RESOLUÇÃO DO PT SOBRE CONJUNTURA
O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, reunido no dia 17 de maio de 2016 em Brasília/DF, aprova a seguinte resolução política:
O Diretório Nacional, ao apresentar para discussão o roteiro a seguir, convoca um Encontro Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, sob o tema Os desafios partidários para o próximo período, a ser realizado em novembro, antecedido por uma reunião ampliada do Diretório Nacional, em julho, cujas normas serão definidas pela Comissão Executiva Nacional até o final de maio.
O país vive, desde o dia 12 de maio, uma nova situação política, com a recuperação da direção do Estado pelas velhas oligarquias da política, da mídia monopolizada e do grande capital. Através de um golpe parlamentar, que rompeu a ordem democrática e rasgou a Constituição, as classes dominantes impuseram o afastamento provisório da presidenta Dilma Rousseff, em processo de impeachment sem base legal, marcado pela fraude e a manipulação.
Os novos governantes do governo de transição estiveram, em grande parte, presentes nos governos Lula e Dilma. O que mudou? Eles não representavam as “velhas oligarquias da política, da mídia monopolizada e do grande capital” quando os presidentes eram Lula e Dilma? Quer dizer então que eles mudaram da noite para o dia? Ou o PT estava dormindo com o inimigo de 2003 a 2015? Ou não importa nada disso desde que o cume da pirâmide seja controlado pelo partido? Por outro lado, por que se trata de um “golpe parlamentar que rompeu a ordem democrática e rasgou a Constituição” se os representantes que tomaram as decisões pelo afastamento de Dilma foram legitimamente eleitos (tão legitimamente eleitos como ela) e se as suas ações estavam previstas na Constituição? E, por último, qual foi a fraude?
O impedimento da presidenta, longe de ser manobra circunstancial, mesmo cercado por improvisos e tropeços, representa o desfecho de uma ofensiva planificada, que culminou com a unificação de distintos centros de comando ao redor da conspiração golpista.
A maioria conservadora do Congresso Nacional fabricou pretexto casuístico para depor um governo legitimamente eleito pelo voto popular e estabelecer novo bloco de poder, destinado a conduzir um amplo programa de reorganização do desenvolvimento capitalista nacional.
Quem planificou a ofensiva? Temer? Mas ele não foi escolhido mais de uma vez pelo PT para ser o vice-presidente? E não foi também legitimamente eleito? A maioria conservadora do Congresso Nacional não compunha a base parlamentar de sustentação do governo petista? O que mudou? Sob um presidente do PT eles não participavam do suposto “programa de reorganização do desenvolvimento capitalista nacional”? Por que?
A opção pelo golpismo, além do caráter historicamente antidemocrático das classes dominantes brasileiras, expressa o ritmo pretendido e a agenda que unifica o núcleo hegemônico das forças usurpadoras. Afinal, seria risco imenso submeter a eleições livres e diretas um projeto calcado sobre arrocho de salários e aposentadorias; eliminação de direitos trabalhistas; corte de gastos com programas sociais; anulação das vinculações constitucionais em saúde e educação; privatização de empresas estatais e abdicação da soberania sobre o pré-sal; submissão do país aos interesses das grandes corporações financeiras internacionais.
Quem disse que o programa do governo de transição é arrochar salários e aposentadorias, anular vinculações constitucionais em saúde e educação, privatizar empresas estatais e entregar o pré-sal e submeter o país aos interesses das grandes corporações financeiras internacionais? E, de novo: como os atores são basicamente os mesmos, por que eles, tendo maioria na base do governo, não pressionaram os presidentes do PT para tomar tais medidas?
O modelo econômico perseguido pelo grande capital implica substituir a expansão do mercado interno, como motor do crescimento, pela atração dos fluxos privados de investimento, locais e internacionais, conforme reza a antiga cartilha neoliberal e tal como explicita o programa dos golpistas “Uma Ponte para o Futuro”. Salários baixos, alta rentabilidade financeira com plenas garantias de solvência, desregulamentação do mercado de trabalho, privatizações e política externa subordinada aos centros imperialistas são os principais pilares dessa opção de classe.
