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Sequestrado nos anos 80 do século 20

Foi afinal encontrado o cativeiro onde o PT está sequestrado: os anos 80 do século 20.

Os que conseguiram escapar dessa prisão no passado, entraram num wormhole, pularam a década de 1990 (sim, eles não viram os anos 90 passar) e apareceram atônitos no início deste terceiro milênio, mas suas cabeças continuaram lá na época da Constituinte: é como se só os corpos tivessem vindo.

A travessia temporal, porém, corrompeu, em parte, a integridade dos viajantes. Do lado de cá do buraco de minhoca saíram então legiões de zumbis, que começaram a infectar tudo que tocavam.

Uma década depois o ambiente social do século 21 – mais distribuído, mais conectado e mais interativo – passou a ser francamente desfavorável à sua proliferação.

Considerando tudo isso, até que durou muito a aventura regressiva neopopulista do PT e das esquerdas e outros grupos estatistas a ele subordinados. O seu projeto teria dado certo se os graus de interatividade da nossa sociedade fossem equiparáveis aos dos anos 80 do século 20.

A imagem parece excessivamente forte, mas precisa ser forte mesmo para dar uma ideia do que aconteceu. A década que veio logo após a queda do muro de Berlim – em que a internet se espalhou, em que surgiu a World Wide Web, em que uma nova sociedade civil (ou um Terceiro Setor) foi percebida como um modo de agenciamento autônomo (ao lado do Estado e do mercado, mas cuja racionalidade não era reduzível a nenhum desses dois modos conhecidos de agenciamento) – não aconteceu para os petistas (e para a esquerda em geral). Profundamente contrariados com a derrocada de um previsível mundo único dividido em dois blocos (com o fim da guerra fria) e sem entender o que realmente havia acontecido, os militantes estatistas resolveram pular essa parte.

Explica-se: esses militantes eram, no fundo, agentes da guerra fria. “Mas se não há mais o lado do bem contra o lado do mal, de que lado nós ficaremos? Assim não dá!”

Então eles resolveram resistir à desconstituição daquele mundo pregresso onde viviam e o qual sabiam explicar por meio de uma narrativa ideológica que dava sentido às suas vidas. Acharam que as profundas mudanças que ocorreram na sociedade, não haviam de fato ocorrido: tratava-se, para eles, apenas de uma versão (neoliberal), que deveria ser contraditada por outra narrativa “do nosso lado”. Como não conseguiram articular uma nova narrativa que não fosse espancada pela realidade, resolveram resistir nas sombras (deixando-se sequestrar pelo passado). Essa resistência significou, basicamente, uma recusa a sair dos anos 80 (antes da queda do muro).

Em vez de aceitar os novos padrões de interação, abertos ao outro-imprevisível, eles se trancaram em clusters dos que professavam a mesma fé (adquirindo inexoravelmente a forma e a dinâmica de seita).

Em vez de se abrir para os laços fracos e se jogar no fluxo interativo da convivência social, sem preocupação com fronteiras, eles consolidaram os velhos laços fortes que os uniam (os que vestiam a mesma camisa), baseados numa determinada visão de mundo e demarcaram ainda mais a sua identidade contra o meio. Viraram assim uma espécie de organismo homeostático, protegido do ambiente – “Oh! Não! Se a temperatura subir acima de 40 graus, vamos morrer!” – filtrando as influências do meio que avaliavam ser prejudiciais aos seus antigos padrões de organização.

Por isso ficaram imunes às novas ideias, sobretudo as que diziam respeito às redes (distribuídas) e à democracia (interativa). E por pavor da alostase (ou seja, por não acharem possível que uma mudança nos parâmetros de adaptação, congruente com as mudanças do meio, fosse capaz de conservar sua organização pelo mesmo movimento que conservava sua adaptação: o que alguém poderia chamar de evolução), viraram uma espécie de museu de ideias passadas ou de banco de germoplasmas (in vitro).

Ficaram na espreita. Só estavam esperando um momento propício para voltar ao presente e por isso se diz que vieram do passado bypassando o tempo vivido, sem coragem suficiente para embarcar numa viagem à Ítaca. Ora, quando se faz isso não se chega realmente ao futuro (quer dizer, não se antecipa futuro), apenas transplanta-se um pedaço de passado no presente. Foi o que eles fizeram logo quando vislumbraram uma brecha no processo de estilhaçamento do mundo único. Então eles pularam por essa janela temporal e caíram no século 21.

O fato é que eles desembarcaram com suas ideias dos anos 80 em pleno dealbar do terceiro milênio. Aí foi triste. Vieram falando em geração de emprego e renda, defesa de direitos, organização sindical e corporativa a partir de interesses econômicos e não entendiam, simplesmente não entendiam, quando ouviam falar de investimento em capital social, comunidades de prática, de aprendizagem e de projeto conformadas livremente a partir da congruência de desejos.

Quando alguém lhes falava em ‘rede’, eles entendiam, no máximo, internet; e quando o assunto era ‘rede social’, eles interpretavam a expressão como mídia social (e tratavam logo de organizar destacamentos para ocupar os novos veículos, usando-os para travar guerras com o fito de “conquistar hegemonia”). Aliás, quando ouviam a palavra ‘social’, eles entendiam assistência social, políticas públicas (quer dizer, estatais) e programas (governamentais) voltados aos mais pobres e excluídos.

Sociedade, para eles, era sinônimo de país ou Estado-nação.

Democracia era sinônimo de eleição (e por isso suas cabeças jamais foram violadas pela ideia de democracia).

Revolução era tomada de poder de Estado (e por isso ignoraram as avassaladoras correntes subterrâneas que estavam modificando a morfologia e a dinâmica da rede social e nem suspeitaram que os fluxos interativos da convivência social haviam sido profundamente alterados). Sim, eles continuaram achando – tal como nos anos 80 – que botar gente na rua era tarefa de agitprop, que requeria apenas liderança com alta gravitatem e elevados índices de popularidade, planejamento centralizado, destacamento organizado e… dinheiro! Com esse pensamento anacrônico, a despeito de todos os seus esforços em desviar recursos públicos e de se apoiar em suas mega corporações para promover grandes manifestações, jamais conseguiram constelar multidões de milhões nas ruas e praças de algum lugar do país.

O resto da história é conhecido. Eles não foram propriamente derrotados por qualquer outra força inimiga. Apenas ficaram inadequados a um ambiente que mudou.

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