Foi lamentável o golpe desferido hoje no Senado contra a Constituição articulado por Renan Calheiros e patrocinado por Ricardo Lewandowski para dificultar que Dilma responda à justiça pelos seus crimes e para tornar diminutivo o efeito do impeachment. O dia de hoje, transformou-se, assim, de dia de comemoração da democracia em dia de preocupação com a democracia.
Por um lado isso pode servir de alerta para a sociedade de que a transição democrática pós-PT apenas começou. Para lembrar aos milhões que saíram às ruas pelo impeachment de que não podem pendurar as chuteiras, transferindo suas tarefas para as instituições (ao contrário do que pregam. tolamente, os legalistas conservadores). Como hoje ficou provado, as ruas devem continuar falando e isso simplesmente porque as instituições do chamado Estado democrático de direito, sozinhas, não são capazes de evitar que o processo de democratização do país continue sendo enfreado pelos autocratas do PT aliados, por baixo do pano, à base fisiológica do governo Temer.
Temer tomou posse, como presidente definitivo, com uma estatura menor do que a que tinha quando assumiu o governo provisoriamente. Toma posse como alguém incapaz de liderar sua própria base. Toma posse como refém de Renan Calheiros. Toma posse como um dirigente com um grau de inexperiência e amadorismo inadequado para operar aquela que é a principal (e única mesmo, em termos políticos) missão do seu governo: a transição democrática.
Daqui para frente, se não quiser naufragar, o governo Temer terá que ser muito mais duro e decidido do que foi até agora. Não havendo mais motivos para temer votos desfavoráveis do Congresso, posto que já definitivamente empossado, deverá completar as tarefas de desinfestação da máquina do Estado dos meliantes petistas que ainda nela se escondem para acumular forças para 2018 e para sabotar seu governo. E terá de dar seguimento às outras tarefas da transição democrática:
I – Expor publicamente a situação deixada pelo PT em todas as áreas do governo, das estatais e de outros órgãos financiados com recursos públicos.
II – Iniciar uma campanha internacional de esclarecimento sobre o processo constitucional levado a efeito no Brasil, desmontando a orquestração do golpe tramada pelo PT com ditaduras e protoditaduras latinoamericanas.
III – Reestatizar as agências reguladoras que foram governamentalizadas para colocá-las à mercê do PT e de seus aliados.
IV – Restabelecer a prestação pública de contas para as centrais e outros órgãos sindicais (em tudo que abranja recursos arrecadados compulsoriamente pelo poder público).
V – Rever toda a coleção normativa que rege os Fundos de Pensão e o Fundo de Amparo ao Trabalhador de modo a coibir seu uso como aparelhos de organizações privadas para travar lutas em prol do controle do Estado.
VI – Rever os critérios de financiamento, fomento, apoio ou patrocínio de órgãos estatais às organizações da sociedade civil.
VII – Revogar o Decreto 8.243 (que institui a Política Nacional de Participação Social).
VIII – Reformar o PNDH 3 – Programa Nacional de Direitos Humanos (no sentido de impedir que os direitos humanos possam ser usados como arma na luta político-ideológica de grupos privados que almejam conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir da ocupação do aparelho de Estado).
IX – Revogar o Decreto 5.298 (que institui uma Força Nacional de Segurança Pública, chamando-a eufemisticamente de “programa de cooperação federativa”, como organização militar centralizada e subordinada ao governo e não como órgão de Estado) e não permitir a articulação de guardas nacionais de caráter pretoriano (isso deve ser objeto de emenda constitucional).
X – Retomar a tradição da política externa brasileira de não-alinhamento ideológico (sobretudo rever radicalmente a atual política de apoio à protoditaduras e ditaduras e repelir qualquer tentativa de formação de blocos político-ideológicos e militares que almejem reeditar a guerra fria).
E os movimentos da sociedade – sobretudo os grupos que se dedicam a convocar manifestações – devem acordar para o fato de que seu papel precípuo não se esgotou. Esse papel não é o de entrar no jogo institucional, lançando candidaturas (como anda fazendo o MBL: e até pode fazê-lo, desde que não se esqueça do principal) e sim manter acesa a chama da revolta e da indignação popular contra um sistema político que apodreceu, não vai se autorreformar e vai continuar prorrogando sua decomposição se não houver forte clamor das ruas.


