Há uma lenda sobre partidos na democracia atual. Repete-se que uma democracia forte precisa de partidos fortes. Isso já pode ter sido verdade em alguma época (ainda que o mais provável é que nunca tenha sido). Agora não mais. Um breve exame dos 35 partidos políticos legalmente constituídos no Brasil – sejam considerados fortes ou fracos (e os fortes costumam ser até piores do que os fracos, do ponto de vista da democracia) – revelará o abismo entre essas instituições e a sociedade.
Os partidos da lista abaixo (transcrita do site do TSE, ao final deste texto), em sua grande maioria, são apenas um ramo de negócios (alguns são verdadeiras empresas de coligações, do tipo: “eu entro na aliança e você me dá tais e tais cargos”). Fundar partidos é mais ou menos como fundar sindicatos ou igrejas: trata-se de conseguir uma autorização oficial para conduzir os outros e viver do trabalho alheio (remunerado ou voluntário). Ou para fazer carreira em uma “profissão” privilegiada. Se alguém tem a pretensão de não trabalhar (produtivamente) eis aí uma boa alternativa.
No artigo Se é partido não pode ser novo, nem livre, já fomos ao centro da questão:
Partidos são partes do velho sistema político que apodreceu, não porque sejam organizados por pessoas más (as tais “maçãs podres”, como pensam os tolos) e sim porque a forma-partido e o modo-partido são aderentes às práticas do velho sistema…
Como poderia ser de outro modo? Não há uma fórmula. O que se sabe é que movimentos emergentes da sociedade que se transformam em partidos carregam, inevitavelmente, as limitações da forma-partido e do modo-partido tradicionais perdendo a sua força questionadora ou transformadora de um sistema que privatiza partidariamente a esfera pública na base do spoil system.
Partidos são organizações de combate próprias da democracia dos modernos, formadas sobre o falso pressuposto de que a guerra entre poucas organizações privadas teria, milagrosamente, o condão de gerar um sentido público. Não gera. Porque a sociedade não funciona do mesmo modo que o mercado, onde a competição entre miríades de agentes (não apenas alguns) econômicos privados gera, de fato, algum tipo de autorregulação emergente. E não é a mesma coisa porque o mercado não tem (nem deve ter) qualquer pretensão de gerar um sentido público ou algo que possa se assemelhar ao commons.
Como o objetivo dos partidos é entrar no Estado (em vez de permanecer fermentando a formação de uma opinião pública na sociedade: o papel precípuo dos democratas) e como o Estado que temos é o Estado-nação (um fruto da guerra, da paz de Westfália), os partidos acabam decalcando a morfologia e a dinâmica do Estado. E aí viram campos de luta, não apenas contra os outros partidos, mas internamente.
Quem já organizou e dirigiu partidos, legais ou clandestinos, sabe que é assim: as mais altas direções partidárias são, via-de-regra, reuniões de inimigos íntimos. A luta interna é constante e estiolante, só mitigada ou contida em função da alta gravitatem de algumas lideranças…
Diga-se o que se quiser dizer para dourar a pílula: não há democracia interna nos partidos (realmente existentes ou ideados). Todo partido tem donos (não raro, um único dono).
Remanescem, porém, alguns mitos sobre os partidos que precisam ser questionados. Vejamos os cinco principais mitos:
1 – Partidos são instituições públicas
NÃO SÃO. São organizações privadas da sociedade que reúnem pessoas que concordam com determinado programa político e dispostas a obedecer a um estatuto organizacional. Partidos não representam todas as pessoas e, a rigor, nem mesmo as pessoas que a eles se afiliam. Eles expressam as visões políticas (que podem refratar interesses econômicos), necessariamente particulares, de grupos de pessoas. Não podem ter, consequentemente, caráter público – nem no que tange aos interesses que defendem, nem no que diz respeito a sua forma de organização (que é sempre hierárquica) e ao seu modo de funcionamento (predominantemente autocrático).
