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A saída do governo Temer diante da sabotagem do PT

A conjuntura nacional mudou novamente. Algumas horas depois do afastamento temporário de Dilma pelo Senado, na manhã do dia 12 de maio de 2016, seguida da posse do novo governo provisório do vice Michel Temer e do anúncio do seu ministério, começaram a surgir as primeiras evidências de que as ameaças do PT de deslegitimar o processo de impeachment – e, inclusive, o novo governo – não eram apenas propaganda de dissuasão, para evitar um grande número de votos dos senadores pelo afastamento temporário ou até, quem sabe, para reverter um resultado desfavorável que todos já esperavam.

Não! A deslegitimação prometida começou de fato a ocorrer no solerte discurso de despedida de Dilma Rousseff e nas declarações à impresa de seus auxiliares mais diretos, no comportamento de funcionários petistas nas instituições do Estado onde remanesceram, nas manifestações da militância nas mídias sociais e nas ruas. Em todo lugar uma única e centralizada diretiva foi replicada. O novo governo é ilegítimo (não apenas o processo de impeachment: este é um detalhe importante). Logo, não reconheceremos o novo governo. Logo, o novo governo não vai governar. Logo, não há governo.

Mas Dilma – além de repisar a tese farsesca do golpe e de acusar as oposições pela sua queda (coisa que ela sabe não ser verdade) – deu a senha para o que virá no seu discurso, quando afirmou que jamais reprimiu os movimentos sociais, mas que Temer o faria. É claro que isso significa que qualquer repressão ou punição às milícias petistas que começarem a tocar o terror nas ruas ou a se insubordinar nos órgãos de Estado, será tratada como ato autoritário de um governo das elites,  conservador, de direita e contra o povo (para não dizer fascista). Consoante com a versão vendida ao mundo pelos petistas – de que houve um golpe dos setores conservadores e corruptos contra uma presidente honesta e legitimamente eleita – o PT, por meio de suas correias de transmissão na sociedade (sobretudo MST, MTST, UNE, Black Blocs), vai transgredir e delinquir com o objetivo precípuo de provocar a reação dos agentes da lei e atrair sobre si a repressão para demonstrar que estava com a razão ao dizer que está em curso um retrocesso democrático no país. Com isso espera que a comunidade internacional faça pressão sobre o novo governo, além, é claro, de manter coesa uma força de combate para os embates institucionais ou extra-institucionalizais que virão.

Tudo isso é extramente relevante porquanto é a primeira vez – na crise em que vivemos – que atores institucionais colocam um pé fora dos limites da legalidade, desbordando a normalidade reconhecida pelo Estado democrático de direito. Que o MST ou o MTST já atuem assim é uma coisa. Mas que um partido que até ontem foi governo oriente e comande abertamente essa violação da democracia… ah!, isso é novidade!

É novidade que um ministro recém empossado, no seu primeiro ato de ofício seja recebido pelos funcionários do próprio ministério com cartazes e xingamentos de golpista. Ao que se saiba, isso nunca aconteceu. Não até ontem, com o novo ministro de Educação.

É novidade que altos funcionários governamentais recém demitidos e parlamentares petistas e de partidos aliados, no pleno exercício dos seus mandatos, expressem claramente a orientação às suas bases de que o novo governo não deverá contar com nenhuma colaboração e que, pelo contrário, deverá ser boicotado independentemente do conteúdo (mesmo acertado e correto) de suas ordens, medidas e determinações.

Ora, se o governante não será reconhecido como tal e sim como um usurpador, como deverão se comportar as forças institucionais que participam do jogo político democrático? Atuarão fora da legalidade democrática? Passarão à clandestinidade? Se entregarão à ação direta e a movimentos disruptivos com o objetivo de derrubar o ilegítimo chefe de governo e de Estado?