“Cartilha neoliberal”? As medidas preconizadas pela maioria dos economistas (inclusive dos que serviram aos governos petistas) nada têm a ver com um suposto projeto neoliberal (um tema dos debates de salão promovidos pelo PT na década de 1990) e sim com a racionalidade econômica de um Estado que não pode gastar mais do que arrecada e da própria sustentabilidade da economia.
Apesar dos equívocos e dificuldades em dar continuidade ao processo de mudanças iniciado em 2003, a administração da presidenta Dilma Rousseff era obstáculo a ser removido de forma imediata e a qualquer custo, de tal sorte que um governo de transição pudesse dispor de tempo suficiente para aplicar o programa neoliberal antes que as urnas voltassem a se pronunciar.
Este período também seria indispensável para avançar na escalada de criminalização do PT e demais forças de esquerda, combinada com a desarticulação repressiva dos movimentos sociais e a interdição do ex-presidente Lula como alternativa viável nas eleições de 2018.
A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito. Tem funcionado como mecanismo de contrapropaganda para mobilização das camadas médias, em associação com os monopólios da comunicação. Revela, por fim, o alinhamento de diversos grupos do aparato repressivo estatal – delegados, procuradores e juízes – com o campo reacionário, associados direta ou indiretamente às manobras do impeachment.
Êpa! Quer dizer que todas as corrupções praticadas por dirigentes e aliados petistas são parte de uma “escalada de criminalização do PT e demais forças de esquerda”? Quer dizer que Zé Dirceu, Delúbio, Vaccari e tantos outros foram condenados e estão presos injusta e criminosamente? Nada fizeram de reprovável? Quer dizer que a Lava Jato é uma operação da conspiração golpista? Tudo faz parte de uma trama – cujos protagonistas são delegados, procuradores e juízes, em aliança com a mídia golpista – para destruir dirigentes e governantes petistas? E que tudo isso é feito sob os olhos e a chancela de um Supremo Tribunal Federal cuja maioria foi indicada por Lula e Dilma? Quem pode acreditar nisso?
Ainda que persistam importantes contradições no interior da coalizão conservadora, a intenção predominante entre suas frações dirigentes é concluir o regime de exceção com a aprovação de um sistema eleitoral, mais restritivo que o atual, cujas regras logrem institucionalizar o bloqueio à reconquista do governo federal pelo campo popular.
Ah! Bom. O PT avalia que o voto distrital e as cláusulas de barreira serão medidas para consolidar um regime de exceção no Brasil? Mas exceção de quê, afinal? Se as reformas democratizantes – que são adotadas em vários países democráticos do mundo considerado desenvolvido – são uma exceção, então a via desejada pelo PT (a “reconquista do governo federal pelo campo popular”) é uma via antidemocrática? O PT pretende dar um curto-circuito no funcionamento normal da democracia representativa elegendo um líder autoritário capaz de se impor às instituições republicanas e fazer uma ligação direta com as massas? Para tanto esse líder tem que dispensar as mediações institucionais e neutralizar alguns mecanismos de check and balance do regime democrático? É isso?
Esta ofensiva restauradora é parte fundamental da estratégia para desestabilizar as demais experiências progressistas na América Latina, buscando reconstruir a hegemonia imperialista sobre a região, fortemente abalada pelas vitórias eleitorais populares nos primeiros quinze anos do século XXI. A longa crise do capitalismo reconduz o Sul do continente à lista de prioridades da geopolítica norte-americana, sob a lógica de retomar controle sobre fontes essenciais de matérias-primas e energia, amplos mercados domésticos e espaços para novos investimentos a baixos custos.
A queda do governo petista também é fundamental para fragilizar alianças contrahegemônicas regionais, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o Mercosul além de facilitar políticas de cerco e desestabilização em processos progressistas de outros países – como Venezuela, Equador e Bolívia. Caso consolidado, este retrocesso político influirá sobre a evolução do bloco BRICS, cujo potencial econômico e financeiro coloca em xeque a velha engenharia mundial das potências capitalistas.
