Neutralidade que significa (objetivamente) alinhamento
Crusoé (03/03/2023)
Comecemos com uma pequena lição escolar de história. O Brasil entrou tardiamente na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados, após ceder à pressão das nações civilizadas para encerrar o período de neutralidade adotado pelo então presidente e protoditador Getúlio Vargas. Até 1937, o Brasil mantinha relações cordiais com a Alemanha, mesmo com todo o mundo democrático sabendo quem eram Hitler e Mussolini e conhecendo suas pretensões imperiais. Ainda assim, o país manteve a neutralidade. A situação só mudaria em 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Eixo. A declaração de guerra contra a Alemanha e a Itália ocorreu no dia 31 de agosto de 1942.
Lula é uma espécie de Getúlio, que flertou com a Alemanha nazista, pretextando neutralidade, mas teve uma hora que não aguentou mais a pressão das democracias ocidentais e teve que mandar os nossos pracinhas para a Itália. Bem… por aí já se vê que a alegada tradição de neutralidade da política externa brasileira é uma farsa. O Brasil entrou na Segunda Guerra; ou seja, corretamente, não ficou neutro.
Agora, no caso da Ucrânia, em que Putin faz as vezes de Hitler, não se trata de guerra (quente) nenhuma. Segundo a Carta da ONU, defender um país agredido não configura alinhamento em um conflito. Mas Lula quis dar uma de esperto, dizendo que a tradição diplomática brasileira é pela neutralidade. Neutralidade que, até aqui, significou, objetivamente, alinhamento à Rússia ditatorial de Vladimir Putin.
Parece claro que, não sendo louco, Lula – tal como Getúlio – vai ter de mudar de posição em relação à guerra de Putin contra as democracias liberais. Isso não significará, porém, que ele mudou a forma de pensar. Continuará o mesmo militante da Guerra Gria, estatista, populista e contraliberal. O mesmo vale para a imensa maioria dos dirigentes e militantes do PT. Até os funcionários lulistas do Itamaraty conversam à boca pequena que existem territórios ucranianos que são russos e que, portanto, devem ser devolvidos ao ditador Putin em troca da “paz”. Não têm vergonha de repetir o argumento do Kremlin. Quem tenta passar pano são os intelectuais lulopetistas que escrevem em jornais, que gostariam de ser orientadores do PT, mas não são.
Todas as dezenas de democracias liberais já entenderam que a visão de Lula é objetivamente pró-Putin. EUA, Canadá, Barbados, Costa Rica, Chile e Uruguai já entenderam. As democracias da União Europeia também. Coreia, Japão, Taiwan, idem. Austrália e Nova Zelândia, ibidem. Só não o dizem por razões diplomáticas. Mas parece óbvio que o próprio Lula está se desmoralizando rapidamente aos olhos dos grandes líderes democráticos mundiais. O calcanhar de Aquiles dos populistas é sua política externa. Ao fazê-la, não conseguem esconder suas tendências iliberais, mesmo que disfarcem tudo, virando, como no caso do Brasil, garotos-propaganda do combate à fome e da proteção da Amazônia.
Dizer, como Lula (depois de muito pressionado pelas nações democráticas), que a invasão de Putin à Ucrânia foi “um erro histórico” é – este sim – um erro histórico. Não foi um erro num projeto de país soberano e sim uma ação acertada do ponto de vista do objetivo imperial da autocracia russa. “Cometi um ‘erro histórico’. Invadi sua casa e matei sua mulher e seus filhos.” Eis a posição de Lula sobre a invasão da Ucrânia pelo ditador Putin. Claro que, como foi dito, pressionado pelas grandes nações democráticas, o governo brasileiro já começa, lentamente, a ser obrigado a ajustar sua posição.
“Eu não quero entrar na guerra, eu quero acabar com a guerra.” Lula o disse na semana passada, em entrevista à CNN, para justificar por que não apoia a resistência ucraniana ao invasor Putin. Ora, se é assim, então é simples. Basta aumentar a pressão (e apoiar as sanções) para que os russos retirem suas tropas.
Mas as coisas não são tão simples para um governo populista. A extrema-direita e a esquerda populista, no plano internacional, iniciaram uma guerra contra Zelensky e a resistência ucraniana usando argumentos diferentes, mas ambos soprados pelos ideólogos do Kremlin. Convocaram até manifestações de rua em vários países, com o apoio de sindicatos e partidos de esquerda. É vergonhoso. É um sinal de que a Segunda Guerra Fria começou.
Sim, o mundo já está numa segunda grande Guerra Fria movida pelas grandes autocracias contra as democracias liberais. A Ucrânia é um divisor de águas. Todos os populismos (de direita e de esquerda) estão se colocando ao lado das autocracias (inclusive o Brasil de Bolsonaro e Lula – numa perfeita simetria).
Há aqueles populismos de direita (como Hungria e Turquia) e de esquerda (como Venezuela e Nicarágua) que apoiam desavergonhadamente as autocracias. É há aqueles, de direita ou esquerda, que as apoiam disfarçadamente em nome da paz (uma ‘pax romana’).
