Voltemos ao assunto do papel político dos institutos de pesquisa de opinião. Já tratei do tema em dois artigos. O primeiro, em 27/10/2025, intitulado Pesquisas de intenção de voto. O segundo, em 18/12/2025, intitulado Institutos de pesquisa de opinião. Em resumo, quais foram os problemas para a democracia apontados nesses artigos? (E peço perdão por repetir alguns argumentos já apresentados).
Em primeiro lugar as pesquisas de opinião podem ser instrumentalizadas para validar ou invalidar determinadas visões políticas, contribuindo para aumentar as chances de uma força política permanecer no governo ou sair do governo. Não é necessário fraudar pesquisas para fazer isso. A época em que é feita uma pesquisa, a escolha dos temas a serem pesquisados num determinado momento (e não em outro), o tipo de pergunta que a pesquisa faz, as perguntas que ela não faz, a ordem das perguntas, as opções listadas, as opções não listadas e a ordem das opções apresentadas aos entrevistados, determinam ou condicionam, em grande parte, os resultados.
Por exemplo, pesquisa Quaest divulgada no último domingo (21/12/2025), pergunta se os brasileiros acreditam ou não que Flávio Bolsonaro manterá sua candidatura até o fim. Como as pessoas podem saber isso? É uma pesquisa sobre crenças? O problema é de onde saem essas perguntas. Não se sabe de onde saem essas perguntas (nem sobre a escolha do momento para fazê-las), mas sabe-se onde entram as respostas: na pauta do debate político. E se nós resolvêssemos perguntar – às vésperas da campanha eleitoral – se a maioria dos brasileiros acredita que Lula é inocente de todos os crimes que o levaram a prisão? Ou se perguntássemos: quem acredita que Lula é a alma mais honesta do planeta e quem não acredita? A título de informar à população, podemos perguntar qualquer coisa que, devidamente amplificada pela mídia, influencia o debate político.
Podemos encomendar pesquisas de opinião para reforçar ou enfraquecer qualquer proposta do governo ou da oposição. Se um governo, por hipótese, está querendo enviar ao parlamento um projeto de lei (ou de emenda constitucional) que institua a pena de morte, podemos fazer uma pesquisa que mostra que a maioria da população é contra essa medida. Dependendo, porem, do formato da pesquisa e do momento escolhido para fazê-la (por exemplo, logo após uma chacina promovida por organizações criminosas, com centenas de mortes), podemos obter o resultado diametralmente oposto, mostrando que a maioria da população é a favor da medida. Exemplificando com casos menos extremos, podemos fazer pesquisas que mostrem que a população é favor da redução (ou do aumento) da maioridade penal; que a população aprova (ou desaprova) uma nova reforma da previdência; que a população é favorável (ou contrária) ao voto distrital, ou ao financiamento privado de campanhas eleitorais, ou ao fim da reeleição, ou ao aumento das dificuldades para a instalação de processos de impeachment de presidentes, governadores, prefeitos e membros da suprema corte. Qualquer resultado é possível – sem fraudar as pesquisas.
O governo vai mal das pernas em termos de popularidade? Não seja por isso. Fazemos uma pesquisa eleitoral mostrando que o presidente, candidato à reeleição, vence todos os concorrentes (mesmo que eles ainda não existam) no segundo turno das eleições (que só ocorrerão em um futuro distante). Ou fazemos uma pesquisa mostrando que o incumbente venceria com folga um concorrente seu do passado (que não poderá concorrer mais por estar legalmente inelegível). Vale tudo.
Em segundo lugar, pesquisas de intenção de voto – feitas por institutos de pesquisa de opinião – criam expectativas. A criação de expectativas é o mais eficaz movimento em uma campanha eleitoral. Por isso, diga-se o que se quiser dizer, os institutos de pesquisa de opinião e a interpretação de seus resultados, feita por analistas e divulgada por jornalistas, são o mais poderoso recurso de campanha que já foi inventado. Por exemplo, pesquisas de intenção de voto feitas neste momento (em que escrevo este artigo), com mais de 9 meses de antecedência, prestam-se a todo tipo de especulação política, em especial para animar campanhas antecipadas de candidatos que já estão no palanque e destruir alternativas que nem ainda se apresentaram. Não há como isso ser bom para a democracia.