Bem, aqui afinal aparece o bolivarianismo petista. O que a resolução chama de “experiências progressistas na América Latina” são os regimes ditatoriais (como a Cuba dos irmãos Castro), neoditatoriais (como a Venezuela de Maduro) e protoditatoriais (como a Bolívia de Evo, o Equador de Corrêa, a Nicarágua de Ortega, o El Salvador de Cerén)? Sim, porque o texto é claro: haveria um interesse imperialista por trás de tudo. No fundo, como denunciaram o ditador chavista Maduro e o ditador Castro, Washington estaria na armação do golpe constitucional e judicial no Brasil contra Dilma Rousseff e o PT. E atenção para a menção aos BRICS, sobretudo ao “R” (da Rússia de Putin, cujo objetivo – ao tentar reeditar a guerra fria – é colocar “em xeque a velha engenharia mundial das potências capitalistas”). Barbaridade!
O avanço do movimento golpista, no entanto, somente poderá ser corretamente entendido se avaliarmos, de forma autocrítica, os erros cometidos por nosso partido e nossos governos. O fato é que não nos preparamos para o enfrentamento atual, ao priorizarmos o pacto pluriclassista que permitiu a vitória do ex-presidente Lula em 2002 e a consolidação de seu governo nos anos seguintes.
Esquecemos uma das lições mais relevantes da história brasileira, consolidada pelo PT em seus documentos dos anos oitenta. O capitalismo brasileiro, assentado sobre múltiplos mecanismos de super-exploração do trabalho e preservação de estruturas arcaicas, gera forte antagonismo das oligarquias contra reformas capazes de alterar, mesmo timidamente, essas condições sócio-econômicas. As classes dominantes — em determinadas correlações de força e em períodos de expansão econômica — podem tolerar certas mudanças, desde que avanços das camadas populares não resultam em diminuição de seus ganhos absolutos ou relativos. Mas oferecem brutal resistência quando esse equilíbrio distributivo está sob ameaça, particularmente nas fases de contração econômica como agora.
Tal pressuposto deveria ter norteado nossos treze anos de governo, levando-nos a compreender que a hegemonia dos trabalhadores no Estado e na sociedade não depende exclusiva ou principalmente de administrações bem-sucedidas, mas da concentração de todos os fatores na construção de uma força política, social e cultural capaz de dirigir e transformar o país.
A despeito dos extraordinários avanços verificados na redução das desigualdades, na abertura de novas oportunidades, na criação de direitos, na erradicação da fome, na ampla inclusão promovida pelo governo, incorremos em um equívoco político. Logo ao assumirmos, relegamos tarefas fundamentais como a reforma política, a reforma tributária progressiva e a democratização dos meios de comunicação. Embora sem maioria parlamentar de esquerda, o imenso prestígio do presidente Lula e a desorganização estratégica das elites abriam espaço para poderosa mobilização nacional que debatesse, claramente, a urgência da democratização do Estado e a remoção dos entulhos autoritários herdados da transição conservadora pós-ditadura.
Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação.
E agora se revela – na falsa autocrítica da direção partidária – o projeto autocrático do PT. Em primeiro lugar há uma referência explícita aos documentos dos anos oitenta, antes da queda do muro de Berlim. Depois vem a pauta “revolucionária” que o PT lamenta não ter conseguido implementar:
a) democratização dos meios de comunicação (leia-se: controle partidário-governamental da mídia);
b) democratização do Estado (leia-se: aparelhamento completo e degeneração das instituições republicanas);
c) reforma do Estado (leia-se: controle sobre o aparato repressivo e sobre o Ministério Público para impedir que essas instituições investiguem os crimes de corrupção centralizada e sistêmica cometidos pelos dirigentes partidários com o intuito de financiar o esquema paralelo de poder);
d) modificação dos currículos das academias militares e promoção de oficiais com compromisso democrático e nacionalista (leia-se: controle das Forças Armadas e recrutamento de quadros militares para o partido como foi feito pelo chavismo na Venezuela);
e) fortalecimento da ala mais avançada do Itamaraty (leia-se: ideologização da política externa brasileira capaz de permitir a articulação de um bloco anti-imperialista na vibe da guerra fria, agora no formato Sul contra Norte);
f) redimensionamento da distribuição de verbas publicitárias (leia-se: consolidação e expansão da rede suja de blogs e sites a serviço do PT a partir de financiamento público e patrocínio de estatais e asfixiamento da mídia comercial não-alinhada ao partido).