Entenda-se bem. Não é que os populismos estejam criando uma nova Guerra Fria. Mas seu alinhamento quase automático às autocracias são um sinal da formação de blocos – o que é o principal indicador de que já estamos numa Segunda Guerra Fria (que, por óbvio, não será igual à primeira, do período 1960-1990, mas nem por isso deixará de ser também uma Guerra Fria).
Ao mesmo tempo, é fácil constatar que os países que apoiam a resistência ucraniana contra a invasão da ditadura russa são, justamente, as democracias liberais. Estamos falando de Estados Unidos, Canadá, países europeus, Coreia do Sul, Japão e Austrália. Esses países têm enviado armas para a Ucrânia e e aplicado sanções contra a Rússia. Dois blocos estão em conformação, portanto. Essa é a má notícia.
É sempre desagradável dar más notícias. As pessoas gostam quando anunciamos que as coisas vão melhorar. Infelizmente, não vão, não tão cedo. O que mais temíamos já aconteceu. Uma parte do passado se voltou contra nós. E está em guerra contra a democracia liberal.
É por isso que observamos – da parte da direita e da esquerda – surtos de autoritarismo e totalitarismo. Foi assim que surgiram, aparentemente do nada, pessoas elogiando a ditadura Putin e até a ex-URSS, defendendo ordens autocráticas (e justificando comportamentos fascistas ou stalinistas).
Alguns perseguem a retropia de uma nação religiosa patriarcal, outros querem a distopia de um Estado onipresente que nos levaria para o paraíso de uma sociedade sem Estado, no cenário pavoroso (o juízo e a palavra são de Hannah Arendt) de um mundo sem política. Com efeito, ela escreveu, por volta de 1950, na sua obra O que é política? (publicada postumamente): “O ideal socialista de uma condição final da Humanidade sem Estado — que, em Marx, significa sem política — não é, de maneira alguma, utópico: só é pavoroso.”
Antes do pavoroso, porém, vem o horroroso. Bem-vindos à antessala do mundo horroroso da segunda grande Guerra Fria mundial.
Populistas moderados também são um risco para a democracia
Crusoé (10/03/2023)
A esta altura, os chefes de governo dos países democráticos liberais já têm indicações suficientes para avaliar o caráter político de Lula e do governo do PT. Basta que examinem meia dúzia de pontos:
1 – Elogios a Putin, não adesão às sanções à ditadura russa, recusa em ajudar a resistência ucraniana e tentativa de inculpar Volodomyr Zelensky pela guerra.
2 – Elogios aos regimes ditatoriais de Cuba e da China e admiração declarada pelo Partido Comunista Chinês.
3 – Tentativa de responsabilizar os Estados Unidos pelo impeachment de Dilma Rousseff (considerado falsamente como um golpe de Estado), pela operação Lava Jato, pela prisão de Lula e de outros dirigentes petistas que cometeram crimes.
4 – Recusa em condenar as ditaduras venezuelana e nicaraguense e as violações de direitos humanos cometidas por esses regimes.
5 – Criação artificial de dificuldades para sabotar a adesão do Brasil à OCDE.
6 – Autorização para navios de guerra iranianos, fortemente armados, atracarem no Brasil.
Sim, bastam esses seis pontos. Quem assim procede, se quisermos chamar de democrata porque adota a via eleitoral, só pode ter um caráter iliberal ou não liberal.
O problema é o que se pode concluir dessas evidências ou sinais. Seria um erro avaliar que Lula é um líder autoritário, mais ou menos como um Bolsonaro com o sinal trocado. Seria também um erro avaliar que ele é um líder extremista. Pois Lula não é nada disso. É apenas um populista de esquerda (ou neopopulista), mas isso não é pouca coisa se entendermos bem o que realmente significa.
Os cientistas políticos travam debates sobre o papel das instituições e sistemas de governo para evitar a ascensão de líderes populistas radicais (ou extremistas). Mas é preciso estudar os prejuízos para a democracia causados por líderes populistas moderados (não extremistas) como Lula.
Vejamos.
Lula não é populista-autoritário (é neopopulista ou populista de esquerda, como são ou foram Hugo Chávez, Evo Morales e Luis Arce, Manuel Zelaya e Xiomara Castro, Rafael Correa e Lenín Moreno, Fernando Lugo, Maurício Funes e Salvador Cerén, Cristina Kirchner e Alberto Fernández, López Obrador e Pedro Castillo).
Lula não é um líder isolado, mas um chefe partidário (ele tem mais votos do que o PT, mas isso não significa que ele não seja o PT – e, mais do que isso, o dono do PT).
O PT (Lula) não persegue minorias sociais (só minorias políticas).
O PT (Lula) não quer derruir as instituições (só quer ocupá-las, fazendo maioria no seu interior).
O PT (Lula) não quer destruir nossa democracia eleitoral (só não quer que ela vire uma democracia liberal).
O PT (Lula) não é extremista (pelo contrário, é moderado, mas isso não significa que não seja hegemonista).
O PT (Lula) não é revolucionário em termos clássicos (mas também não é social-democrata, como querem vendê-lo os universitários que ajudam a lavar a reputação do partido: Lula não é um Olaf Scholz, da Alemanha, assim como Dilma não foi nada parecida com uma Sanna Marin, da Finlândia).
