Franco, Salazar, Pinochet, Videla e Medici também eram anticomunistas, também combatiam a esquerda. Se vivos estivessem, combateriam o PT. Combater o PT e a esquerda não transforma ninguém em democrata. O PT deve ser combatido porque se tornou uma ameaça à democracia, no Brasil e em outros países, não porque ofende os tais valores da civilização ocidental cristã – a família, a tradição, a propriedade, a religião, os bons costumes -, como pregam os conservadores e liberais-conservadores que se proclamam de direita.
Os conservadores são conservadores porque querem preservar alguma coisa. Às vezes dizem que querem preservar os valores da civilização. Mas a civilização que eles querem preservar é a civilização patriarcal e os valores que eles querem manter são efluentes do emocionar patriarcal. No fundo eles gostariam de ter em suas mãos um imenso poder para impor sua visão de mundo aos outros. Tal como quer a esquerda.
Combatem a doutrinação marxista nas escolas, mas não dão um pio sobre essas estruturas monstruosas que são as escolas como burocracias sacerdotais urdidas para proteger as pessoas da livre-aprendizagem. Não se importam com o ensino como reprodução e jamais lhes ocorreu criticar a sociedade escolarizada. Nada de Pink Floyd, The Wall. Gostariam de ter mais escolas, tradicionais mesmo, para fazer a cabeça dos filhos dos outros segundo seus valores.
Combatem a dissolução dos costumes – e aí, conforme a orientação mais ou menos autoritária do militante anticomunista, pode entrar tudo: o que chamam de gayzismo, a conspiração narcocomunista, o nazifeminismo, o racialismo, a militância apocalíptica do aquecimento global, a falta de respeito pela pátria e pelos símbolos nacionais – mas todo esse combate não é para criar novos costumes mais humanizantes, expandindo a esfera da liberdade humana e sim para impor mais ordem. Sim, eles querem botar ordem na casa. Anseiam por superavits de ordem para reproduzir a sua visão.
É assim que, com o declínio do PT, foi surgindo no Brasil uma militância direitista tão escrota quanto a militância esquerdista. O anticomunismo é um tipo de comunismo com o sinal trocado. São, ambos, remanescências da mentalidade da guerra fria.
Aí aparecem os combatentes contra a esquerda, tipo Olavo de Carvalho, Jair Bolsonaro, Felipe Moura Brasil, Rodrigo Constantino e tantos outros, repetindo uma mesma narrativa abstrusa e sórdida sobre Obama e Hillary para defender Donald Trump. E surge entre nós, sabia-se lá de onde (mas agora já se sabe), um trumpismo caboclo, que além de boçal é nojento.
É claro que o governo Obama praticou uma política externa errática, cujas consequências estão se revelando irresponsáveis diante da tradicional posição dos Estados Unidos no mundo. Não se poderia fazer o que ele tentou fazer – abdicar do papel de polícia global de chofre – sem uma transição, apenas a partir das supostas boas intenções da presidência da República.
Mas daí a dizer que Hillary Clinton criou o ISIS e que há uma conspiração mundial comandada por George Soros para minar as bases da civilização ocidental cristã… aí não dá. É muita piração. Ou não! É apenas acentuado deficit de inteligência democrática.
Obama, com todos os seus erros em política externa, minou as certezas do mundo organizado pela guerra entre bons e maus. Então teve uma turma que ficou revoltada com o fim do Grande Irmão do Norte, aquele que garantia, com seu big stick, que ninguém passasse dos limites (a não ser o grande inimigo providencial: sim, para impor uma ordem ao mundo a partir da guerra é preciso sempre ter uma Lestásia). Para essa turma de analfabetos democráticos, as sociedades não existem; ou não contam: só o poder dos Estados.
Com efeito, os que tanto criticam Obama não costumam criticar o ditador Putin, a principal ameaça contemporânea, juntamente com o jihadismo ofensivo islâmico, à paz e à liberdade no plano global. É como se, para eles, fosse preferível voltar a um mundo bipolarizado e à realpolitik do equilíbrio competitivo, à política de blocos de poder da guerra fria, onde tudo parecia estar no lugar. Eles têm medo da imprevisibilidade da política, da insuportável incerteza da vida cotidiana, em suma, de não poder controlar o futuro pela repetição de passado (eis a raiz da pulsão conservadora).
Já Trump, bem… parece ser mais um espécime dessas coleções de humanos deformados – alguns até sociopatas ou psicopatas – que proliferam nos meios empresariais e que, para se dar bem na vida, se construíram como predadores. São produtos de uma cultura idiota que divide o mundo em winners e losers, uma cultura que associa sucesso à virtude, mas que, a despeito disso, os torna invioláveis à qualquer noção de moralidade e… de democracia!
Evitar uma guerra quente contra Putin – como repetem os trumpistas para justificar as declarações irresponsáveis de namoro entre Trump e Putin – significa, simplesmente, ressuscitar a guerra fria entre USA e Rússia para reorganizar o mundo a partir da guerra. Mas guerra (qualquer guerra, não importa se quente, fria ou praticada como política adversarial, na fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin) é sempre autocracia, nunca democracia.
Quando o namoro midiático acabar e Trump gritar ” – You are fired!”, imaginando que estará tudo resolvido – aí sim todos nós teremos perdido.
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