Entenda-se que não estamos mais no terreno das bravatas e da propaganda dissuasória. Não se trata mais de blefar que “incendiaremos o país” se formos apeados do poder. Não! Eles já foram, para todos os efeitos práticos, afastados (provisoriamente) do governo (e com maioria suficiente para afastá-los definitivamente logo mais) e por vias totalmente constitucionais. Trata-se, então, de quê? Como não há qualquer proposta de diálogo ou negociação por parte dos inconformados com o impeachment, trata-se de derrubar – e por meios inconstitucionais – o novo governo Michel Temer. Ou seja, rigorosamente falando, o PT e os demais partidos estatistas seus aliados (como o PCdoB, o PSOL, o PDT e, em parte, a REDE de Marina e outros nanicos sem representação), embora continuem sendo reconhecidos como players válidos da democracia brasileira, estão a um passo de não mais o serem de fato e de direito.

Se permanecer no caminho da mentira, do embuste e, sobretudo, da sabotagem ao Estado de direito, o PT se excluirá do campo da democracia. Na verdade, o PT não tem alternativa, se não quiser se reinventar, a não ser instalar uma guerra civil fria no país. Ele precisa da guerra fria para manter coesa sua militância (que inclusive será requisitada como muque de campanha nas eleições municipais de outubro próximo). E, para tanto, precisa estabelecer uma clivagem de cima a baixo na sociedade brasileira, seja para não perder seu enraizamento social, seja para não perder seus representantes eleitos (pois a evasão de vereadores e prefeitos já começou e não havendo como estancá-la por meios normais, logo o PT perderá também deputados, governadores e senadores). Isso não pode ser conseguido a não ser num clima de guerra. A guerra, ademais, é a única esperança de livrar Lula da cadeia (pois já há elementos suficientes, de posse do Ministério Público, para pedir a sua prisão a qualquer momento) e de evitar que prospere algum pedido de cassação do registro partidário do PT.

Mas a guerra fria travada no terreno político – ou a prática da política como continuação da guerra por outros meios –  é bem diferente (não na sua essência, mas nas suas consequências) da guerra com confronto violento. Por certo o PT não quer uma guerra quente, mesmo porque sabe que não tem força bélica para tanto contra o Estado brasileiro. Mas uma vez desencadeada a guerra civil fria, da qual tanto o PT precisa, e desesperadamente, será difícil evitar a sua radicalização. Até porque o PT não controla os setores mais à esquerda que estão se aproveitando da situação para se afirmar (como o PSOL e seus Black Blocs, mas também os grupos menores e as organizações políticas que estão escondidas no núcleo duro da direção de falsos movimentos sociais, como o MST).

Pode-se dizer que o PT está apenas investindo na confusão, para criar um caos e uma ameaça de convulsão social iminente, que obrigue todos os setores políticos a adotar como solução milagrosa a convocação de eleições gerais (ou, pelo menos, para presidente, ainda em 2016) diante de um retumbante fracasso do governo Temer. Sim, a eleição – se for permitida a candidatura de Lula – seria a solução para ele (pois ninguém irá encarcerar um concorrente sem deixar transparecer uma intenção de golpe) e para o PT. Um palanque, para uma via neopopulista (como o lulopetismo), é a solução universal. O PT foi preparado para isso e é isso que ele sabe fazer melhor do que ninguém: concorrer a eleições como quem trava uma guerra. Essa hipótese não é descartável, em princípio, embora não se saiba a que grau de confronto se deva chegar para que ela se torne viável (na medida em que hoje ela é plenamente rechaçada pelos atores políticos). E também não se saiba se é possível controlar as energias destrutivas invocadas com o incentivo à guerra fazendo-as escoar para as urnas surgidas meio do nada no cenário, em caráter extraordinário. O PT deveria contar com uma base parlamentar bem maior do que hoje tem para levar a cabo tal arriscada operação. E deveria ter mais apoio na sociedade (que embora seja simpática, em princípio, à ideia de eleições extraordinárias, não está disposta a apoiar tal medida para salvar o PT da extinção ou Lula da cadeia). Além do que, tudo isso pode acabar sendo só adiamento da agonia e da morte anunciada. Pois dificilmente o eleitorado escolherá Lula ou qualquer outra liderança do PT para presidente.