O PT (Lula) não quer dar um golpe de Estado em termos tradicionais (quer conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido, vencendo eleições sucessivamente para se delongar no governo).
O PT (Lula) aderiu sinceramente à via eleitoral (e ama de paixão as eleições, encarando-as, porém, como um meio para tomar e reter o poder, não como parte do metabolismo normal das democracias e por isso nunca se deu muito bem com a rotatividade democrática).
O PT (Lula) não é simpático à ditaduras (com exceção das ditaduras de esquerda, como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Angola).
O PT (Lula) não condena claramente a agressão militar de Putin contra a Ucrânia (pelo contrário, acha que o ditador russo cumpre um papel importante ao enfrentar o imperialismo americano).
O PT (Lula) não aprova a coalizão de democracias liberais (EUA, Canadá, União Europeia, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Nova Zelândia) para conter o expansionismo da ditadura russa (pelo contrário, é mais simpático às autocracias chinesa e indiana, aliadas de Putin).
O PT (Lula) sempre fala em autodeterminação dos povos e soberania dos países (e isso vale até para as ditaduras de esquerda, mas não para democracias como a da Ucrânia e de Taiwan).
O PT (Lula) se diz contra a guerra (mas pratica a política como continuação da guerra por outros meios, na base do “nós” contra “eles”).
O PT (Lula) se diz favorável à paz e à tolerância (mas acha que a polarização elites x povo deve ser encorajada e que as minorias políticas antipopulares não devem ser toleradas e devem mesmo ser deslegitimadas quando impedem a realização das políticas populares).
O PT (Lula) se diz contra as milícias digitais que divulgam fake news (mas financiou, muitas vezes com dinheiro público, via estatais, uma rede suja de dezenas de sites e blogs para divulgar uma realidade paralela favorável ao partido).
O PT (Lula) é contra o negacionismo científico (mas não contra o negacionismo histórico-político, uma vez que afirma falsamente que não houve mensalão, não houve petrolão, não houve aparelhamento do Estado por militantes petistas e ainda mente dizendo que nunca quis controlar a mídia tradicional).
O PT (Lula) não se recusa a fazer alianças (mas, sobretudo quando a chefia do Estado está em jogo, só se o partido estiver na cabeça).
O PT (Lula), diz que a democracia brasileira está em risco (mas não constituiu um governo de coalizão – uma verdadeira frente ampla democrática – para afastar tão grave perigo e reconstruir o país e sim uma frente de esquerda hegemonizada pelo PT, com alianças fisiológicas para ter maioria no Congresso e dois enfeites de “frente ampla”, Geraldo Alckmin e Simone Tebet, para efeitos de propaganda).
Bem… dizer mais o quê? Se tudo isso não for suficiente para decifrar o caráter político de Lula e do PT, o que será?
A grande falsificação
Crusoé (17/03/2023)
Quem ouve Lula falar fica com a impressão de que ele venceu a eleição por 80% dos votos. Mas ele venceu por um triz, por menos de 2% (fato que não pode ser explicado com a alegação — de resto verdadeira — de que Jair Bolsonaro usou a máquina). Lula passou raspando com os votos dos que não são seus seguidores, que só o escolheram porque não havia outra opção para impedir a reeleição de Bolsonaro. Perdeu em quatro das cinco regiões do Brasil e, se não fosse o Nordeste, não teria voltado à Presidência.
Os que votaram em Lula apenas como veto a Bolsonaro, somados aos que votaram nulo, em branco ou se abstiveram, em boa parte, não aderiram ao governismo, e muitos desses se opõem ao novo governo (ou se oporão, quando uma oposição democrática se articular). Então essa narrativa petista segundo a qual os que não apoiam o governo são bolsonaristas é falsa.
Além de falsa, é solerte. Sim, Lula e o PT estão tentando urdir uma grande falsificação dizendo que quem não apoia o governo é porque está do lado dos golpistas de 8 de janeiro. Assim querem dividir o cenário político: entre os democratas (que seriam os governistas), de um lado, e os golpistas, de outro. Fazem isso de caso pensado, com o objetivo de não deixar espaço para o nascimento e a atuação de uma oposição democrática (sem a qual, como sabemos, não pode haver democracia plena). Antes de qualquer coisa, porém, é uma ofensa à inteligência de milhões de brasileiros e brasileiras.
Mas por que Lula e o PT fazem isso? Porque acham que não têm alternativa. Bom governo, aclamado pela população, nas condições atuais, sabem que não será possível entregar.
Repetem que vão repetir Lula 1, mas isso também é um mito. Lula 1 foi o mandato do mensalão e terminou com acentuada queda de popularidade do líder e de aprovação do seu governo. Em agosto de 2005, Lula teve de pedir perdão aos brasileiros pelo escândalo do mensalão, logo após a confissão pública de seu publicitário Duda Mendonça de que recebeu pagamento de forma criminosa no exterior por serviços prestados à campanha presidencial.
