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As consequências de um Fora Temer bem-sucedido

Devemos fazer uma pergunta aos que pregam o Fora Temer agora. É para valer ou apenas para obrigá-lo a recuar em um ou outro ponto?

Se for para valer, é bom examinar as consequências de um Fora Temer bem-sucedido, quer dizer, que de fato retire Temer da cadeira presidencial.

Sustento que é incorreto levantar neste momento a palavra de ordem Fora Temer para valer (e nem vou comentar um Fora Temer de mentirinha, como um lema propagandístico, agitado apenas para assustá-lo). Não porque ela, essa proposta temerária, supostamente avalizaria o Fora Temer inventado pelos petistas e seus aliados e já derrotado seguidamente pelas ruas e pelas urnas. Não por medo da volta do PT ao poder (pois essa ameaça continuará de qualquer modo no horizonte, na medida em que o Estado brasileiro, em todos os níveis, não foi cabalmente despetizado e considerando que o PT está profundamente enraizado, mais do que qualquer outra organização política, na sociedade brasileira) – ainda que essa possibilidade não pareça iminente. E sim porque não há saída democrática que seja boa, neste momento, para realizar a transição pós-PT até as próximas eleições de 2018.

Vamos examinar os cenários mais prováveis de um Fora Temer bem sucedido:

1 – Temer renuncia dentro de 30 dias | Neste caso assume o presidente da Câmara (e no impedimento deste o do Senado) e convocam-se novas eleições presidenciais em 90 dias.

2 – Temer renuncia depois de 30 dias a contar de hoje | Neste caso assume o presidente da Câmara (e no impedimento deste o do Senado) e o novo presidente é eleito pelo Congresso.

3 – Temer sofre processo de impeachment dentro de 30 dias | Neste caso repete-se o cenário 1.

4 – Temer sofre processo de impeachment depois de 30 dias a contar de hoje | Neste caso repete-se o cenário 2.

5 – A chapa Dilma-Temer é cassada pelo TSE dentro de 30 dias. Neste caso, repete-se o cenário 1.

6 – A chama Dilma-Temer é cassada pelo TSE depois de 30 dias a contar de hoje | Neste caso, repete-se o cenário 2.

7 – As eleições presidenciais são antecipadas | Neste caso, não se sabe exatamente como seria o rito de substituição, quem vai presidir o país até a realização das eleições, nem dentro de qual prazo isso vai acontecer. Dependeria de uma emenda constitucional e, talvez, a rigor, nem mesmo uma PEC poderia alterar casuisticamente a duração do mandato.

8 – Eleições gerais (que ocorreriam em 2018) são antecipadas | Vale o mesmo que foi dito para o cenário 7.

9 – Outras saídas não-constitucionais | Neste caso, nada se pode prever.

Em todos os casos o que se verá é um acirramento da confrontação política degenerada como arte da guerra. A foto que ilustra este post envia um sinal preocupante. Uma pessoa pouco informada sobre a conjuntura brasileira poderia achar que o Estado Islâmico, afinal, chegou a Brasília. Ou que estamos na Turquia, sob o jugo dos bate-paus de Erdogan. Mas não. Trata-se apenas do PT levando adiante a sua estratégia de instalar no Brasil uma guerra civil fria de longa duração. Qualquer Fora Temer acabará – queiramos ou não – engrossando o caldo que está sendo preparado pela esquerda autocrática. Sim, pode acontecer. O que se viu em Brasília, no dia da votação da PEC no Senado, não foi uma manifestação pacífica de cerca de 10 mil pessoas (o número, em si, já é espantoso) onde ocorreram atos de violência, como nos acostumamos a ver. O que se viu em Brasília foi uma manifestação convocada e dirigida, o tempo todo, para praticar a violência como forma de luta política. Na medida em que setores que se opõem ao PT radicalizam também suas ações, teremos cada vez mais confronto, cada vez mais violência, imprensando os democratas e as pessoas comuns e deixando-os sem saída política.

Mas voltemos aos cenários.

A renúncia de Temer é uma hipótese improvável. Mais improvável ainda é a sua renúncia ainda em 2016. Seria preciso que seu desgaste se aprofundasse terrivelmente, que ele perdesse de modo cabal a governabilidade e que uma crise político-institucional se instalasse em 30 dias.

Nos cinco primeiros cenários, assume Rodrigo Maia (e na sua impossibilidade Renan Calheiros), para convocar novas eleições populares ou congressuais. Maia – que mostrou não ter pejo de copular com qualquer força política que apoie suas pretensões pessoais de poder – consegue ser ainda menos confiável do que Temer. Haverá forte instabilidade política.