Ou seja, a autocrítica do PT é, na verdade, um lamento por não ter avançado mais na autocratização da nossa democracia na linha (declaradamente) bolivariana.
Confiamos na governabilidade institucional, a partir de alianças ao centro, como coluna vertebral para a sustentação de nosso projeto. Ao contrário do que havia se passado em países vizinhos, o sistema eleitoral do país, tal como existe, não possibilitou que o triunfo na eleição presidencial fosse acompanhado por maioria no Congresso Nacional. Obviamente, estávamos obrigados a composições fora do campo popular, sob o risco de inviabilizarmos nossos sucessivos governos. Mas fomos acanhados ao impulsionar a luta social como vetor fundamental de pressão sobre as instituições. Em consequência, rebaixamos a disputa pública de nosso programa e o debate com as forças conservadoras, incluindo os segmentos que eventualmente integravam a base de apoio.
Atenção para a expressão “ao contrário do que havia se passado em países vizinhos”. Inegavelmente o texto se refere aos países… bolivarianos! O erro apontado aqui foi ter confiado nos procedimentos da democracia representativa: os mecanismos institucionais não permitiram que os votos das massas mesmerizadas pelo e no führer também garantissem maioria suficiente no parlamento. Por isso o PT avalia que foi obrigado a negociar, dentro das regras do regime democrático (que lástima!), com agentes políticos de centro (que não eram suficientemente de esquerda e que não foram suficientemente dóceis à vontade do chefe do Estado e do partido). O PT não se deu conta de que perdeu a sua base parlamentar justamente quando essa base descobriu que as alianças que o partido do governo propunha não eram verdadeiras alianças e tinham como objetivo matar os aliados no final.
Tampouco nos dedicamos, com a devida atenção e perseverança, à costurar uma aliança estratégica entre os partidos populares e os movimentos sociais, que pudesse ampliar o peso institucional da esquerda. Acabamos reféns de acordos táticos, imperiosos para o manejo do Estado, mas que resultaram num baixo e pouco enraizamento das forças progressistas, ao mesmo tempo em que ampliaram, no arco de alianças, o poder de fogo de setores mais à direita.
A manutenção do sistema político e a preponderância excessiva da ação institucional acabaram por afetar fortemente o funcionamento do PT, confinado à função quase exclusiva de braço parlamentar dos governos petistas e reordenado como agremiação fundamentalmente eleitoral. A vida interna se estiolou, sob crescente influência de mandatos parlamentares e cargos executivos, cada vez mais autônomos em relação às instâncias partidárias. O partido perdeu capacidade de elaboração, formação e protagonismo na batalha das ideias. Milhares de novos filiados foram incorporados sem quaisquer vínculos com o pensamento de esquerda ou nosso programa.
Há aqui uma curiosa referência à “manutenção do sistema político”. O que isso pode significar? Que o PT não queria manter o sistema político? Ao que tudo indica, sim. O PT deplora a falta de genuína militância partidária revolucionária que pudesse exercer o combate fora das instituições para pressioná-las, mas também para, na prática, abolir a sua influência sobre a vida política. É uma clara intenção de usar a democracia para enfrear a democracia.
Também fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos. Preservada essa condição mesmo após nossa vitória eleitoral de 2002, terminamos envolvidos em práticas dos partidos políticos tradicionais, o que claramente afetou negativamente nossa imagem e abriu flancos para ataques de aparatos judiciais controlados pela direita.