Na ocasião ele, Lula, disse: “Eu me sinto traído, traído por práticas inaceitáveis, das quais não tive conhecimento… Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas… o PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, tem de pedir desculpas”.
Um mês depois, pesquisa CNT/Sensus, realizada entre 14 e 17 de setembro de 2005, já registrava popularidade de Lula abaixo de 50% e uma queda de 9,2 pontos percentuais em relação a junho na aprovação do seu governo. E esses números continuaram caindo até dezembro. Lula e o PT só se recuperaram porque houve um acordo, costurado por Márcio Thomaz Bastos com a elite tucana, incluindo Fernando Henrique Cardoso, para jogar água fria na campanha pelo impeachment. Geraldo Alckmin, sempre ele, jogou a tábua de salvação dizendo que o impeachment seria feito nas urnas de 2006. E deu no que deu.
Foi o palanque de 2006 a tábua de salvação do governo Lula 1, graças à benemerência e a pouca intimidade com a inteligência humana dos tucanos. O PT aprendeu a lição. Quando há um problema, a solução é o palanque. Por que isso não valeria também para o governo Lula 3?
Para governar no palanque, é preciso manter a conjuntura polarizada. O governo Bolsonaro acabou, mas tem de ser mantido vivo, respirando por aparelhos, até 2026. É óbvio que Bolsonaro deveria ter sofrido impeachment no meio do mandato. Assim como é óbvio que Lula e o PT não queriam isso. Queriam transformá-lo em bicho-papão eterno, para voltar ao poder eleitoralmente e para governar usando o espectro de um Emmanuel Goldstein (o inimigo público número 1 do romance 1984, de George Orwell) para justificar tudo. Para que a polarização funcione, é necessário que não haja um terceiro polo. Por isso todos os esforços governistas se concentrarão em impedir que surja uma oposição democrática, quer dizer, uma oposição não-bolsonarista.
E para polarizar é necessário radicalizar. A guinada de Lula e do PT para a esquerda tem, portanto, explicação. Recordemos.
Quando Lula concorreu pela primeira vez, a grande preocupação dos democratas não populistas (social-democratas e liberais) era a seguinte: “Será que Lula vai controlar as tendências xiitas do PT?”. Eram as tendências trotskistas e marxistas-leninistas minoritárias, tidas na época por “xiitas”. Mal sabiam eles que o Partido Interno (Orwell de novo) sempre foi “sunita”. Lula, Dirceu, Falcão, ninguém dessa turma era “xiita”. Coitadas das tendências minoritárias: pagaram o pato pelo que nunca fizeram. Não foram responsáveis por mensalão ou petrolão, queriam apenas a revolução. É claro que, depois do governo instalado, começaram a disputar um carguinho aqui, outro acolá, para fortalecer suas tendências e também para se dar bem na vida, porque ninguém é de ferro. Mas a corrupção sistêmica foi obra dos tidos por moderados, não dos que eram considerados radicais. Então… então os “herbívoros” se revelaram piores do que os “carnívoros”.
Agora, entretanto, a situação mudou. A vontade de revanche unida ao desespero de não poder entregar o que foi prometido converteu todos em “carnívoros” de verdade. Isso é o que significa dizer que o PT foi mais para a esquerda quando deveria ir para o centro. Mas não foi para a esquerda puxado por “alas radicais” ou “ideológicas” minoritárias. Não são esses grupúsculos do PT que estão puxando Lula para a esquerda e esculhambando o seu governo. Ou será que Gleisi Hoffmann (a presidente do partido), Rui Falcão, Jilmar Tatto, Aloizio Mercadante e o próprio Lula são de tendências minoritárias do PT? Lula e a direção do PT foram para a esquerda porque avaliaram que não há alternativa.
Mesmo sabendo que as condições objetivas para uma ruptura com a democracia liberal (que os militantes mais assanhados chamam de “burguesa”) não estão reunidas, eles acham que devem forçar uma guinada a partir das condições subjetivas que se constelaram com a volta de Lula ao governo. Tipo agora ou nunca. Os sinais são claros e estão por toda parte. Em termos de impregnação ideológica dos militantes de esquerda, a situação agora (2023) é muitas vezes pior do que quando o PT esteve no governo (no período 2003-2016). Basta ver o alinhamento com ditaduras. Não é mais só Cuba, Venezuela, Nicarágua e Angola. Agora é também Rússia, China, Síria e até Irã.
Claro que isso tem grande chance de dar errado. Se a eleição fosse hoje, talvez Lula nem ganhasse ou sua vantagem fosse bem menor do que 2%. Não se sabe. Mas com certeza, se vencesse, não seria por muito, mesmo com toda a boa vontade da grande mídia e do Judiciário.
Para o PT, entretanto, é a única chance de dar certo porque é a maneira de o organismo continuar vivo, independentemente do que vier a acontecer. A manutenção do organismo é sempre o maior imperativo. Organismos desse tipo (o único partido no Brasil “com cabeça, tronco e membros”, como disse Lula sobre o PT — e a metáfora é reveladora), uma vez conformados, adquirem certa autonomia em relação às circunstâncias. Eles criam uma réplica do mundo, como percebeu Hannah Arendt (1951) estudando o totalitarismo (em Origens do Totalitarismo), para dar “a impressão de que todos os elementos da sociedade estão representados em seus escalões”. Porque seu fim último é “organizar” toda a população “como simpatizante”.
