Os próximos artigos e uma explicação de por que fui despertado para o tema
Estou escrevendo uma série de artigos intitulada “A onda reacionária e o Paraná”. Tudo começou com um tweet recente:
“Para saber de onde brotou essa onda chamada “conservadora” (mas, na verdade, reacionária ou retrogradadora) é importante investigar o que vem acontecendo nas últimas três décadas no Paraná”.
Já publiquei o primeiro artigo da série: A onda reacionária e o Paraná (1).
Por enquanto estou apenas reunindo o material disponível.
Agora, antes de traçar um roteiro dos demais artigos, vou falar por que fui despertado para o tema.
Morei em Curitiba por um ano (2008), no Alto da Rua XV, mas durante cerca de seis anos, entre 2006 e 2011, visitei todas as regiões do Estado (e uma parte significativa dos seus 399 municípios) promovendo processos de desenvolvimento local em rede e aulas de democracia (para cerca de 400 pessoas). Escrevi até um livro, bem extenso, para servir de texto-base dessas jornadas de aprendizagem, intitulado Alfabetização Democrática (FIEP: Curitiba, 2007).
Nas minhas andanças pelo interior do estado, não raro ouvia dizer, que “o Paraná é o Brasil que deu certo”. Com efeito fiquei impressionado com a vibe empreendedora da juventude paranaense, principalmente, mas não só, em Londrina e Maringá. Mas também notei alguma coisa meio estranha nesses jovens: uma mania de sempre olhar para cima e de olhar muito pouco para os lados, se é que me faço entender. Mas, só por isso, nenhuma ficha havia caído em minha cabeça. Tempos depois vi que o Olavo elogiou as características, segundo ele, de “humildade” (quer dizer, de disposição para ser ensinados e capturados) dos jovens paranaenses, em artigo na Folha de Londrina de 26 de abril de 2003.
Também fiquei curioso com a adesão de alguns líderes empresariais e sociais aos ensinamentos de um falecido professor chamado José Monir Nasser (do qual, só muito tempo depois, lendo um comentário do armamentista e olavista Bene Barbosa, fui saber que apresentava o programa Mídia Sem Máscara na TV – bolado por Olavo de Carvalho).
Bom, mas a primeira ficha só caiu quando fiquei sabendo que Olavo de Carvalho morou e deu aulas em Curitiba, a partir de 2003, antes de ir para os Estados Unidos. Consta que ele conseguiu arrebanhar no Paraná cerca de três dezenas de discípulos, um inclusive muito rico e influente, chamado Guilherme Almeida (herdeiro da empreiteira CR Almeida, fundada em 1958 por Cecílio do Rego Almeida, que prosperou na ditadura). Até um Instituto Olavo de Carvalho chegou a funcionar na Visconde do Rio Branco por um período. Mais recentemente, alunos de Carvalho passaram a ser colunistas e empregados da redação da Gazeta do Povo. E sobre as relações de Guilherme Döring Cunha Pereira, numerário da Opus Dei – atual presidente do GRPCOM, grupo que edita a Gazeta e é dono das afiliadas da TV Globo no Paraná – já tratei no primeiro artigo da série.
A segunda ficha caiu quando vi pela TV a polícia militar do Paraná, apoiando efusivamente – em vez de reprimir – a greve (locaute) dos caminhoneiros, estimulada pelo bolsonarismo, sobretudo por empresários, amigos de Jair Bolsonaro, como Emílio Dalçóquio (que é de Santa Catarina, mas teve grande influência nas movimentações organizadas no Paraná).
Sempre soube que o Paraná (em especial Curitiba) foi o local escolhido para sediar várias organizações da tradição ocultista ou espiritualista, como o Instituto Neo-Pitagórico, a AMORC e também seitas do tradicionalismo católico, como a Opus Dei. Mas só muito recentemente percebi os liames entre esses clusters de mentalidade mítica, sacerdotal, hierárquica e autocrática e algumas lideranças intelectuais, como Mario Ferreira dos Santos (o filósofo muito elogiado por Olavo de Carvalho, que se acha o único fiel tradutor de seus escritos).
Algumas lideranças políticas emergentes no Paraná também estão relacionadas com o olavismo. Por exemplo, o poderoso Oriovisto Guimarães, dono do Grupo Positivo, atual Senador do Paraná pelo Podemos (cuja direção estadual adotou orientação lavajatista), é admirador do olavista Ricardo Velez Rodrigues (não por acaso professor da sua instituição no campus de Londrina) que foi nomeado ministro da Educação por Bolsonaro. Aliás, o reitor da Universidade Positivo, José Pio Martins, deu testemunho de que as ideias de Velez são muito respeitadas por todos na instituição, sobretudo por Oriovisto. Aí caiu uma terceira ficha.
A quarta ficha caiu quando percebi as relações entre membros da força-tarefa de Curitiba da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, o evangelismo conservador e a farsa reacionária chamada República de Curitiba, um grupo formado para apoiar o combate à corrupção que virou, na maior cara de pau, comitê eleitoral de Bolsonaro. A tal República de Curitiba, como se sabe, é bancada pelo empresário reacionário paranaense Paulo Generoso, amigo de outro empresário bolsonarista, Luciano Hang, o conhecido “véio da Havan” (aquela empresa que resolveu colocar estátuas da Liberdade na frente de seus prédios e estacionamentos e que também tem várias unidades – 17 ou 18 – no Paraná).
A página da República de Curitiba no Facebook, seguida por 1.407.817 pessoas, expõe várias fotos do empresário Generoso com Deltan.
Não é a única ligação. Como se sabe, a igreja batista frequentada por Deltan – a IBB (Igreja Batista do Bacacheri), em Curitiba – foi sede de um movimento que defende a Lava Jato, o Mude – conforme revelou a Vaza Jato em publicação do Intercept_BR. Na verdade o movimento parece ter sido criado pelo próprio procurador que coordena a força-tarefa para simular eventos de apoio da sociedade ao lavajatismo militante.
Existem mais conexões do reacionarismo bolsonarista com o Paraná. Não pode ser totalmente por acaso que a primeira Cúpula Conservadora das Américas (articulada por Eduardo Bolsonaro para ser uma espécie de Foro de São Paulo da extrema-direita) foi realizada em Foz do Iguaçu, cidade do Paraná.
Mas tudo isso são evidências que poderiam ser consideradas circunstanciais. Ainda não passei à análise.
Não, não estou procurando criar uma teoria da conspiração. O Paraná (ou Curitiba) não é o (único) fulcro do pensamento autocrático olavista-bolsonarista. Quantitativamente, existem mais núcleos desse pensamento em outros estados (como São Paulo). Estou apenas mostrando que a onda reacionária atual no Brasil está relacionada com movimentos que, coincidentemente ou não, aconteceram – e vêm acontecendo – no estado do Paraná.
Aguardem os próximos artigos.