Existem duas chaves interpretativas principais para a análise política. Diante de uma ação (evento) pergunte sempre em primeiro lugar:
1 – Quem se beneficia (cui bono)?
Não importa se quem se beneficia tenha tramado, conspirado, urdido qualquer coisa para se beneficiar. A análise política não é investigação policial. Não quer encontrar culpados. Quer apenas desvendar a configuração do campo que permitiu que se constelasse uma particular correlação de forças.
2 – Qual o resultado objetivo?
Novamente, aqui não importam os interesses ou desejos subjetivos (quer dizer, dos sujeitos envolvidos) e sim o que aconteceu objetivamente.
Em geral, porém, as pessoas não adotam essas chaves interpretativas, preferindo usar critérios axiológico-normativos para avaliar uma situação. Por isso fazem (e se fazem) perguntas como:
3 – O que seria correto fazer (não importando quem se beneficia)?
Por exemplo, quando é descoberto um caso de corrupção, as pessoas pensam logo: se errou, tem de pagar, todos devem ser igualmente punidos, não temos corruptos de estimação. O que é certo é certo e o que é errado é errado. Estes são, todavia, critérios morais de avaliação da ação política dos atores, não critérios de desvendamento da situação que levou os atores a praticarem determinadas ações (e não outras).
4 – Qual a intenção do agente?
Aqui julga-se a boa (ou má) intenção do agente. Novamente é uma avaliação de natureza moral, do caráter dos agentes e não das consequências objetivas dos seus atos.
Tentemos aplicar agora tudo isso à “Armadilha Janot-Fachin” – a tal “ação controlada” que desencadeou o maior ataque especulativo (em termos políticos) a um governo constitucional, em toda nossa história.
Podemos nos guiar por uma perspectiva analítica ou nos deixar conduzir por uma pulsão moralista. Objetivamente – ou seja, independentemente da intenção dos atores (no caso, Janot e Fachin) – a armação contra Temer (e Aécio, representando o PSDB, o principal aliado do PMDB no governo), turbinou o Fora Temer. E as pessoas começaram – manipuladas pelos meios de comunicação, como a Rede Globo – a gritar em coro:
É inadmissível que um presidente da República receba um bandido em palácio, ainda mais em um encontro clandestino, fora da agenda, para tratar de assuntos tão pouco republicanos (como se todos os presidentes não fizessem isso).
É inaceitável que Temer não tenha dado voz de prisão a Joesley Batista ou não o tenha denunciado às autoridades (como se algum presidente tivesse alguma vez feito isso).
É claro que muitas pessoas perceberam o ineditismo da operação orquestrada pelo Procurador Geral da República com o Ministro do STF encarregado da Lava Jato (a despeito do tema não ser propriamente a Lava Jato). Mas logo racionalizaram: foi o correto a ser feito, a intenção foi coibir e punir os crimes praticados, é uma prova de que a Lava Jato (que não é o caso, mas vá-lá) não tem partido.
A partir daí não foi mais possível separar a perspectiva analítica da pulsão moralista. Temer foi então transformado no alvo principal da indignação popular. O resultado objetivo é que Lula – conquanto represente a maior ameaça à democracia brasileira – deixou de ser alvo, sumiu do noticiário. O grande bandido da galáxia agora é Temer. Lula, coitado, apenas queria comprar um triplex para ver a praia de longe e um sítio para descansar e tomar suas cachaças.
Quem se beneficiou com isso tudo? Lula, é claro. Não importa para nada se ele esteve envolvido ou não na trama.
As pessoas ficaram realmente em dúvida sobre qual postura adotar diante das revelações, repetidas ad nauseam pela imprensa, da corrupção de Temer e de seus auxiliares. Uma amiga, angustiada, me perguntou no Facebook:
“Vamos deixar o Temer para ficarmos livres do Lula?”
Minha resposta foi a seguinte:
“O que é deixar? Estou assobiando e andando para o Temer. Ele que se vire com a justiça. O que é muito diferente de ser um tolo capturado pelo movimento Fora Temer que, no fundo, quer apenas o Volta Lula”.
Na verdade, porém, o risco da volta de Lula não é tão grande assim. O risco maior é a impunidade de Lula e a manutenção da organização criminosa que ele chefia. Tudo que Lula precisa é da tábua de salvação de um palanque. Para não ser preso. Para continuar no comando do núcleo duro do PT (o partido interno, a verdadeira organização política criminosa).
O imperativo democrático não é nem prender Lula (se isso acontecer ele não ficará muito tempo em cana, entre outros motivos em razão da idade) e sim desbaratar a organização criminosa, a verdadeira organização política criminosa, aquela que foi estruturada para cometer crimes políticos contra a democracia (da qual só um operador continua preso: João Vaccari Neto), não as numerosas quadrilhas articuladas por políticos para cometer crimes comuns ou mesmo para administrar o condomínio fisiológico e corrupto da velha política (como a de Sérgio Cabral e a de Eduardo Cunha, da qual diz-se que Temer participa ou – o que é bem provável – participou).
Eis a razão pela qual o anti-temerismo militante de antigos anti-petistas é um erro político brutal. Vai dissolver a corrupção sistêmica, feita com motivos estratégicos de poder, dentro da corrupção endêmica dos meios políticos tradicionais, de gente que rouba para se eleger, continuar no poder, enriquecer e se dar bem na vida (não para implantar um projeto neopopulista de conquista de hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido e bolivarianizar o nosso regime).
Qual será o resultado objetivo desse erro? A organização criminosa sairá relativamente impune e não será desbaratada. Continuará, por anos ou décadas, sendo uma ameaça à nossa democracia.
É tão difícil assim entender isso?
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