Isso bate perfeitamente com a estratégia do PT de se delongar no governo, ganhando eleições sucessivamente até se tornar hegemônico. É por isso, aliás, que o PT nunca se deu muito bem com a rotatividade democrática, ao contrário do que ocorre com partidos que aceitam a democracia liberal (digam-se de esquerda ou de direita).
Vejamos o caso das duas (únicas) democracias liberais da América do Sul (segundo o V-Dem, da Universidade de Gotemburgo): Chile e Uruguai. Os regimes desses países só são democráticos liberais — entre outros fatores — porque, para eles, a alternância de governo entre forças políticas contrárias não é o fim do mundo.
O caso do Chile. Aylwin é substituído por Frei, que é substituido por Lagos, que é substituído por Bachelet, que é substituída por Piñera, que é substituído novamente por Bachelet, que é substituída novamente por Piñera, que é substituído por Boric. E o mundo não acabou.
O caso do Uruguai. Sanguinetti é substituído por Lacalle, que é substituído por Sanguinetti novamente, que é substituido por Batlle, que é substituído por Vázquez, que é substituído por Mujica, que é substituído novamente por Vazquez, que é substituído por Lacalle Pou. E o mundo não acabou.
Na democracia (apenas) eleitoral (e defeituosa) brasileira, perder uma eleição é um desastre para o PT porque interfere na sua estratégia. Relembremos que o PT não saiu do governo pelo voto. Voltando ao governo, dele também não sairá facilmente apenas pelo voto. As eleições, para os neopopulistas, são um meio de tomar e reter o poder, não parte do metabolismo normal da democracia (como o são, por exemplo, para as esquerdas chilena e uruguaia, que aceitam a democracia liberal).
Mas, do seu ponto de vista (autocentrado), o PT não deixa de ter uma razão, conquanto torta. Se o partido não tomasse sua sobrevivência como o maior imperativo do universo, pensam os petistas que ele já teria desaparecido (ou virado um PCdoB) depois de sua hegemonia sobre setores intelectuais, artísticos, jurídicos, jornalísticos, ter sido seriamente abalada no período 2012-2018: pelo julgamento no STF do chamado mensalão, pelas irrupções (swarmings) de 2013 (que quebraram o seu monopólio das ruas), pelos processos da Lava Jato (com a condenação e prisão de boa parte da direção partidária), pelas reações negativas da sociedade à polarização na campanha eleitoral de 2014, pelas grandes manifestações de rua de 2015 e 2016 e o impeachment de Dilma Rousseff, pelos resultados desatrosos das eleições municipais de 2016, pela prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro em 2018.
Com tudo isso, a hegemonia do PT sobre o pensamento e o comportamento de extensos (e influentes) setores da sociedade brasileira (como os mencionados acima), foi abalada, mas não foi extinta. E tanto é assim que se recompôs.
Uma hegemonia só desaparece de duas maneiras: ou quando é metabolizada pela democracia num jogo plural em que diversas forças políticas se equilibram (ou se revezam no poder como parte da dinâmica normal da política); ou quando é substituída por outra hegemonia por um tempo suficientemente longo (e mesmo assim, nesse caso, suas matrizes continuam latentes, podendo ser reativadas quando uma nova configuração favorável se constelar).
O PT fará qualquer coisa para dar continuidade à sua estratégia (cujo principal objetivo é a sobrevivência do próprio organismo), inclusive voltar a abraçar a ideologia da esquerda pré-queda do muro de Berlim dos anos 80, ainda na “vibe” da Primeira Grande Guerra Fria —e, se conseguir, alinhar o Brasil ao bloco das autocracias de uma Segunda Grande Guerra Fria (na qual já estamos, pelo menos na antessala). Mas resistirá a ser metabolizado pela democracia liberal (e por isso lançará mão de tudo para que nossa democracia eleitoral não ascenda à condição de uma democracia liberal) e, mesmo que sobrevenha ao país o desastre de um novo governo de extrema direita, se manterá coeso aguardando essa nova configuração favorável se constelar.
Para qualquer uma dessas alternativas, porém, Lula e o PT precisam criar a grande falsificação de que são os únicos democratas contra todos os outros, que seriam golpistas.
Fica-se em dúvida se Lula está em seu juízo perfeito
Crusoé (24/03/2023)
“A Rússia é muito importante para garantir que a paz no mundo prevaleça por muitos e muitos séculos.”
A frase não foi dita por algum líder de esquerda durante a Guerra Fria dos anos 60. Quem a pronunciou, literalmente, foi Lula, na última terça-feira, 21, em entrevista ao vivo à TV 247.
Na mesma entrevista, aquele que queria ser visto como um novo Mandela contou que, quando estava preso em Curitiba, disse a procuradores que o visitaram que só ficaria bem quando “eu f… esse Moro”. Ora, um líder de uma frente eleitoral que se formou em defesa da democracia e da civilidade tem que ter bons modos e um mínimo de generosidade. Não pode dizer que só vai ficar bem quando f… (no mau sentido) outra pessoa, mesmo que a tenha por inimiga. Fica claro que quem se comporta assim não pode ser um Mandela, mas justo o seu oposto.
