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A praga do participacionismo

Seu lema é: “Nenhuma Ecclesia sem Boulé”

Em geral a praga do populismo (em especial nos casos dos neopopulismos lulopetista, kirchnerista, chavista ou bolivarianista) vem acompanhada da praga do participacionismo. Saiba mais lendo o texto abaixo:

O participacionismo é uma praga autoritária que contamina a democracia (e que infectou inclusive a democracia nascente na Atenas do século 5).

Ele não quer interagir para ver o que acontece. Ele quer que aconteça o que espera que aconteça. Então, o participacionista não dá uma ideia (ou profere uma opinião) para namorar com as outras ideias (e opiniões) e gerar novas ideias (e opiniões). Não! Ele quer que sua ideia (ou opinião) prevaleça tal como foi apresentada, em geral seduzindo (ganhando) outras pessoas a aderirem a ela.

Quer formar um contingente em torno da ideia, uma tropa organizada de defensores da ideia, em geral arregimentada no combate contra outras ideias, julgadas incompatíveis, contraditórias, desviantes, divergentes e, por tudo isso, erradas.

Ele quer fazer militância em torno da ideia. E, quando acha que já reuniu uma quantidade suficiente de aderentes, então acaba sempre propondo uma votação para ver qual é a ideia que conta com a preferência da maioria (e desqualificar assim todas as demais ideias das minorias).

O participacionismo é um fechamento para o futuro, para a imprevisibilidade, para o acaso e, inevitavelmente, para a liberdade. Como já sabe o que deve acontecer, o participacionista não se questiona sobre as características de sua ideia. Uma vez concebida, a ideia vira arma e tudo a partir daí é luta. Essa luta (uma espécie de continuação da guerra por outros meios) é frequentemente chamada de discussão ou debate, onde a dinâmica não é da conversação, a do dar-voltas-juntos, a de fazer e refazer múltiplas e recíprocas congruências que levem a um acoplamento estrutural que seja capaz de mudar o comportamento dos interagentes. O participacionista quer mudar o comportamento do outro, não o seu próprio comportamento.

E ele não se conforma em apresentar uma ideia e contar com os que concordem com ela para desenvolvê-la e realizá-la. Não! Ele quer que todos, concordando ou não com a sua ideia, tenham que a ela se submeter. Não admite deixar os outros livres para seguirem as ideias de sua preferência, mas quer aprisionar e constranger os demais a se comportarem contra os seus próprios desejos.

O participacionismo é o mais eficaz – dissimulado e sórdido – mecanismo de controle sobre as redes. Onde entra um participacionista, haverá produção artificial de escassez (como a votação – que obriga quem não concorda com uma ideia a se submeter às ideias da maioria, reduzindo a abundância de alternativas; ou como a construção administrada de consenso – que cria um caminho suave de condução e violação do outro).

Onde entra o participacionista haverá diminuição dos graus de distribuição da rede e se instalará a descentralização (quer dizer, a multicentralização) com o surgimento de comissões, comitês, secretarias executivas, mesas diretoras dos debates, conselhos, alfândegas ideológicas e tribunais epistemológicos.

O participacionismo é sempre dirigido, sempre liderado, há sempre a constituição de uma oligarquia participativa, um nós-organizacional que valida quem está dentro e deslegitima quem está fora ou que confere aos que estão dentro poderes regulatórios aumentativos em relação aos demais.

Seu lema é: nenhuma Ecclesia sem Boulé (para usar os termos atenienses do século 5 a. E. C.). A Boulé – o comitê executivo, a direção, a casta sacerdotal, o corpo docente, os curadores do conteúdo – vai então estabelecer um modelo de gestão em que o foco não está na articulação de novos sistemas de governança e sim na governabilidade instrumental (cujo propósito último – que vira o primeiro – é se manter e reproduzir no poder).

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