Partidos só são confundidos com instituições públicas em autocracias, quando se fundem ao Estado: neste caso, porém, eles são realmente instituições privadas que privatizaram o Estado (como se sabe, o Estado só pode ser considerado um ente público em democracias e, mesmo assim, os partidos continuam sendo organizações privadas).
Como organizações privadas que são, os partidos tendem a privatizar partidariamente a esfera pública, mesmo nas democracias, abocanhando parte do butim quando entram no Estado.
2 – A competição entre partidos é capaz de gerar um sentido público
NÃO GERA. Esta crença já foi abordada no parágrafo transcrito acima. O público só se forma por emergência e poucas organizações privadas guerreando entre si não podem gerar um sentido público (seriam necessários miríades de partidos para que isso acontecesse – tantos quanto o número de eleitores, o que desconstitui a ideia de partido – e, mesmo assim, nada sustenta a afirmação de que o público possa ser gerado dessa maneira). A crença por trás desse mito deriva de uma confusão entre a racionalidade da sociedade e a racionalidade do mercado (cuja dinâmica gera, de fato, algum tipo de auto-organização), mas é preciso ver que a competição mercantil (fundamental para a economia, não para a sociedade como tolamente acreditam os seguidores de doutrinas do liberalismo-econômico) não tem como objetivo ou como sentido (e não deve ter mesmo) gerar um sentido público.
Para entender tudo isso é preciso examinar com mais profundidade o conceito de público. Publico não é o que é nominalmente declarado público por um conjunto de leis ou pela Constituição. Não é um estado natural do mundo social (composto, em última instância, por pessoas – que são entes privados). Público é o que passou por um processo de publicização. O processo de publicização é coevo ao processo de democratização. Só pode ser publicizado o que foi democratizado.
No artigo A confusão neopopulista entre público e privado, já mostramos onde está a raiz da confusão:
O público é confundido com o privado por todos os que querem privatizar o público. E o público pode ser privatizado por interesses econômico-empresariais, mas também corporativo-sindicais e político-partidários. A corrupção, endêmica ou sistêmica, é uma forma de privatização do público. Mas não é a única. Toda vez que interesses privados, mesmo se expressando de acordo com as leis, se sobrepõem ao interesse público, pode-se dizer que há privatização.
A ideia dos modernos, de que o público possa se formar a partir da luta entre interesses privados, é incorreta. A rigor é o contrário. O público se forma a partir da interação de múltiplos inputs privados quando não se pode identificar, na resultante geral, de onde partiram tais inputs (como no caso da receita pública) ou quando há associação de vários agentes para contender com um problema comum ou realizar um projeto a partir de desejos congruentes (que é a dinâmica prevalecente na formação do commons).
De qualquer modo, o que chamamos de público é sempre o resultado da interação e inevitável modificação de iniciativas originais envolvendo agentes privados, mas não a simples soma ou justaposição dos interesses desses agentes (como no caso de uma organização privada, bando ou quadrilha) em benefício próprio, ainda que coletivo. Empresas, corporações e partidos são organizações privadas, não públicas. Empresas, corporações e partidos em luta entre si (ao contrário do que acreditou o liberalismo econômico a partir de uma visão mercadocêntrica da sociedade) não geram um sentido público (e, não raro, o resultado concreto da sua luta acaba numa espécie de divisão de butim: o chamado spoil system). O público se forma por emergência e é necessário, para tanto, que haja emergência, combinação e recombinação de múltiplos inputs segundo dinâmicas próprias de sistemas complexos adaptativos (ou seja, há uma fenomenologia da interação envolvida, que não pode ser substituída pela simples disputa, seguida de negociação e combinação de interesses como se faz em um condomínio).