Não parou por aí. Lula também lançou mão de uma teoria da conspiração, atribuindo sua condenação e a de outros políticos e empresários corruptos, pegos pela operação Lava Jato, à interferência dos Estados Unidos na Justiça brasileira. Seria, segundo ele deu a entender, um plano para destruir as empreiteiras brasileiras que estavam começando a disputar mercado com as americanas, no Brasil e em outros países.
Todas as evidências indicam que não temos na chefia do Estado e do governo brasileiros alguém à altura da tarefa. Seja porque jamais vai ser capaz de pacificar e unir o país – dado que, afogado em ressentimentos, insiste em insuflar a revanche, apostando na vingança e num acerto de contas final com um inimigo (real ou imaginário) –, seja porque não conseguiu se desvencilhar da vibe da Guerra Fria (tomando os EUA como o grande satã), seja porque, é forçoso desconfiar, parece não estar batendo muito bem da bola.
Os bolsonaristas dirão: “Faz o L”, “Nós avisamos” e outras besteiras semelhantes. Seu argumento principal é que Bolsonaro, a despeito de ser tosco e mal-educado, era menos perigoso. Para eles, o Bolsonaro era menos pior do que o Lula porque era apenas um falastrão, sem competência, força e base organizada para desferir um golpe mortal na democracia.
Ora, impedir a reeleição de Bolsonaro foi, além de um imperativo democrático, uma proteção civilizatória. O problema de Bolsonaro não é que ele tivesse condições reais de dar um golpe de Estado à moda antiga, com tanques nas ruas (e tanto não tinha que não deu). O problema é que sua pregação incivil abriu as campas dos cemitérios, permitindo que uma legião de zumbis levantasse de suas tumbas e tomasse de assalto o espaço público. Remexeu a lama da cultura patriarcal que estava decantada no fundo do poço, por assim dizer, no subsolo das consciências, normalizando comportamentos que já se esperava sepultados pela vida civilizada moderna. Assim, passaram a ser comuns opiniões (e ações) contra a democracia e os direitos humanos, a favor da tirania, da tortura e da execução sumária de inimigos da família, da pátria e de Deus, cometidas por seus fanáticos. Isso disparou um alerta vermelho! Esse tipo de mal tem que ser cortado pela raiz, do contrário entraremos em um mundo no qual não valerá a pena viver. Bolsonaro era, portanto, além de uma ameaça política, uma ameaça à vida propriamente humana em sociedade. Por isso foi correto votar em qualquer um para removê-lo. Infelizmente, dada uma constelação aziaga de fatores, esse qualquer um calhou de ser o Lula.
Mas… e agora? As circunstâncias nos impuseram a pior solução para o problema. Caímos nas mãos de um ator populista com pendores autoritários (cuja cabeça ainda está na primeira Guerra Fria), imbuído do propósito de reescrever a história a seu favor (gerando continuamente pós-verdades) e, como se não bastasse, com aparentes déficits de equilíbrio emocional que perturbam seu juízo.
E Lula, ao contrário de Bolsonaro, não é um líder isolado. É um chefe partidário, de um partido muito complicado, que se diz democrático, mas não o é no sentido pleno do conceito. O fato de o PT ter ficado 13 anos no governo e não ter tentado dar um golpe de Estado não é prova de sua conversão cabal à democracia. Golpe nunca foi mesmo a estratégia do PT. Ele quer ganhar eleições sucessivamente até se tornar hegemônico. No limite, até que toda a população vire simpatizante do PT, embora saiba que isso não é possível (mas, para todos os efeitos práticos, é como se fosse: um tipo de organismo como o PT precisa de utopias totalizantes).
Quem é democrata não pode admirar ou não condenar vigorosamente ditaduras (seja Cuba, Venezuela, Nicarágua ou Angola; seja Rússia, China, Síria ou Irã). Não pode inventar desculpas, nem contemporizar em nome da necessidade de diálogo ou de interesses comerciais. Pois bem. Lula (na entrevista já citada) foi além dos “interesses comerciais” (o velho biombo usado por populistas para esconder as verdadeiras razões de suas alianças com ditaduras) ao afirmar que quer “ampliar a relação política com a China”.
Êpa! Relação política? Ampliar a relação política? O que isso significa? Pelo visto vamos apoiar o domínio da ditadura de Xi Jinping sobre o Tibete e Xinjiang e a anexação de Taiwan. Pelo visto vamos endossar a proposta de “paz” à chinesa, com 12 pontos que falam de tudo para não falar do fundamental: a retirada das tropas russas invasoras da Ucrânia. Pelo visto vamos fechar os olhos para a ameaça que a Rússia imperial representa, não só para a Ucrânia, mas para todo o mundo: o fim da ordem mundial baseada em regras e valores democráticos e sua substituição por uma ordem desumana baseada na lei do mais forte. Mas Lula, pelo que disse, deve achar que é isso mesmo, pois, afinal, ele só quer a paz e “a Rússia é muito importante para garantir que a paz no mundo prevaleça por muitos e muitos séculos”.
