Muitas pessoas perguntam o que nós, os democratas, devemos fazer neste período sombrio em que vivemos.
Hoje já parece claro que os que tomam a democracia como um valor universal e como principal valor da vida pública e que sabem que os populismos (de direita ou de esquerda) são hoje, no Brasil e no mundo, os principais adversários da democracia, devem adotar as seguintes orientações:
1) Fazer oposição ao governo Bolsonaro e resistir ao avanço das ideias e práticas bolsonaristas em todo lugar.
2) Resistir à volta do lulopetismo ao poder e não permitir que essa força política neopopulista hegemonize ou lidere a oposição e a resistência ao populismo-autoritário bolsonarista.
3) Articular um campo democrático, quebrando a polarização entre os dois populismos em confronto (ditos de extrema-direita e de esquerda). Trata-se de erigir um centro político (não no sentido de centrão e sim de centro de gravidade em torno do qual deve orbitar a política para haver democracia) isolando os extremos nos extremos do espectro. Quando populistas ocupam o centro político, a democracia entra em risco de se autocratizar.
4) Aumentar o número de agentes fermentadores de uma opinião pública democrática, ou seja, de democratas, verdadeiros liberais-políticos, ativos e interativos. Não se trata aqui de buscar uma nova liderança salvadora capaz de empolgar e conduzir as massas e sim de multiplicar o número de democratas que intervêm cotidianamente no debate público em todo lugar: na grande imprensa, nas mídias sociais, nas instituições do Estado (inclusive nos parlamentos e governos) e da sociedade. A democracia não é a luz de um holofote e sim a de miríades de pequenas velas.
Claro que isso não será suficiente para alterar radicalmente, no curto prazo, a situação atual. Para tanto, é necessária uma quinta medida:
5) Interromper, sempre por meios democráticos, pacíficos e legais, o governo Bolsonaro antes do final do seu mandato. Bolsonaro e o bolsonarismo têm de ser parados o quanto antes (antes que se apoderem das instituições que ainda atuam como freios à expansão do seu poder despótico e antes que esgarcem ainda mais o tecido social que possibilita a continuidade do processo de democratização).
Essa quinta medida, entretanto, não depende apenas de nós. Somente manifestações vigorosas da fenomenologia da interação social, de insatisfação com a situação e de cansaço com a polarização (uma verdadeira guerra civil fria que vai se instalando), poderia criar condições políticas para a obtenção de tal resultado. Na ausência de uma onda de alta interatividade como a de junho de 2013 (sem guerra), dificilmente será possível fazer isso.
Uma das medidas acima – a quarta – merece uma consideração mais extensa: o deficit de democratas (ou de liberais-políticos).
ENTENDENDO O DRAMA
Contam-se, pelo menos, de oitenta a cem agentes populistas-autoritários, de extrema-direita, i-liberais e majoritaristas, bolsonaristas ou olavobolsonaristas, que publicam regularmente na grande imprensa (jornais, revistas, rádios, televisões) e nas mídias sociais (no Facebook, no Twitter, no Instagram ou no Youtube), atuando como hubs de uma rede descentralizada (mais centralizada do que distribuída) bolsonarista. Eles estão entre os nomes da lista dos bolsonaristas (ainda que nem todos que estão na lista cumpram tal papel).
Existe também um número considerável, talvez menor nas mídias sociais, de agentes neopopulistas, de esquerda, alguns lulopetistas, outros não, em parte igualmente i-liberais e majoritaristas, que fazem isso.
E existem ainda os lavajatistas militantes que, de um modo ou de outro, contribuíram objetivamente para a vitória de Bolsonaro e continuam atuando na vertente bolsolavajatista (como, por exemplo, os militantes de movimentos como o Vem Pra Rua e os praticantes do jornalismo cafajeste de O Antagonista).
Por último, existem os liberais-econômicos que não são liberais-políticos, como Rodrigo Constantino, Helio Beltrão e os integrantes de vários institutos liberais (tipo o Instituto Liberal com várias filiais ou ramificações, o Instituto Liberal de São Paulo, o Instituto Liberdade, o Instituto de Estudos Empresariais e o Fórum da Liberdade, a Sociedade Aberta, o Instituto Hayek Brasil, o Instituto Millenium, o Estudantes pela Liberdade, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Liberal do Nordeste, o Instituto Ordem Livre, os Boletins da Liberdade, o Sociedade Aberta, o Instituto Rothbard e o Instituto Mises Brasil). Com a honrosa exceção do Livres, não ha um número considerável de agentes democráticos (que tomam a democracia como valor universal e como principal valor da vida pública) nesse contingente.
Onde estão os agentes não-populistas (nem de extrema-direita, nem de esquerda), liberais no sentido político do termo, quer dizer, democratas? Quantos são?
Tentem fazer uma lista, começando por Demétrio Magnoli, passando por Reinaldo Azevedo, por Joel Pinheiro da Fonseca, por Marco Antonio Villa, por Carlos Andreazza, por Ricardo Noblat, por Pedro Dória, até chegar a jornalistas que também analisam o cenário político do ponto de vista do Estado democrático de direito, como Vera Magalhães, Merval Pereira, Eliane Cantanhêde, Miriam Leitão etc. (não incluímos aqui estudiosos como José Álvaro Moisés, Celso Lafer, Boris Fausto, Roberto Romano e outros – que não são ativistas políticos regulares com alta frequência). Quando a contagem não conseguir ultrapassar duas dúzias vocês entenderão o drama.
Não se trata de achar novas grandes lideranças. Precisamos de líderes, claro. Mas não de poucos líderes. Nosso deficit não é de monoliderança (ou de poucas lideranças) e sim de multiliderança democrática (ou liberal, no sentido político do termo). Sem um contingente mínimo de democratas (mesmo que sejam minoria), capaz de atuar como fermento na massa, catalizando o processo de formação de uma opinião pública democrática, nada feito. E nós ainda não temos tal contingente. Não adianta apenas um bom líder (ou dois ou três) porque a formação da vontade política coletiva não é a mesma coisa do que o seguimento de um líder (na base da relação pastor-rebanho: a democracia, aliás, é a morte do pastor). Tem que haver fermentação e isso exige a presença de agentes fermentadores.
Eis a razão pela qual tornou-se um imperativo democrático implantar processos, sistemáticos e distribuídos, de aprendizagem da democracia.


