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Carta ao Antagonista

Não se sabe bem o que O Antagonista está fazendo. Engrossar o coro para derrubar o governo, às vésperas de eleições regulares e sem alternativas? Convenhamos: é meio irresponsável.

Você, Diogo Mainardi, tem razão quando constata que o sistema como um todo apodreceu e teríamos que recomeçar do zero. Mas as coisas não funcionam assim na política democrática. Jogar tudo no chão não significa que se conseguirá reconstruir, num passe de mágica, um novo sistema representativo minimamente aceitável e legitimado pela sociedade. O mais provável é que os novos atores, mais cedo do que mais tarde, repliquem o comportamento dos velhos.

Ademais, o fato de o sistema representativo ter apodrecido não pode servir para igualar todos os que cometeram delitos. Há uma corrupção que é endêmica na política tradicional (própria da política democrática mesmo e inversamente proporcional ao nível do capital social do país e não ao grau de honestidade individual dos agentes) e há uma nova corrupção que foi operada pelo PT com objetivos estratégicos de bolivarianizar o regime. Igualar as duas coisas é um erro político tremendo e um risco, aí sim, para a democracia. Se todos roubaram, por que não Lula? Não há resposta convincente capaz de alterar a dinâmica eleitoral entrando na cabeça de milhões de eleitores no curto prazo.

A esperança de que Lula será condenado em tempo hábil e ficará inelegível, não passa de um desejo. Ele teria de ser condenado em duas instâncias. Mas se Lula sair candidato, subir no palanque e convocar uma campanha nacional e internacional contra o que chamará de “segundo golpe” (desta feita para impedir sua eleição certa), a situação ficará difícil. E se Lula for preso provisoriamente em primeira instância, nada indica que não será solto em seguida por alguma instância superior, sobretudo se já estiver em franca campanha eleitoral para 2018.

O judiciário, por melhores que sejam Moro e mais dois ou três gatos pingados dedicados ao combate à corrupção, não pode reformar o regime. Isso nunca aconteceu e não vai acontecer. Depois de uma Mani Pulite pode vir (como veio) um Berlusconi. A política só se resolve pela política, a não ser que queiramos romper a legalidade vigente instalando um regime de exceção para “limpar a política” (o que cheira a fascismo) ou apostando no caos para ver o que acontece (o que é irresponsável).

Nossa única esperança são as ruas. Se as ruas não falarem, não adianta investir em medidas judiciais e eventuais condenações seguidas de revisões. Collor foi absolvido pelo STF e está solto para continuar delinquindo e isso aconteceu, entre outras coisas, porque não houve – e não haverá, no caso – clamor das ruas equiparável aquele que levou ao seu impeachment.

O Fora Temer, seja na linha do PT (que quer investir na confusão para se salvar), seja na linha moralista (a partir da alegação de que todos que erraram têm que pagar), é uma irresponsabilidade ou um oportunismo de pescadores de águas turvas (como Bolsonaro e sua turbamulta vil de seguidores). A não ser que Temer cometesse crimes durante seu atual mandato, o que ele não está fazendo, o Fora Temer (porque o PT – que de fato comandava o esquema – roubou na campanha de 2014) não se justifica.

Não há alternativa boa para a democracia ao governo de transição de Michel Temer. E um Temer eleito indiretamente pelo Congresso depois de ser cassado pelo TSE será um presidente muito pior para a transição. Estamos numa democracia representativa (que, conquanto flawed, é a única que temos). Não há um projeto político estruturado e com base social e política suficiente para corrigir as falhas do sistema atual ou substituí-lo por outro mais democrático no curto prazo. Não há. Mas haverá eleições em 2018. E Lula, se não estiver impedido, será candidato. Qual o candidato não corrupto que lhe fará frente? Marina? Bolsonaro?

Mesmo que as ruas peçam a cabeça de centenas de políticos corruptos atuais, elas não podem fornecer substitutos: não é da sua dinâmica fazer isso. E muito menos substitutos que não se corrompam. Pois não se trata de substituição e sim de transição: eis o ponto! Para a transição ser democrática, o velho terá de conviver durante um tempo razoável com o novo. Não adianta jogar o aparelho de fax pela janela do décimo andar do prédio se ainda não inventaram o e-mail. E depois que o e-mail for inventado (como aconteceu), perde o sentido qualquer revolta ludista contra o fax.

Quero dizer que não ocorrerá uma espécie de Armagedon, caro Diogo, uma batalha cósmica que nos levará, de chofre, a novos céus e nova terra. Essa visão apocalíptica não se realizará. Tá bom, você quer dar apenas um choque no sistema. Mas mesmo assim deve levar em consideração que o sistema é resiliente e tem capacidade, quando for reinicializado, de rodar os mesmos velhos programas. Porque o sistema não é dirigido por ninguém, nem por Lula, nem por Cunha, nem por Sarney, nem por Dirceu, nem por Renan, nem pelo Emílio Odebrecht. Cada candidato a vereador que aparece e se cria dentro do sistema é um candidato à Renan. Cada Marina que desponta – a despeito de suas boas ou más intenções – é uma candidata à Lula.

Mas há algo, no horizonte visível, muito pior do que tudo isto. A volta do PT ao poder, com a eleição de um autocrata neopopulista como Lula (ou a eleição de um autocrata populista de direita para barrar Lula e o pior dos mundos é ser jogado nessa bifurcação). E atenção: um autocrata honesto será muito pior, para a democracia, do que um democrata desonesto (ou até mesmo do que um autocrata desonesto, já deslegitimado porquanto conhecido como desonesto).

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