A impressão que se tem é que não é mais apenas uma questão de opinião ou ideologia política. Fica-se em dúvida se Lula está realmente em seu juízo perfeito.
O PT Voltou
Crusoé (31/03/2023)
“O Brasil Voltou” é o lema da propaganda oficial. Claro que, depois do desastre que foi Bolsonaro em todas as áreas (sobretudo na pandemia), qualquer governo normal seria visto com bons olhos pelo mundo civilizado. Mas o marketing lulista é grandiloquente. Anormal.
O Brasil é um parceiro importante, mas não é o grande arquiteto da paz universal, o principal player de um novo mundo multipolar, a potência ambiental que vai salvar a espécie humana da extinção. Soa sempre ridículo querer se meter de pato a ganso.
O mundo civilizado começou a desconfiar do governo Lula a partir das suas besteiras repetidas sobre a Ucrânia, de que Volodymyr Zelensky era tão responsável pela guerra quanto o invasor Putin. Objetivamente, isso foi encarado, pelas democracias liberais, como uma posição pró-Rússia.
Agora Lula quer oferecer o Brasil como aliado da ditadura chinesa para alterar a correlação de forças no cenário internacional a favor das autocracias e contra os Estados Unidos e as democracias liberais da Europa. Além de estar errada é uma posição megalômana.
O Brasil não tem esse tamanho, nem essa importância no cenário internacional. E não pode querer se apresentar como o que não é chantageando seus aliados democráticos históricos em nome de uma ideologia anti-imperialista mofada e de um projeto pirado de Sul Global.
Um país democrático deve manter relações comerciais com todos os países (a menos quando há sanções internacionais por razões humanitárias ou democráticas). Do ponto de vista político, isso não pode ser desculpa para se aliar a ditaduras ou não condenar autocracias. Democracias têm de defender democracias.
O Brasil defende as democracias? Não! O governo Lula não tem como seus principais aliados políticos os países com regimes democráticos liberais ou de democracia plena.
Quais são esses países? Democracias liberais (segundo o V-Dem 2023, da Universidade de Gotemburgo) são: Alemanha, Austrália, Barbados, Bélgica, Chile, Costa Rica, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Espanha, Estônia, EUA, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido, Seicheles, Eslováquia, Coréia do Sul, Suécia, Suíça, Taiwan, Uruguai.
Quem não concorda com os critérios classificatórios do V-Dem, pode verificar a lista das democracias plenas (as full democracies, segundo a The Economist Intelligence Unit 2022): Alemanha, Austrália, Austria, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Islândia, Japão, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia, Suíça, Taiwan, Uruguai.
Existem cerca de vinte países cujos regimes aparecem nas duas listas (democracia liberal do V-Dem 2023 e democracia plena da EIU 2022). Sobre seu status democrático, portanto, não há dúvidas.
Mas tais não são os aliados preferenciais da democracia eleitoral brasileira parasitada pelo lulopetismo, que usa o biombo dos interesses comerciais e das razões geopolíticas para esconder suas predileções por autocracias fechadas ou eleitorais (como China, Rússia e Índia). Como união comercial, não há problema com os Brics. Como biombo político para ensejar a articulação de um bloco de uma segunda Guerra Fria, só há problema.
E o governo Lula ainda acrescenta, aos interesses comerciais e às razões geopolíticas (de realpolitik), argumentos sentimentais, apelando para seu histórico de alianças com ditaduras amigas (como Cuba, Venezuela, Nicarágua ou Angola – sem dizer que parte da sua militância namora, confessada ou inconfessadamente, com Palestina e até com a Síria, quando não admira o Hamas e o Hezbollah).
Houve, porém, uma mudança recente.
Antes muitos petistas defendiam ditaduras de esquerda com alguma discrição. Havia até um laivo de vergonha de fazer isso. Agora não. A questão não é por que Lula e os dirigentes e militantes petistas continuam defendendo ditaduras e sim por que perderam toda a vergonha de fazê-lo.
Essa questão é chave para entender a disposição atual do PT. O organismo, autocentrado, tendo como principal imperativo sua própria sobrevivência, acha que errou ao apostar num pacto pluriclassista e ao transigir com a democracia liberal (que encara, intramurus, como “burguesa“).
Isso teria desfibrado o partido para resistir ao golpe das elites, ficando vulnerável a tantos reveses no período 2013-2018. Não querem mais cometer esses erros. E acham que, com a eleição de Lula, têm a chance de ouro de retomar sua estratégia de se delongar no poder.
Ou seja, eles acham que as condições subjetivas para essa guinada à esquerda estão reunidas. E, como pensam a partir de variáveis ligadas à manutenção do próprio organismo, estão pouco se lixando para a falta de condições objetivas para tanto. É agora ou nunca, pensam.
Pensam errado. Há uma fratura social extensa e profunda no Brasil que não poderá ser resolvida pelo voluntarismo do organismo de se afirmar como centro hegemônico da política. Só a pacificação poderia fazer o PT recuperar seu status de player legítimo e reconquistar a admiração de uma maioria expressiva da população.