Em terceiro lugar, há uma questão de fundo: pesquisas de opinião não são capazes de captar a opinião pública e sim a soma das opiniões privadas dos cidadãos. Não, não são a mesma coisa. A opinião pública emerge da interação – e da modificação – das opiniões privadas, não da sua soma. Se fossem a mesma coisa não seria necessário o processo eleitoral, que não compreende apenas depositar votos na urna num dia determinado, mas também a campanha eleitoral, a apresentação das propostas dos candidatos, o debate entre os candidatos, as negociações e modificações das propostas dos candidatos e o debate que se instala na sociedade sobre tudo isso. Bastaria então contratar o IBGE ou outra instituição com capacidade semelhante para fazer uma pesquisa censitária, indo de casa em casa para colher as preferências dos eleitores e depois totalizar os resultados. Isso não vale na democracia porque não capta o processo de formação da opinião pública, ou seja, o processo pelo qual as opiniões privadas são modificadas quando entram em interação entre si. A resultante desse processo é diferente daquela que se pode depreender ao totalizar opiniões ex ante à interação, quando essas opiniões privadas ainda não foram modificadas. Essa modificação é o que chamamos propriamente de política! Em suma, não é possível aferir a vontade política coletiva sem… política! Em outras palavras, não há um modo “técnico” de fazer isso.
Por tudo isso cheguei a dizer, no meu segundo artigo, que quem quiser influir na política pode entrar num partido, fundar um novo partido ou, o que é mais fácil, criar um instituto de pesquisa de opinião. Os resultados de pesquisas de opinião são amplificados pela reverberação dos meios de comunicação (que são, na verdade, caixas de ressonância de algumas notícias “autorizadas” a transitar em seu meio) e acabam pautando o debate político, influenciando as opiniões dos que eram chamados de formadores de opinião (ou, hoje, de influencers), as visões dos analistas políticos, as decisões dos atores políticos e dos eleitores, reforçando ou descartando propostas políticas e candidaturas. É um poder imenso, que pode ser usado para a manipulação da opinião pública.
Ora, se os institutos de pesquisa de opinião operam, objetivamente, como atores políticos, eles deveriam estar sujeitos a leis que controlam esse tipo de agente (político) para estabelecer um mínimo de equidade (ou paridade de armas) nas disputas políticas. Deveria haver um código de conduta que estabelecesse o que é permitido e o que é vedado a um instituto de pesquisa de opinião. Pesquisas de intenção de voto podem ser divulgadas até às vésperas das eleições ou serão proibidas nos 15 dias antes do pleito (como no Chile)? Pesquisas eleitorais precisam ser registradas sempre, mesmo em ano sem eleições (ao contrário do que determinou o TSE)? Partidos políticos que concorrem à eleições podem divulgar pesquisas eleitorais por eles contratadas? Quem pode contratar uma pesquisa (eleitoral ou não)? E será obrigatório ou não, na divulgação da pesquisa, revelar o nome do contratante? Institutos de pesquisa de opinião podem fazer pesquisas às suas próprias expensas (e, neste caso, devem provar como se financiaram)?
Claro que nada disso adianta muito em termos de controle democrático, embora ajude a aumentar a transparência. Há sempre como contornar restrições normativas ou legais. Empresas não podem doar dinheiro para campanhas? Tudo bem, elas então doam para pré-campanhas (que funcionam, para quase todos os efeitos, como campanhas). Analogamente, institutos de pesquisa de opinião não podem fazer isso ou aquilo? Eles arrumarão um jeito de contornar qualquer restrição, a não ser que sejam colocados na ilegalidade, como ocorre em várias ditaduras e não pode ocorrer em democracias.
Claro que se fizéssemos uma pesquisa de intenção de voto no universo dos dirigentes e técnicos dos institutos de pesquisa de opinião muita coisa seria esclarecida. Mas isso não é um procedimento legítimo em uma democracia, assim como não é legítimo fazer a mesma coisa nas agências de checagem e no conjunto dos jornalistas, analistas e comentaristas dos meios de comunicação profissionais. Já sabemos os resultados. E é um direito das pessoas terem suas preferências políticas.
No entanto… um consórcio (informal) formado por institutos de pesquisa de opinião, agências de checagem e grandes meios de comunicação alinhados, sobretudo agindo em conluio, explícito ou tácito, com o governo de turno, constitui um organismo ilegítimo de intervenção política do ponto de vista da democracia. Pode fazer parte de uma estratégia de conquista de hegemonia; ou seja, pode ajudar a prorrogar uma força política no governo, conferindo-lhe o tempo necessário para conquistar hegemonia sobre a sociedade para alterar, por dentro, o “DNA” da democracia – sem golpe!

