderes da República e entre os entes da Federação. Repudiamos qualquer espécie de ameaça ou tutela sobre as instituições representativas do voto popular e que expressam a Constituição do Brasil.

81. Estamos comprometidos com a retomada do diálogo com todos os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e representações populares, compreendendo-os como importantes protagonistas na reconstrução do Brasil.

82. Precisamos de uma reforma política que fortaleça as instituições da democracia representativa e ao mesmo tempo amplie os instrumentos da democracia participativa. Queremos fortalecer a democracia brasileira, o que exige a abertura de um amplo debate nacional.

83. Precisamos retomar o processo coletivo e participativo de construção de políticas públicas por meio da restauração de todas as instâncias de participação social extintas pelo atual governo, aprimorando sua composição e fortalecendo sua institucionalidade. Constituiremos novas instâncias para assegurar ainda maior participação social, inclusive na elaboração do orçamento federal, incorporando os recursos digitais para democratizar o acesso à informação. Retomaremos as parcerias com entidades da sociedade civil para o fomento a atividades de interesse social e também para a execução de políticas públicas.

As três diretrizes acima (81-83) apontam para uma retomada da estratégia petista, interrompida pelo impeachment, de criar novas instâncias participativas dirigidas pelo partido do governo para cercar a institucionalidade vigente e subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado. Ao que tudo indica o PT – como tentou, sem sucesso, fazer no passado (com o Decreto 8.243 de 23/05/2014, que instituia uma Política Nacional de Participação Social e criava um Sistema Nacional de Participação Social) – quer reeditar a participação assembleísta e conselhista arrebanhada e controlada por “movimentos sociais” que atuam como correias-de-transmissão do partido. Fica no ar um cheiro de “orçamento participativo” e outras formas de pescar em aquário (“fish in a barrel”).

84. Estamos comprometidos com o respeito e o fortalecimento do pacto federativo. É impossível garantir direitos e políticas públicas desconsiderando Estados e os 5.570 municípios. Queremos resgatar a construção fraterna, respeitosa e republicana, baseada em critérios objetivos e na garantia de direitos e justiça social, na relação com Estados e municípios.

85. Os governos do PT e partidos aliados instituíram, de forma inédita no Brasil, uma política de Estado de prevenção e combate à corrupção e de promoção da transparência e da integridade pública. Criamos a Controladoria-Geral da União, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e fortalecemos a Polícia Federal, o COAF, a Receita Federal e diversos órgãos e carreiras de auditoria e fiscalização. O nosso Governo vai assegurar que os instrumentos de combate à corrupção sejam restabelecidos, respeitando o devido processo legal, de modo a impedir a violação dos direitos e garantias fundamentais e a manipulação política. Faremos com que o combate à corrupção se destine àquilo que deve ser: instrumento de controle das políticas públicas para que os serviços e recursos públicos cheguem aonde precisam chegar.

Esta é a diretriz mais cínica do plano de governo Lula é a 85. “Os governos do PT e partidos aliados instituíram, de forma inédita no Brasil, uma política de Estado de prevenção e combate à corrupção e de promoção da transparência e da integridade pública”. E o mensalão? E o petrolão?

86. Vamos reabrir o governo, resgatar a transparência, e garantir o cumprimento da Lei de Acesso à Informação.

87. É preciso uma reforma do Estado, que traga mais transparência aos processos decisórios, no trato da coisa pública de modo geral, direcionando a esfera pública e a ação governamental para as entregas públicas que realizem os direitos constitucionais.

88. Reafirmamos o nosso respeito e compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas; e com a retomada das políticas de valorização dos servidores públicos.

89. O sistema de justiça, em todos os seus níveis, deve ser aperfeiçoado, com a participação de todos os poderes da República e da sociedade, para promoção da cidadania, observando a prevalência da soberania democrática, a partir de um amplo debate nacional.

90. O direito de acesso à informação e aos meios de comunicação é essencial numa sociedade democrática, orientada pelos direitos humanos e para a soberania. A liberdade de expressão não pode ser um privilégio de alguns setores, mas um direito de todos, dentro dos marcos legais previstos na Constituição, que até hoje não foram regulamentados, de modo a garantir princípios como a pluralidade e a diversidade. Paralelamente, é dever do Estado universalizar o acesso à internet e atuar junto às plataformas digitais no sentido de efetivar a neutralidade, garantir proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio.

Aqui percebe-se um aceno ao ‘controle social dos meios de comunicação’, velha proposta que o PT, com o tempo, foi edulcorando, mas jamais abandonou. Trata-se, na verdade, de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação. Ao dizer que falta regulamentar dispositivos constitucionais relativos ao acesso à informação e aos meios de comunicação – para que a liberdade de expressão não seja “um privilégio de alguns setores, mas um direito de todos” – é disso que o documento está falando.

PERGUNTAS FINAIS

Caberiam algumas perguntas finais. Dentre as mais importantes, pelo menos três merecem ser destacadas:

Como o PT pretende aprovar tudo isso sem – ao que tudo indica até agora – ter maioria no Congresso? Vai reeditar o mensalão?

Como o PT acha que pode fazer tudo isso sem uma coalizão democrática realmente ampla, que não pode ser substituída por uma frente de partidos ideológicos de esquerda (com alguns poucos agregados)?

Como o PT pretende enfrentar o bolsonarismo, que não será cancelado com uma possível vitória de Lula em outubro próximo, mas continuará organizado (como uma espécie de “talibã”) nas pequenas e médias cidades do interior do país e nos setores médios reacionarizados?

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