Inacreditável! O PT teria sido contaminado pelas práticas corruptas das elites, por exemplo, ficando vulnerável ao financiamento empresarial de campanha. O caixa 3 petista para financiar um projeto criminoso de poder virou mero caixa 2 de campanha, que já era praticado secularmente pelas elites (a desculpa engendrada pelo Consiglieri Thomaz Bastos e repetida por Lula a partir de 2005). Só pode acreditar nessa ficção quem não conhece nada do maior esquema de corrupção já montado em toda a história humana. Só pode validar uma narrativa mentirosa como esta quem não leu nada sobre o mensalão, o petrolão, o uso criminoso do BNDES e de todas as empresas estatais. É uma ofensa, inclusive, ao silêncio de Marcelo Odebrecht (o coordenador empresarial do esquema petista).
Apesar dos esforços constantes, nos últimos anos, para corrigir estes desvios, temos claro que suas sequelas debilitaram o PT e fragilizaram o conjunto da esquerda frente à escalada golpista.
A política econômica desenvolvimentista e distributivista dos nossos governos, responsável pela maior elevação do salário mínimo e da inclusão social, passou a exigir, especialmente frente ao recrudescimento da crise internacional, que o Banco Central estimulasse o investimento e não que o bloqueasse – como fez com a elevação da taxa de juros. Exigia ainda novas reformas distributivas, que gravassem progressivamente os ricos, e uma nova capacidade de planejamento e investimento do Estado – o que não ocorreu.
Ao lado das falhas propriamente políticas, demoramos a perceber o progressivo esgotamento da política econômica vigente entre 2003 e 2010, que havia levado a formidáveis conquistas sociais para o povo brasileiro. Baseada na ampliação do mercado interno a partir da incorporação dos pobres ao orçamento do Estado, com adoção de inúmeros programas voltados à inclusão social, à criação de empregos e à elevação da renda, esse modelo perdeu força com a crise internacional, a convivência com altas taxas de juros que sangravam o Tesouro e a excessiva valorização cambial.
A manutenção do ritmo de expansão do mercado interno, alicerçada nos gastos e investimentos públicos, passou a depender de reformas que diminuíssem transferências financeiras para os grupos privados, ajudassem a recompor o equilíbrio fiscal com a tributação dos mais ricos e desmontassem o oligopólio dos bancos, entre outras medidas que possibilitassem recursos para o Estado aprofundar políticas de desenvolvimento com distribuição de renda. Não se tratava simplesmente de reordenamentos orçamentários, mas de um novo ciclo programático que radicalizaria a disputa de projetos na sociedade.
O governo da presidenta Dilma Rousseff, em seu primeiro ano, optou por realizar um forte contingenciamento de despesas e investimentos, ao mesmo tempo em que elevava a taxa de juros. O crescimento do PIB, que havia sido de 7,8% em 2010, cai para 4,0% em 2011 e 2,0 em 2012. Diante destes resultados negativos, o BC derruba a taxa de juros e a União franqueia subsídios às empresas, através de desonerações fiscais, em uma política que atingiria seu ápice em 2014. Apesar de novo ciclo de elevação da taxa de juros, o PIB cresce 3,5% em 2013, mas despenca para 0,2% em 2014. A tentativa de contornar reformas estruturais, através de fortes incentivos ao investimento privado, tinha conseguido preservar o emprego, mas não relançou a economia.
Diante da crise, o país foi colocado em uma encruzilhada: acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial, ou aceitar a agenda do grande capital, adotando medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda, mais uma vez na perspectiva de retomada dos investimentos privados. O governo enveredou pela segunda via.
Aqui o PT se entrega, mais uma vez, à desculpa “mantegosa” – e contra todas as evidências – de que a crise seria internacional e advoga o voluntarismo desenvolvimentista na economia. Não merece mais comentários.
O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, foi destrutivo sobre a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista, entre os quais se disseminou a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou.
As forças conservadoras sentiram-se animadas para buscar a hegemonia nas ruas, pela primeira vez desde as semanas que antecederam o golpe militar de 1964.
