O problema dos conservadores é que eles reduzem a democracia ao Estado de direito. É claro que a democracia reinventada pelos modernos só pode se exercer sob Estados de direito. Mas isso tem a ver com a contingência de a democracia representativa ter de conviver com a forma Estado-nação, cuja dinâmica invadiria os direitos dos cidadãos caso não fosse disciplinada pela lei.
Todavia, os mecanismos de regulação do chamado Estado de direito, que domesticam o Leviatã e contêm a sua fome pantagruélica, protegendo os cidadãos do seu próprio Estado, também enfreiam o processo de democratização. Dada essa contingência histórica – posto que o Estado-nação foi um fruto da guerra, da paz de Westfália – o processo de democratização só pode continuar transbordando os controles, quer dizer, tensionando continuamente – a partir da sociedade – os limites legalmente impostos à voracidade dos governantes, mas que acabam também contraindo a esfera de liberdade dos governados.
Se não houvesse esse questionamento permanente, bottom up, do arcabouço legal e do seu aparato jurídico-político, o regime político ficaria congelado numa forma pretérita (e ainda estaríamos exilados no século 17). Por isso as liberdades – sobretudo de imprensa, de manifestação e de organização – são tão importantes.
No limite poderíamos ter um Estado de direito que não permitisse a continuidade do processo de democratização, o que derruiria a democracia, esterilizando o seu genos (que é ser um processo de desconstituição de autocracia onde quer que ela se instale: seja como tirania dos psistrátidas na Atenas do dealbar do século 5 AEC, seja como poder despótico de Carlos I na Inglaterra do século 17, ou em qualquer outra situação).
E por isso podemos dizer que a democracia não pode ser reduzida a um processo de manutenção das instituições do Estado de direito, como querem os legalistas conservadores.



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