O PT, entretanto, não vai trilhar esse caminho da recuperação democrática. Vai insistir no que sabe fazer. Um erro, não raro, leva a outro erro. Um abismo puxa outro abismo.
Quando muitos brasileiros dizem temer que Lula nos leve a um governo comunista, eles não estão se referindo ao comunismo stricto sensu, quer dizer, à utopia marxista do reino da liberdade e da abundância, numa sociedade sem Estado (e sem política – o que é um horror, mas vá-lá). Não. Estão se referindo aos regimes da Venezuela, Nicarágua ou Cuba. Claro que estão errados. É muito improvável que isso aconteça no Brasil (dada a complexidade de nossa sociedade) e, inclusive, que tal seja o propósito do PT. O partido quer apenas se delongar no governo indefinidamente. Para quê mesmo? A falta de resposta para essa pergunta deveria, ao contrário de nos tranquilizar, disparar um alerta. Hannah Arendt (1951), estudando as maiores experiências autoritárias do século 20 (em Origens do Totalitarismo), concluiu que “um objetivo político que constitua a finalidade do movimento totalitário simplesmente não existe”.
O perigo é que – de volta ao governo – o PT possa nos levar, por tolice ou “natureza” (de escorpião), a um cenário peruano de guerra civil fria permanente. É o que ele sabe fazer: praticar a política como uma continuação da guerra por outros meios, na base do “nós” contra “eles”.
Explica-se. O PT é fruto da Guerra Fria. Mesmo com o fim da primeira grande Guerra Fria (1960-1990), não conseguiu sair do ambiente tóxico por ela criado. Tanto é assim que não viu passar os anos 90, aquela maravilhosa janela que permaneceu aberta, por uma década, para a humanidade poder respirar, até que fosse fechada pelo atentado às torres gêmeas do World Trade Center. Quando chegou ao poder, na onda do florescimento dos populismos de esquerda, no dealbar do século 21, o PT retomou sua maneira de ver e interagir com o mundo dos anos 80, antes da queda do muro de Berlim.
Sim, a situação mudou, mas o PT não. Voltou dizendo-se pronto a lutar contra o fascismo. Fascismo?
As duas grandes ameaças à democracia do século 20 foram o comunismo e o fascismo. A rigor, não existem mais no século 21 – a não ser vestigialmente. Seus sucedâneos são o neopopulismo (o populismo de esquerda) e o populismo-autoritário (de extrema direita).
Para alimentar a Guerra Fria, o comunismo se justificou como uma luta contra o fascismo que já havia sido derrotado na Segunda Guerra. O muro de Berlim, erigido em 1961, se chamava Antifaschistischer Schutzwall (Muro de Proteção Antifascista).
Os populismos do século 21 continuam justificando-se como uma luta contra o fascismo (que, repita-se, a rigor, não existe mais). Putin, um misto de populista-autoritário com neopopulista, caracteriza sua invasão militar da Ucrânia como uma luta contra o fascismo.
O conglomerado de grupos de esquerda chamado Antifa (tentando ressuscitar o nome do Antifaschistische Aktion do KPD – Partido Comunista Alemão de 1932) se propõe a lutar contra o capitalismo, o racismo, o sexismo e a LGBTfobia, mas na verdade se opõe às democracias liberais.
Não há nada de revolucionário nisso. O PT é um partido reacionário, que volta para retomar sua trajetória interrompida pelo impeachment e para se vingar daqueles que imagina que foram os responsáveis por bloquear seu glorioso caminho. Só assim se explica sua sanha destruidora de quem não se ajoelha diante do seu Príncipe para lhe prestar vassalagem.
Apenas um exemplo atual: a campanha de destruição de Sergio Moro. Os democratas liberais ou plenos (quer dizer, não populistas) nada temos a ver com Moro (que, de resto, é um analfabeto democrático). Mas as investidas de cerco e aniquilamento de Moro promovidas pelo PT não vão salvar Lula da falsa acusação de que a operação da PF contra o PCC foi armação do ex-juiz. Por maior que seja o ataque destrutivo, não apagará o que Lula fez. Há acusação com provas de que a ação da PF foi armação de Moro, como Lula falou? É disso que se trata. Se Moro rouba ou mata desde criancinha é outro assunto. Se faz isso tem que ser punido pelos órgãos competentes, observando-se o devido processo legal. Não somos da polícia, do MP ou do Judiciário.
O comportamento do PT, neste e em outros casos, é uma mostra alarmante do que o partido é capaz de fazer contra os que contrariam seu Duce. Neste exato momento, está promovendo swarm attacks para destruir pessoas, de maneira semelhante ao que faz a extrema direita, aqui e alhures. Vai se revelando assim uma força maligna, muito perigosa para a democracia posto que não aceita qualquer oposição.
O que sabemos até agora é que “O PT Voltou“. Um Brasil mais democrático, livre da guerra civil fria que joga uma parte da nossa população contra outra, disposto a se juntar à coalizão de democracias liberais contra as autocracias, ninguém sabe quando voltará.