Os indícios estão todos aí. Basta ver como gente do PT defende a ditadura russa e a ditadura chinesa. O próprio Lula, aliás, nunca condenou explicitamente a invasão de Putin à Ucrânia, preferindo inculpar Zelensky ao dar a entender que foi a teimosia desse último em capitular, se render ou entregar parte do seu território invadido, que causou a guerra ou está impedindo a celebração da paz. E recentemente, no ano passado, Lula afirmou que “o mundo tem que aprender com a China a ter Estado e partido fortes”.
Está na cara. Você só não quer ver nada disso porque Bolsonaro é muito ruim. É ruim mesmo. Mas a solução realista que está na sua cabeça é subótima. “É o que temos para hoje” – você diz. Ora, se os democratas atenienses tivessem cedido às alternativas realistas de substituição do tirano Hípias – dizendo: “é o que temos para hoje” – jamais teríamos ouvido a palavra democracia. A velha oligarquia se reciclaria e continuaria ditando os rumos em Atenas e na região.
Lula acha que quanto pior Bolsonaro se comportar, melhor para ele. Ele sabe que Bolsonaro é tão ruim que lavaria a reputação até de um Maduro ou de um Ortega. Ou é uma espécie de Jeanine Añez, que conseguiu reabilitar o neopopulista Evo Morales. Está pensando nele e no PT – na reconstrução da sua imagem e do seu partido -, não na sociedade brasileira.
Por isso, Lula e o PT fizeram corpo mole – quando não sabotaram mesmo – para aderir a um movimento pelo impeachment. “Ah! Não havia condições de aprová-lo no Congresso”. Sem uma campanha pelo impeachment não havia mesmo. Estamos falando da campanha, quer dizer, do movimento, não da votação “fria” por maioria qualificada na Câmara na ausência de qualquer movimento.
Isso, em parte, era o medo de que, no bojo desse movimento pela interrupção constitucional do mandato de Bolsonaro, surgissem lideranças democráticas não-populistas (como se sabe, Lula atua na base do Highlander: “só pode haver um”). E, mais do que isso, era a certeza de que Bolsonaro era o candidato dos sonhos para ser derrotado (por ele) nas urnas. “Não mexam no meu Bozo, pelo amor de deus”.
“Só pode haver um”. Nada de diversidade democrática. É guerra entre dois polos. “E um – o polo do bem – sou EU, só pode ser EU”.
Eis a razão pela qual Lula continua empenhado em sabotar e destruir todas as candidaturas do campo democrático. Deveria saudar e comemorar – em vez de atacar – a pluralidade democrática. Até porque, em termos de tática eleitoral, quem vota em um democrata no primeiro turno não vota em Bolsonaro.
Se todo o problema é Bolsonaro, está resolvido: quem vota numa candidatura democrática não-populista no primeiro turno, vota para tirar Bolsonaro do segundo turno.
A sanha petista de sabotar e destruir todas as candidaturas do campo democrático diz tanto sobre Lula quanto a não-condenação explícita do expansionismo bélico russo, quanto a compulsão de controlar a imprensa, quanto a não reprovação pública das ditaduras de esquerda.
Se o PT, antes de vencer a eleição, já manifesta o seu hegemonismo – exigindo retirada de candidaturas de aliados, cooptando adversários com cargos futuros e destruindo todas as alternativas – imaginem o que não fará se Lula for eleito. Este é um aviso de quem conhece o organismo.
Por isso também, Lula e o PT rezam todos os dias para Bolsonaro não cair abaixo de 20% e outro candidato qualquer não subir até esse patamar. Por isso Lula quer vencer Bolsonaro no primeiro turno. E aí o PT inventa e difunde a falsa ideia de que se Lula não vencer no primeiro turno, Bolsonaro dará um golpe.
O mais surpreendente dessas adesões recentes à Lula – algumas envergonhadas, sob a alegação de que “é o que temos para hoje” – é a argumentação de que ele tem que ser apoiado no primeiro turno, sendo que a eleição tem dois turnos. Por que tem que apoiar no primeiro turno? Será em razão da alegação fraudulenta de que Bolsonaro só dará golpe se perder no segundo turno?
Esse “argumento” de que Bolsonaro só dará um golpe se não perder no primeiro turno é a mais safada das fake news fabricadas nos porões do petismo. E tem gente inteligente que cai na alegação fraudulenta.
No último sábado (31/07/2022), em evento do PT em Fortaleza, Lula declarou com todas as letras: “Nossa vingança será na urna”. A frase dá um tratado de reconhecimento do neopopulismo lulopetista com três capítulos: 1) “nossa”; 2) “vingança”; e 3) “urna”.
“Nossa” significa dele e do PT e, só por extensão, da democracia brasileira. “Vingança” é um conceito estranho à disputa democrática, assemelhando-se mais à revanche em uma guerra. “Urna” significa que ele transforma um problema constitucional em uma questão eleitoral, onde tudo depende não propriamente da lei, mas de quem vence.
Adotar sempre uma solução de guerra eleitoral para um problema que é constitucional – como fazem os populistas – nos deixa sujeitos aos inúmeros imprevistos que podem acontecer numa guerra, que sempre extravasa as balizas do modo democrático de regulação de conflitos. Apostar todas as fichas na loteria do calculismo eleitoreiro é irresponsável, mesmo que o jogador vença.
Como se sabe, os populismos são modos de degenerar a democracia como guerra eleitoral (ainda que sem derramamento de sangue) e isso significa colocar um dreno no regime político pelo qual vai se esvaindo, conquanto às vezes muito lentamente, o seu conteúdo liberal.
O que se ouve em conversas dos que não suportam Bolsonaro e não prefeririam Lula se Bolsonaro não fosse tão ruim é o realismo político prático na sua versão mais crua e primária. “É o que temos para hoje”.
Mas os que apostaram no quanto pior melhor – manter Bolsonaro no governo, cometendo todo tipo de barbaridade, para substituí-lo mais facilmente nas urnas – serão responsabilizados pelo que ele vier a fazer de pior nos 151 dias que lhe restam de mandato e depois.
É o que vamos ver a partir de agora.