O impeachment (cenários 3 e 4) é improvável, pois o pedido do PSOL e outros semelhantes que possam vir a ser apresentados, teria de ser acolhido pelo presidente da Câmara (Maia). Mas vai que isso ocorra. Será praticamente impossível reunir os votos, na Câmara e no Senado, para aprovar um impeachment como esse. Se, por alguma “fatalidade, dessas que descem do Além” (para recordar Castro Alves), isso acontecer, não se pode prever os desdobramentos.

A cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE em prazo relâmpago (em 1 mês, como prevê o cenário 5) é improvável. Se ela vier a acontecer, pelo ritmo natural de andamento do processo, a eleição do novo presidente será feita pelo parlamento (cenário 6), o mesmo parlamento coalhado de políticos corruptos e onde a atual base fisiológica de Temer tem ampla maioria. O mais provável é a eleição de alguém muito semelhante ao atual mandatário. Ou pior. Soluções esdrúxulas, de eleger um outsider, como Fernando Henrique ou Carmen Lúcia, que andam sendo ventiladas por aí, são improváveis e, mesmo que pudessem acontecer, como o novo governante iria governar contrariando a mesma base parlamentar de Temer? Crise na certa. E novos pedidos de impeachment, em cascata.

A antecipação das eleições (apenas presidenciais ou gerais) – contra a vontade dos atuais mandatários (ou seja, sem renúncia) – é uma saída por fora do que reza a Constituição. Quebra as regras vigentes (que proíbem a alteração casuística do tempo dos mandatos) e, nessa medida, não deixa de ser um atentado ao Estado democrático de direito. De qualquer modo, numa situação como essa, cresce o risco da eleição de algum aventureiro autoritário (para limpar a sujeira e colocar ordem na casa) ou de alguém do próprio sistema envolvido nos crimes que agora estão sendo alvos de investigação e punição, com o agravante de que esse velho-novo representante seria eleito e, portanto, legitimado pelas urnas, dificultando todas as medidas contra seus malfeitos, os de seu partido e os de sua base parlamentar.

A adoção de outras saídas francamente não constitucionais configura o pior cenário. É o caos, nos sentidos pejorativo e negativo do termo. Excluiria o Brasil do concerto das nações democráticas, validando a falsa versão petista de que o impeachment de Dilma foi um golpe; ou de que foi um golpe preparatório ao verdadeiro e definitivo golpe. Uma vez quebrada a legalidade, tudo será permitido e vão pelo ralo a estabilidade política e a segurança jurídica: o país afunda no poço de vez.

É preciso ver que nenhum desses cenários é bom do ponto de vista da democracia. Nesse sentido, é uma irresponsabilidade apostar – ou investir – neles.

Isso não quer dizer que o Fora Temer deva ser afastado para sempre. Pode ser que ele se coloque, mas quando se colocar (havendo motivo, pois que por enquanto não há e as tais gravações do Calero não passaram, pelo que se viu até agora, de um traque de gato) deve ser para valer e não como ameaça frívola, capaz de namorar com o perigo. Agora, se Temer, por exemplo, não vetar qualquer lei que acabe, na prática, com a Lava Jato, aí a situação muda de figura. Mas isso, convenhamos, ainda não aconteceu.

É preciso ver, no entanto, que Temer não pode ser cobrado pelo que não é capaz de fazer. Temer não é capaz, em menos de dois anos de tempo político útil, de acabar com a corrupção endêmica na política brasileira. Não é capaz, nem mesmo, de sanear a sua base política, livrando-se dos corruptos que nela habitam (e que já habitavam, inclusive durante os governos petistas, aos quais deram apoio). Se fizer isso, não poderá governar nem uma semana, tornando desnecessário qualquer Fora Temer.

Temer, que não foi escolhido pelas urnas e nem ungido pelas ruas, não pode bypassar o Congresso, estabelecendo uma ligação direta com o povo: nem mesmo Lula, populista de raiz, quando no cume de sua popularidade, conseguiu realizar tal proeza (e precisou se apoiar na mesma base fisiológica que agora apoia o governo Temer). E Temer, que não tem o perfil de líder populista e não tem popularidade suficiente nem mesmo para se eleger a um cargo executivo qualquer, também não terá condições para enfrentar a multidão de seus correligionários.

A questão é simples. Se Temer não conseguir governar nesses menos de dois anos que tem pela frente, ele cairá. Grite-se ou não Fora Temer. Mas a queda de Temer não garante que assumirá alguém com melhores condições de governar. A não ser que fosse acompanhada da queda de toda a base fisiológica composta por corruptos com mandato. Ora, isso não acontecerá antes de 2018. E chegado o 2018, o Fora Temer será uma proposta inútil.