Mas o PT encontra-se hoje reduzido a certos clusters bem limitados, que não reúnem mais do que 10% da população brasileira. É com esses aglomerados que ele pode operar. É dessa base que ele verdadeiramente dispõe para organizar uma resistência autocrática à transição democrática em curso (sabotando tudo que puder para inviabilizar o governo Temer), como mostra o mapa esquemático abaixo:

 

Mapa da Resistência Antidemocrática Dagobah

 

O problema é que – tendo a sua disposição apenas esse reduzido contingente – o PT pode não conseguir seu intento, mesmo que apenas protelatório – de pontificar na cena política como um “cadáver adiado que procria” (para citar Fernando Pessoa, em Dom Sebastião) -, ao adotar a orientação de não reconhecer, deslegitimar e sabotar o governo de transição. Pois a tática e os meios de que terá de lançar mão já acarretam, em si, uma quebra das regras do Estado democrático de direito. E o Estado – independentemente de quem o governe – sempre se protege de seus inimigos (é um tipo de organismo social que foi gerado, precisamente, para isso). E não raro o faz em detrimento do próprio governante.

Com poucas luzes para analisar esta complexa situação, o recém nascido governo Temer (que não tem nem 72 horas de vida), encontra-se neste momento em sérias dificuldades, das quais não poderá sair apenas com a ajuda da sua claudicante (e em boa parte fisiológica, desmiolada e analfabeta democrática) base parlamentar. Se não cair rapidamente na real, o governo Temer pode de fato naufragar diante dos ataques do PT.

Cair na real significa, em primeiro lugar, compreender a natureza do PT: uma organização autocrática, politicamente organizada, socialmente enraizada, com narrativa ideologicamente estruturada, armada com um projeto neopopulista de longa duração nascido da fusão de neomaquiavelismo com gramscismo e adestrada para o combate; ou seja, uma organização que usa a democracia contra a democracia e, como tal, não se configura propriamente como um player válido do regime democrático. E significa, em segundo lugar, perceber que não há como contornar a situação que está sendo criada pelo PT apenas no âmbito da institucionalidade vigente. É preciso que Temer peça o apoio da sociedade, quer dizer, apele às ruas – as mesmas ruas que permitiram que ele chefiasse o governo (não porque o apoiassem e sim porque ele, sendo o vice, teria, como teve, de assumir o posto por força da Constituição). Com efeito, se não fossem as ruas não haveria Temer presidente, pois nenhum ator institucional (de nossa anêmica oposição formal ou da base do antigo governo) teria vontade, coragem, capacidade e força política suficiente para colocar essa medida extrema na ordem do dia.

As pessoas constelaram-se aos milhões nas ruas de todo país pedindo três coisas basicamente: o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e o fim do PT. Elas não se mobilizaram para exigir que qualquer oposição oportunista empalmasse o governo e, muito menos, que Temer fosse sagrado presidente. Para conseguir esse apoio, portanto, Temer tem que dizer, claramente, que precisa de ajuda para enfrentar a grave situação deixada pelo PT. Tem que apresentar publicamente a herança maldita. Tem que abrir a caixa preta do governo Dilma em todos os ministérios, em todas as estatais e outros órgãos de Estado e expor à luz do dia os crimes de responsabilidade e os crimes comuns, os atentados às normas fiscais, as irregularidades administrativas, o aparelhamento do Estado, a degeneração das instituições, a perversão dos procedimentos e a privatização partidária da esfera pública – em suma, todos os malfeitos que conseguir descobrir do PT. E tem que dizer que, sozinho, sem a ajuda da sociedade, dos homens e mulheres de bem que trabalham para manter o país, não será capaz de consertar minimamente o Brasil.

Se não fizer isso, muito provavelmente, Temer não conseguirá governar. As consequências são imprevisíveis. Mas não serão nada boas.

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