Existe uma força política bolsonarista que tem uma base social extensa (10 a 15% da população) e que pretende dobrar de tamanho acirrando a polarização eleitoral.
Há quem avalie, como minha amiga Michele Prado, que subestimo a força numérica da extrema-direita (nela incluída o bolsonarismo). Ela estuda o assunto.
De qualquer modo, a partir de certo grau de acirramento, por razões de rede (quer dizer, da fenomenologia da interação) toda polarização tende ao empate. E o mais grave, como escreveu o Yascha Mounk, é que “uma vez que a polarização perniciosa se instalou, ela permanece”.
Quando se formam blocos em combate, não há mais trânsito de opiniões, falece toda persuasão, convencimento e polinização de ideias. Na guerra – ou na política praticada como uma continuação da guerra por outros meios – o espaço público da conversação e do debate desaparece.
Um contingente de 15 a 20% da população mobilizado contra a democracia – com um comportamento fascistoide – não consegue mais ser metabolizado pela democracia. Imagine-se se esse contingente for muito maior.
Nos lugares em que se enraizou (como as pequenas e médias cidades do interior), esse contingente não será dissolvido em termos orgânicos no curto prazo, seja qual for o resultado eleitoral. Dependendo das circunstâncias, pode se converter em uma espécie de “talibã” neo-fascista.
A candidatura populista-autoritária que representa esse contingente antidemocrático conta com o apoio da maioria do agro-negócio, de alguns setores industriais importantes (como os fabricantes de armas e equipamentos agrícolas – mas não só) e de parte dos agentes de mercado.
Além disso, tem o apoio de setores militares e policiais, de milicianos, da maioria dos evangélicos (neopentecostais), de setores médios reacionários conectados corporativamente (como os médicos e os profissionais de segurança), de garimpeiros, madeireiros, grileiros, caçadores, atiradores e colecionadores de armas, de sociedades e ordens esotéricas hierárquico-autocráticas, de alguns juízes e procuradores e de um grande contingente de políticos fisiológicos e corruptos (do chamado “centrão”).
A melhor maneira de evitar que essa força inviabilize a democracia (ou continue erodindo-a) seria um amplo movimento de concertação nacional, que reduzisse os efeitos nocivos da polarização acirrada.
Investir na polarização “entre deus e o diabo” (para usar as palavras de Lula) é o pior caminho. É preciso pacificar, não guerrear. Um populismo de esquerda, sozinho, não poderá fazer isso. Poderá até vencer as eleições, mas não conseguirá evitar a guerra civil fria de longa duração que se seguirá.