Aqui então alcançamos o ponto mais relevante da análise. Temer, na verdade, não existe. O que existe é o velho sistema político composto por gente de todos os partidos. Um sistema que apodreceu, mas que não pode ser abolido num passe de mágica. Nosso ardor para acabar com a corrupção na política não pode nos cegar, a ponto de não vermos que cassar o sistema representativo realmente existente, a despeito de todas as suas mazelas, nos levará provavelmente para um tipo de regime menos democrático do que o atual, ensejando ademais o surgimento de autoritarismos de todos os matizes, dos da esquerda autocrática que não se conforma de ter perdido o poder (e quer voltar a empalmá-lo), aos da direita hidrófoba que, assanhada com vitória de Trump e industriada por autocratas pérfidos como Olavo e Bolsonaro, prega intervenção militar ou outras saídas esdrúxulas que passam ao largo da democracia.

O centro da conjuntura neste momento é realizar a transição democrática pós-PT, desmontando definitivamente os esquemas de corrupção sistêmica – a corrupção com objetivos estratégicos de enfrear o processo de democratização, de matiz bolivariano -, não acabar de uma vez com a corrupção endêmica na política (posto que isso, além de impossível, coloca ainda mais em risco a democracia realmente existente no país).

Do que se trata agora é de impedir que Temer fique refém da sua base fisiológica e só há uma maneira de fazer isso: transformando-o, objetivamente, em refém das ruas. Se ele cair, caiu. Forçar a sua queda implica o risco adicional de ter alguém no comando que seja menos vulnerável à voz da sociedade e muito mais perigoso para a democracia. Além de engrossar o caldo da confusão que o PT espera instalar no país para tentar se livrar e, quem sabe, voltar ao poder no médio prazo. Por isso as ruas não podem ficar caladas. Por isso são necessárias as manifestações de rua, como a convocada para o dia 4 de dezembro de 2016.

E agora temos um motivo adicional para ir às ruas no próximo dia 4 de dezembro e em qualquer data que venha a ser marcada na sequência. Houve uma espécie de golpe parlamentar, desferido pelos deputados, ao projeto de lei de iniciativa popular que ficou conhecido como 10 medidas contra a corrupção. O projeto não era perfeito, por certo. Merecia ser aperfeiçoado. Mas o que os deputados fizeram foi transformá-lo num projeto de absolvição dos corruptos, de blindagem dos partidos que enveredaram para o crime e dos advogados de quadrilha e, pior, de intimidação dos juízes, procuradores e policiais que estão combatendo a corrupção com a operação Lava Jato e congêneres. O conjunto da obra é inaceitável. E se agrega naturalmente à pauta das manifestações democráticas, como a convocada para o 4/12:

É inaceitável que os partidos não possam ser punidos pelos roubos que fizeram. É inaceitável que o tempo de prescrição continue contando com o réu foragido. É inaceitável que criminosos não tenham de devolver a fortuna acumulada com propinas. É inaceitável introduzir agora crime de responsabilidade para juízes e procuradores. É inaceitável essa prisão por desrespeito às prerrogativas dos advogados.

A situação ficou ainda mais dramática depois do ultimatum dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que ameaçaram renunciar à operação caso o Senado ratifique a monstruosidade aprovada pela Câmara ou caso o presidente da República não vete a nova lei iníqua.

Se a equipe do MP que compõe a força tarefa da Lava Jato anunciou sua renúncia coletiva para pressionar o Senado ou o presidente, deve ter pensado nas consequências. Se nada acontecer além da ameaça de renúncia, o sistema político tende a avançar ainda mais na bandidagem, pagando para ver. Se as ruas não reagirem, a Lava Jato pode acabar, sim (tal como acabou a sua congênere italiana Mani Pulite) e o país mergulhará novamente na escuridão. Não é certo que a resposta das ruas será suficientemente vigorosa. Pode acontecer. Pode não acontecer. Swarmings capazes de constelar multidões não podem ser industriados dessa maneira. Os procuradores não são agentes políticos experimentados. Estão agindo com boa intenção e demonstrando um diligente ativismo. Mas isso não basta. Sob todos os aspectos, o momento é delicadíssimo.

De qualquer modo, depois dessa aposta arriscada dos procuradores, restaram apenas duas alternativas: 1) ir para as ruas no dia 4; ou 2) ir para as ruas no dia 4. Não gritando Fora Temer. Não seria apenas errado. Seria burro.

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