Aqui o PT encara as maiores manifestações políticas da história do Brasil – o 15 de março, o 12 de abril, o 16 de agosto de 2015 e o 13 de março de 2016 – como manifestações da mesma natureza daquelas que antecederam o golpe militar de 1964. Essas manifestações, supostamente promovidas pela direita, não tiveram nenhuma parcela de responsabilidade pela perda de base social do PT e pela drástica alteração da correlação de forças (para usar uma expressão cara aos belicosos trogloditas da sua direção nacional). Não! Essa base teria sido perdida pela crise econômica, de origem internacional (ou seja, o governo Dilma não tem culpa se as coisas desandaram no campo econômico). Para além da necessidade de falsificar a realidade para construir sua narrativa, esse trecho da resolução deixa transparecer claramente uma sincera incompreensão da morfologia e da dinâmica da sociedade contemporânea. Sim, sequestrado nos anos 80 do século 20, o PT ainda não entendeu o que aconteceu em meados da segunda década do século 21. Na cabeça dos dirigentes petistas não caiu a ficha de que o PT foi apeado do poder, fundamentalmente, por essas pessoas comuns que constelaram multidões nas ruas e praças de todo o país pedindo o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a cassação do seu registro partidário.
O enfraquecimento da esquerda, nos meses seguintes à vitória apertada no segundo turno de 2014, rapidamente alterou a correlação de forças no país, dentro e fora das instituições. A direita retomou a ofensiva. As frações de centro, assistindo à rejeição do governo na opinião pública, começaram a se afastar da coalizão presidencial, deslocando-se para uma aliança conservadora que impôs seguidas derrotas parlamentares à administração federal.
Em que pese o alerta emitido pelo 5º. Congresso do PT, realizado em junho de 2015, – e o debate interno que se seguiu – de que era indispensável mudar a política econômica para recuperar apoio político e social, o governo prosseguiu no rumo que havia escolhido, levando ao agravamento das dificuldades. No documento “O futuro está na retomada das mudanças”, em fevereiro desse ano, a direção nacional do PT deixou claro que não seria possível conter a escalada reacionária sem expressivas alterações programáticas. O fato é que o golpismo, velozmente, criava condições para avançar, aglutinando apoio parlamentar e suporte social.
A aceitação do pedido de impeachment, no início de dezembro, depois que o PT rechaçou as chantagens do deputado Eduardo Cunha, serviu de alento à resistência democrática, que vinha acumulando forças desde março. Nos cinco meses que antecederam a abertura de processo contra a presidenta da República, centenas de milhares se colocaram e movimento por todo o país. Foram realizadas enormes concentrações populares, além de outras iniciativas que contagiaram amplos setores antigolpistas, incluindo homens e mulheres críticos ao governo.
Duas mentiras flagrantes. A primeira mentira: o governo e o PT não rechaçaram as chantagens de Eduardo Cunha. Pelo contrário, tentaram, num primeiro momento, se aliar a ele. Só depois que essa tentativa naufragou é que resolveram transformá-lo numa espécie de Eduardo Emmanuel Goldstein da Cunha. A segunda mentira: nunca ocorreram as “enormes concentrações populares” organizadas pela esquerda. As manifestações chapa-branca, de apoio ao governo, sempre foram ridículas em comparação com os grandes protestos que levaram milhões às ruas.
Esta mobilização, capitaneada pela Frente Brasil Popular, na maioria das vezes em aliança com a Frente Povo Sem Medo, que contou com a forte participação do PT em todo o pais, em consonância com a resolução do nosso 5º. Congresso, estimulou a reunificação do campo de esquerda e arregimentou vozes democráticas de diversos matizes. Ainda que tenha sido insuficiente, por ora, para reverter a correlação de forças, permitiu que o bloco progressista recuperasse protagonismo e o mantivesse mesmo após a deflagração do julgamento presidencial.
O centro tático para este novo período — sob a palavra de ordem “Não ao golpe, fora Temer” –, deve ser a derrocada do governo ilegítimo que usurpou o poder e rompeu o pacto democrático da Constituição de 1988. Devemos combinar todos os tipos de ação massiva e combate parlamentar para inviabilizar suas medidas antipopulares, denunciar seu caráter ilegal e impedir sua consolidação no comando do Estado. Assume grande relevância ainda a continuidade da ação de articulações internacionais, que no último período já foram fundamentais para a denúncia do golpe em curso.