Assim, para um ente ou processo ser dito público, não basta que as leis declarem nominalmente o que é público (não raro confundindo público com estatal, quando a realidade mostra o oposto: Estados são entes privados, a menos nas democracias, ou seja, em quase 6 milênios de vigência de várias formas de Estado – do Estado-Templo-palácio sumeriano ao Estado-nação europeu moderno – não temos mais do que 500 anos de experiência de Estado como ente público). Uma coisa – ente ou processo – só pode ser pública se for publicizada. A experiência democrática mostra que a publicização é uma desprivatização. A desconstituição de autocracia (ou seja, a democracia em termos genéticos) é acompanhada sempre de uma desprivatização do que estava privatizado pelo autocrata. E como não existe propriamente esfera pública a não ser nas democracias, podemos dizer que a publicização é sempre uma democratização.
Democratização, no entanto, não é sinônimo de eleitoralização. A eletividade é apenas um dos critérios democráticos, incapaz de garantir a legitimidade do regime democrático na ausência dos outros critérios: como a liberdade, a publicidade ou transparência, a rotatividade ou alternância, a legalidade e a institucionalidade. Democratizar, portanto, não é simplesmente eleger todos os cargos públicos. Se elegêssemos todos os juízes, procuradores, titulares dos órgãos de controle e policiais, isso – por si só – não garantia um regime mais democrático. Aliás, poderia resultar no oposto: em um regime mais autocrático, de viés eleitoralista-populista. Não se pode esquecer que das 60 ditaduras que ainda remanescem, boa parte promove eleições (e isso vale, inclusive, para as neoditaduras, as que surgiram no século 21: Chávez e Maduro foram eleitos, assim como Putin e Erdogan).
É claro que é melhor ter vários partidos disputando entre si do que um partido único de direito ou de fato (“para inglês ver”) como acontece nas autocracias. Mas do fato da liberdade de organização partidária ser um dos requisitos da democracia não se pode inferir que a relação adversarial entre partidos gere qualquer coisa pública.
3 – Um modo de renovar a política é fundar novos partidos
NÃO É. Independentemente de seus diferentes ideários, partidos podem ser caracterizados pelo mesmo padrão de organização e pelos modos de regulação de conflitos que neles igualmente prevalecem.
O padrão de organização dos partidos é hierárquico, decalcando o padrão de organização do Estado (o que se explica pelo fato de que partidos são organizações pró-estatais, quer dizer, são organizações erigidas para entrar no Estado): têm presidentes e outros cargos de comando e uma burocracia gerencial e se estruturam em árvore, reproduzindo mais ou menos as instâncias políticas do Estado: diretórios zonais e municipais, estaduais, nacional e comissões executivas que controlam esses diretórios. Tudo isso é regido por uma dinâmica predominantemente autocrática.
Como já foi dito aqui, não há democracia interna nos partidos. O poder dos chefes de partido é inconteste. Dificilmente esses chefes (incorretamente chamados de líderes, posto que quase não há renovação – emergência de novos líderes e sim prorrogação ad aeternum das velhas “lideranças”) terão suas vontades contrariadas. Em cada nível da federação há um “dono” (ou cacique) e subordinado a um chefe da instância superior, todos sendo subordinados a um capo maior (ou a um conjunto de chefes que atuam como o supremo conselho da organização). A taxa de renovação nas direções dos partidos é muito menor do que no próprio Estado.
A forma-partido (estrutura) e o modo-partido (dinâmica) são conformes à natureza da organização (ente privado constituído na relação adversarial com os demais entes da mesma natureza) e aos seus objetivos (entrar no Estado, empalmar o poder e abocanhar o butim). Assim, fundar um novo partido (com novas pessoas imbuídas de novas propostas políticas) não pode ser caminho para renovar a política enquanto se mantiver a forma-partido (hierárquica) e o modo-partido (autocrático) e enquanto não se mudar a natureza e os objetivos desse tipo de organização. Não depende das boas intenções dos sujeitos que resolvem fazer um novo partido. Se é partido (reconhecido como tal pelos seus pares que já pertencem ao oligopólio partidário e pelas instituições do Estado que o sancionam desde que mantenha a forma, a dinâmica, a natureza e os objetivos de qualquer partido) será como os demais.
