Democracia é o império da lei (não do governante de turno, nem de qualquer maioria popular eventual que se forme). Leis são feitas pelo parlamento, não pelo judiciário. Judiciário aplica as leis, se preciso de modo contra-majoritário. Pode interpretá-las, mas não pode mudar o que está escrito.
O que os que respeitam a democracia devem fazer quando não concordam com uma lei? Solicitar e pressionar o parlamento para que a modifique. E se for uma cláusula pétrea da Constituição? Devem então defender a convocação de uma nova constituinte. Claro que se acharem que a lei da qual discordam é tão importante, mas tão importante, que sua modificação justifique alterar todo o arcabouço jurídico-político institucional do país.
Ora… isso pode até acontecer. Mas não é o caso – ao contrário do que avaliam os punitivistas – da prisão após condenação em segunda instância. Podemos ser favoráveis a isso, como eu sou. Podemos ser favoráveis, até, a prisão depois de condenação em primeira instância decidida por juri popular, como eu sou.
Mas essa obsessão com prisão rebaixa a política, convertendo-a numa questão policial. Prisão não elimina inimigos. Às vezes tem, ao longo de tempo, efeito contrário (veja-se o caso de Mandela).
O que desconstituiria a liderança de Lula seria o descrédito das pessoas como manifestação da reprovação social aos seus malfeitos; por exemplo, ele andar na rua e ninguém dar bola. Ocorre que Bolsonaro não quer destruir Lula e sim mantê-lo bem vivo e atuante, como espantalho para surfar mais uma vez no antipetismo.
Todos os populistas – hoje os principais adversários da democracia – batem na mesma tecla. Vejam o caso de Trump, que pediu várias vezes a prisão de Hillary. Se houvesse por lá algo como um lavajatismo, seria possível que ela estivesse na cadeia.
Quando pessoas indignadas e idiotizadas me perguntam o que acho de Lula Livre ou Lula Solto, respondo na lata: não sou da polícia. E acrescento: nem tenho uma concepção de justiça como vingança. O papel da prisão é impedir que o meliante continue delinquindo. Se, para tanto, for necessária a prisão, que se prenda. Se não, não.
Lula já está inelegível. Se queremos mantê-lo preso com medo de sua liderança, isso não é mais justiça. Ser oposição não é crime: a não ser nas autocracias.
Populistas-autoritários, de extrema-direita, não querem resolver o problema e sim agravá-lo. São autocratas. A autocracia é a guerra (não importa se quente ou fria). E a guerra não é destruição de inimigos e sim a sua construção e manutenção (não importa se é a Eurásia ou a Lestásia).
Lula solto é o inimigo perfeito para Bolsonaro. Vai açular e reagrupar sua tropa na base do medo, sob o pretexto de que precisamos nos proteger do bicho-papão.
A única solução para a situação atual é fazer a política girar em torno do centro democrático (e a palavra centro vai aqui no sentido físico mesmo, de centro de gravidade), afastando-se dos extremos (não eliminando-os). Só um centro democrático forte (com alta gravitatem) pode afastar os perigos da volta do hegemonismo lulopetista e da manutenção do autoritarismo bolsonarista. Por isso que ambos, ainda que guerreiem entre si para se fortalecer, têm como alvo real inviabilizar a formação de um campo democrático forte.
Nós, os democratas, somos os verdadeiros inimigos desses populistas. Todo o esforço dos neopopulistas lulopetistas e dos populistas-autoritários bolsonaristas será agora para construir os democratas como os principais inimigos comuns.


