Disseram-lhes os israelitas: “Quem dera a mão do Senhor nos tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e comíamos pão à vontade, mas vocês nos trouxeram a este deserto para fazer morrer de fome toda esta multidão!”. Êxodo 16:3.
Há uma desilusão com o governo Temer. Como sempre, só pode se desiludir quem se iludiu. Muitos, analfabetos políticos, esperavam de Temer, após o impeachment, que ele superasse a crise econômica deixada pelo PT, saneasse completamente o Estado dos corruptos que o aparelharam durante uma década e fizesse, em menos de dois anos, todas as reformas que as elites políticas governantes não conseguiram fazer em trinta anos. Ora… isso não passa de uma ilusão. A natureza do governo Temer não permite que ele realize esses trabalhos de Hércules.
Ainda bem! Se Temer conseguisse fazer isso seria sinal de que nossa democracia foi de vez extinta. Só um governo autocrático, com a base que o atual governo possui, com níveis baixíssimos de popularidade, com legitimidade constitucional não referendada pelas urnas e com uma oposição reduzida porém terrivelmente ativa e destrutiva, conseguiria fazer em 20 meses todas as proezas que alguns dele exigem.
Já que tiramos Dilma, nada menos que o céu merecemos – gritam os oportunistas, ditos de esquerda ou de direita. E também os fisiológicos, insatisfeitos com o tamanho do butim que lhes restou após o impeachment. Eles têm fome. Insaciáveis, queriam mais, muito mais. Formou-se assim uma coligação tácita de interesses para abreviar o governo de transição pós-PT. Fora Temer! Gritam Black Blocs e Ronaldo Caiado.
Temer, de fato, não está conseguindo cumprir o mínimo do que se esperava dele: conduzir a transição democrática pós-PT até 2018, garantindo que o Estado brasileiro não seja mais capturado pela organização criminosa que o usou durante mais de uma década.
Claro que Temer, não entendendo seu papel precípuo na transição democrática, está tentando fazer mais do que isso, imaginando, talvez, que a história lhe cobrará algum feito extraordinário, sem pensar que a única coisa que lhe será cobrada antes do inevitável esquecimento é criar condições para que nossa democracia não fique doravante tão vulnerável aos criminosos políticos que a enfrearam.
Sim, ele está tentando ter uma agenda que faça algum sentido. Reinaldo no seu último artigo na Folha de São Paulo, resumiu bem o esforço do governo:
“Há muito tempo, como diz uma amiga, “o país não via uma agenda que fizesse sentido”. Ou que fosse composta de escolhas que caminham numa mesma direção. (…)
a – aprovar uma PEC de gastos que, quando menos, impedirá o Brasil de virar um Rio de Janeiro de dimensões continentais;
b – aprovar na Câmara a medida provisória do ensino médio, depois de enfrentar um cipoal de mistificações e desinformação;
c – aprovar a MP do setor elétrico, área especialmente devastada pelo governo de Dilma Rousseff, a dita especialista;
d – aprovar o projeto que desobriga a Petrobras de participar da exploração do pré-sal –e contratos já foram fechados sob os auspícios do novo texto;
e – aprovar a Lei da Governança das Estatais, que é o palco principal da farra;
f – apresentar uma boa proposta de reforma da Previdência, que vai, sim, enfrentar muita resistência;
g – no BNDES, ultima-se o levantamento do estrago petista, e o banco se prepara para retomar financiamentos. (…)”
Tudo isso, porém, é quase inútil do ponto de vista da luta política. Os que querem retirar Temer do governo não estão interessados em reforma alguma, nem mesmo em medidas de recuperação. Querem apostar na confusão para ver se se dão bem na crise. Para uns (como o pessoal do chamado “centrão”) é apenas fome de cargos; para outros (como Caiado e Marina) se trata de conquistar visibilidade para uma futura candidatura presidencial em 2018; e para outros, ainda, (como Lula e os dirigentes do PT) trata-se de investir no caos para escapar da lei e, no médio prazo, conseguir voltar ao poder.
Todos acenam com as recentes pesquisas de opinião que apontam a queda de popularidade de Temer, como se não soubessem que essas pesquisas são inúteis. Temer tem até popularidade demais. Não foi escolhido, nem pelas urnas, nem pelas ruas. Assumiu somente porque assim manda a Constituição.
E todos sabem que Temer, provavelmente, não vai cair (pois não deu tempo, em poucos meses de mandato, de cometer crimes que justifiquem seu impeachment ou uma condenação pelo STF por delitos comuns).
Mas, mesmo assim, acalentam a esperança de que ele caia (caso o país fique ingovernável e aí o TSE queira “resolver o impasse político”, como o judiciário está se acostumando a fazer).
Pois bem! Se Temer vier a cair, isso não vai ser necessariamente bom. Estamos numa transição que – a rigor – não é conduzida por ninguém. Nem mesmo por ele. Se fosse conduzida por um cara cheio de ideias para salvar o mundo e transformar a sociedade, mesmo que esse cara fosse um perfeito varão de Plutarco, seria pior. É preferível para a democracia que a coisa caminhe aos trancos e barrancos, onde nenhum ator e nenhuma instituição tenham o poder de determinar a trajetória, do que por alguém que diga saber o que é melhor para nós e tenha a capacidade de nos arrebanhar em nome do seu futuro desejado.
O governo Temer não é um bom governo. Não é bem nem um governo. É uma administração da massa falida deixada pelo PT. Não é ruim que ele seja medíocre. Pior seria se o síndico se desse ares de virtude, daquela virtu do Príncipe.
Dentro de certos limites, ou seja, desde que nossa liberdade não seja reduzida, um governo fraco neste momento é melhor do que um governo forte. Um núcleo mole é melhor do que um núcleo duro. É difícil entender isso para os que atravessam o deserto reclamando que no Egito era melhor, tendo saudades das bolotas de carne fornecidas pelo Faraó. E olhem que o governo Temer até manteve (e aumentou) o Bolsa Família!
A democracia é apenas não viver sob o jugo de um senhor, seja qual for. Os que se proclamam salvadores – seja Marina, Caiado ou Lula – não passam de sucedâneos dos velhos senhores.



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