Os analistas políticos, em sua imensa maioria, cederam ao wishful thinking. Preferem achar que Bolsonaro é apenas um boquirroto que não oferece grande perigo para a democracia, de vez que temos um Estado de direito em pleno vigor, com instituições fortes e consolidadas. Pode até ser. Mas não se pode fechar os olhos para o fato de que o bolsonarismo é uma força perigosa, muito agressiva, que expressa valores patriarcais: intolerantes, preconceituosos, avessos aos direitos humanos, hierárquicos e autocráticos.
Bernardo Mello Franco, no seu artigo em O Globo de hoje, chama a atenção para alguma coisa que as pessoas não estão querendo ver. O artigo termina assim:
“Há um esforço na praça para atenuar os riscos de um governo Bolsonaro. Suas repetidas ameaças à democracia, à imprensa e aos adversários seriam apenas arroubos retóricos. Podem ser — mas, como ensinou seu filho deputado, será preciso “pagar para ver”. No domingo, o capitão elevou o tom em discurso para apoiadores. Prometeu uma ampla “faxina” e anunciou tempos difíceis para quem ousar fazer oposição. “Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse. “Será uma limpeza nunca vista”, acrescentou. O cheiro está no ar, mas há quem prefira tapar o nariz.”
Joel Pinheiro da Fonseca em seu artigo de hoje na Folha de São Paulo, revelou (sem citar) o olavismo inseminado no bolsonarismo:
“A campanha de Bolsonaro, tanto por seus meios oficiais quanto por agregados e apoiadores, fomenta uma atmosfera de fanatismo e paranoia. Em seu discurso, as instituições conspiram contra eles. As pesquisas mentem, as urnas estão fraudadas, a mídia é vendida e veicula fake news e a Justiça está em busca dos menores pretextos para condená-los. Todos estariam sob a influência do Foro de São Paulo a serviço do comunismo e, de forma mais ampla, do globalismo e do marxismo cultural. PT, petismo, comunismo, corrupção e crime viraram conceitos intercambiáveis, contra os quais não há mentira ou barbaridade que não seja tolerável”.
Assim como o PT sempre teve seu “Partido Interno” (marxista e neopopulista-bolivarianista), o bolsonarismo também tem o seu “Partido Ideológico Interno” (olavista, teonomista-militarista). Nossos analistas políticos leram o 1984 de Orwell, mas não viram o primeiro e parece que não verão o segundo.
O governo Bolsonaro não será ditatorial. Mas não se pode negar que o DNA do bolsonarismo é autocrático. É a mesma coisa com o PT. Durante 13 anos de reinado do PT não deixamos de ser uma democracia, mas o DNA do lulopetismo é autocrático.
É quase certo que a democracia no Brasil será afetada no próximo período, tanto pelo governo de Bolsonaro quanto pela oposição que lhe fará o PT. Não, o regime democrático não será abolido, porém a sua qualidade piorará sensivelmente. Teremos, ao que tudo indica, uma democracia mais defeituosa e de baixa intensidade.
Vejam abaixo alguns cálculos para os cenários futuros. As porcentagens são apenas figurativas (para dar força às expressões).
1 – As chances da justiça, provocada pelo PT e seus aliados, cassar a candidatura Bolsonaro ou anular a eleição são próximas de zero.
2 – As chances do governo Bolsonaro instalar uma ditadura militar ou civil ou um governo de cunho fascista no país são próximas de zero.
3 – As chances de um governo Haddad (agora praticamente nulas) instalar (no curto prazo) uma ditadura bolivariana (tipo Venezuela no Brasil) sempre foram próximas de zero.
4 – As chances da polarização Bolsonaro (no governo) x PT (hegemonizando a oposição) nos jogar numa guerra civil fria de longa duração são altíssimas (mais de 90%).
5 – As chances de que nossa democracia fique mais defeituosa (flawed) do que já é e i-liberal ou menos liberal (em termos políticos) são altas (mais de 80%).
6 – As chances do governo Bolsonaro (por baixo do pano, via militância bolsonarista) tratar quem lhe fizer oposição como comunista-corrupto ou corrupto-comunista (como diz a ideologia olavista) e, com isso, levar a um recrudescimento da guerra civil fria (que já estará plenamente instalada), são consideráveis (mais de 50%).
7 – As chances do governo Bolsonaro virar um governo bolsonarista (intolerante com a divergência) não são desprezíveis (mais de 30%).
8 – As chances de aparecer um movimento Fora Bolsonaro nos primeiros 500 dias do novo governo são altas (mais de 80%).
9 – As chances de ocorrer um impeachment do novo presidente são baixas (vistas desde agora, menos de 20%).
10 – As chances do governo Bolsonaro ser derrubado por um movimento de massas, por uma insurreição popular ou por uma guerra (quente) revolucionária são baixíssimas (menos de 5%).
Portanto, nada de menosprezar a ameça bolsonarista. Bolsonaro e sua famíglia – nossos novos senhores – são ameaças reais à democracia. Se isso não significa que nossa democracia será morta, é quase certo que será maltratada e sairá ferida (com que gravidade ainda vamos ver).
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