Deter o Golpe é possível, urgente e necessário. São partes essenciais deste objetivo negar legitimidade ao governo ilegítimo de Temer; fazer a defesa política da presidenta Dilma e do legado dos nossos governos; defender o presidente Lula dos ataques midiáticos e judiciais que contra ele se levantam; manter a mobilização popular em alto nível; ampliar para setores da sociedade críticos aos nossos governos o diálogo em torno de uma agenda democrática e popular para o país; lutar pela absolvição da presidenta Dilma dos crimes que lhe são injustamente imputados no Congresso Nacional, no Judiciário e junto aos organismos da comunidade internacional.
O desfecho mais próximo deste processo, que implica luta continuada e mobilizações, está na absolvição da presidenta Dilma Rousseff e seu retorno às funções para as quais o povo a elegeu. Esse é o único resultado do julgamento capaz de reconduzir o país ao domínio constitucional e à ordem democrática.
Derrotado o golpe, a presidenta Dilma Rousseff deverá apresentar seu compromisso público com uma ampla reforma política e medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a distribuição de renda e a geração de empregos.
O Partido dos Trabalhadores propõe que a presidenta Dilma Rousseff apresente rapidamente um compromisso público sobre o rumo de seu governo depois de derrotado o golpismo, defendendo uma ampla reforma política e medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a distribuição de renda e a geração de empregos.
Não reconhecemos o governo ilegítimo de Temer. Contra ele faremos total oposição e lutaremos até o fim nas ruas e nas instituições para derrotá-lo. Não há oposição moderada ou conciliação possível com um governo resultado de um golpe. As bancadas parlamentares do PT seguirão em combativa oposição a Temer no Congresso Nacional e ao seu programa neoliberal. Com os trabalhadores do campo e da cidade, a CUT, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo lutaremos contra o governo golpista e sua agenda de retrocesso de direitos e liberdades democráticas, redução dos salários, privatizações e criminalização das lutas sociais.
Sem abdicar de nossa identidade partidária e de nossas bandeiras, é fundamental, na luta de resistência, atuarmos em conjunto com a Frente Brasil Popular, com a Frente Povo Sem Medo e outras organizações dispostas a formar uma articulação unitária em defesa da democracia.
Mais que instrumento de mobilização, a FBP pode se desenvolver como espaço estratégico para todas as forças progressistas, a partir de um programa comum e regras plurais de participação, que abram caminho para sua consolidação.
Orientamos toda a militância petista a se incorporar aos coletivos da Frente, impulsionando a criação de comitês e núcleos nos locais de moradia, estudo e trabalho, sempre com o cuidado de incentivar a unidade e a cooperação com ativistas das mais distintas correntes e movimentos.
Agora então vem a tática: não reconhecer, deslegitimar, boicotar e sabotar o governo de transição é a orientação da direção partidária. Mas não reconhecer um governo constitucional e lutar contra ele por meios extra-institucionais levará o PT para fora do campo da democracia. Será que a direção do PT se deu conta da gravidade de uma orientação como esta? Ou se trata apenas de manter coesa a sua militância e de não perder a hegemonia sobre os outros setores da esquerda, aguardando tempos mais favoráveis para voltar à luta democrática por dentro das instituições?
Se seguir rigorosamente tal orientação o PT virará uma espécie de Irmandade Muçulmana, porém com pouca fé. Pois a maioria dos seus simpatizantes e eleitores – e até mesmo de seus militantes – logo desistirá de confrontar (sem grandes chances de sucesso) o Estado brasileiro. Sem muita fé, escassearão as vocações na base partidária para o martírio, sobretudo ao verificar que seus dirigentes que ainda estão soltos vivem como nababos, só viajam de jatinho (parece até que não gostam muito de conviver com pobre em avião de carreira), desprezam e fazem troça com as residências do programa Minha Casa, Minha Vida e só se hospedam em hotéis 5 estrelas.
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