Por isso qualquer partido novo leva pouquíssimo tempo para ficar velho. Não porque os seus fundadores idealistas não queiram mantê-lo novo (e diferente dos demais), mas porque as pessoas que vão rechear as estruturas partidárias trarão consigo a velha cultura política, a começar pelas instâncias municipais. Nos municípios, quem tem vocação para cacique não entra em partidos que já têm dono. Quer fundar um novo curral sob seu comando e controle. E aí acaba inaugurando um diretório de qualquer novo partido que aparecer (e que ainda não tem dono local). É impossível para uma direção nacional que fundou um novo partido vigiar mais de 5 mil municípios, selecionando quem vai entrar (isso pode até ser tentado no começo, mas logo, logo, a velha dinâmica política acabará prevalecendo).
Em geral novos partidos já aparecem com um presidente e um candidato à presidência da República (não raro a mesma pessoa) que não podem ter sido escolhidos por um processo democrático. A desculpa é que esta é a única maneira de manter a “pureza” da proposta original, expandir e consolidar o partido: aumentando a visibilidade de uma liderança e acumulando cacife político para próximas disputas. São as disposições transitórias que figuram nos estatutos partidários e que sempre viram… permanentes.
4 – Uma boa reforma política será capaz de consertar os defeitos dos partidos
NÃO SERÁ. O oligopólio da política formado e controlado pelos velhos partidos não aceitará nenhuma reforma política que desconstitua a fonte de seu poder hierárquico e autocrático. Nenhum chefe partidário concordará em ser demitido de sua condição, pois foi exatamente para isso que ele fundou um partido ou fez carreira dentro de um partido. Não é por outra razão que nenhuma iniciativa de reforma política propõe mudanças no hardware e no firmware dos partidos.
Não é propriamente que os partidos tenham defeitos que possam (e devam) ser consertados. Não. Enquanto se estruturam formalmente e se comportam funcionalmente como bandos ou quadrilhas, os partidos não têm problemas: eles são um problema para a democracia (assim como o Estado-nação, tronco gerador de programas verticalizadores do qual derivaram, mas este, pelo menos, foi parcialmente domesticado pela fórmula do Estado democrático de direito, enquanto que não há algo equivalente para os partidos que os obriguem a ser partidos democráticos de direito). Para tanto dever-se-ia limitar o número de mandatos de dirigentes partidários e estabelecer regras claras de escolha desses dirigentes e de candidatos – o que não pode ser feito a não ser pela intervenção direta do Estado na vida interna dos partidos, mas isso violaria a autonomia partidária enquanto organização da sociedade.
5 – Não há outra maneira de fazer política a não ser através de partidos
HÁ, SIM. No artigo Inovação na política: há ou não há? E se há, onde está? já mostramos que novas formas e modos de fazer política estão emergindo no dealbar da sociedade-em-rede em que vivemos. Não seria o caso de repetir aqui todos os argumentos e os exemplos, mas apenas o de expor alguns tópicos:
Os eventos mais expressivos deste século, que anunciaram e introduziram inovações na forma e no modo de fazer política, foram os grandes enxameamentos civis que ocorreram a partir de 2004 na Espanha: o 11M (aquela extraordinária manifestação, em várias cidades espanholas, a propósito da tentativa de falsificação, pelo governo de Aznar, da autoria dos atentados da Al Qaeda em março de 2004 em Madri, atribuindo-a falsamente ao separatismo basco). Nos anos seguintes, movimentações mais ou menos semelhantes começaram a surgir, quase sempre gestadas de forma subterrânea na sociedade, destoando dos padrões clássicos das mobilizações organizadas centralizadamente por hierarquias políticas e sindicais. Em 2011 esses movimentos eclodiram no que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, começando pelo 14 de janeiro na Tunísia e o 26 de janeiro na Síria, passando pelo 2 de fevereiro no Iêmen, pelo 11 de fevereiro no Egito (dia decisivo para a queda do ditador Mubarak), pelo 14 de fevereiro do Bahrein, pelo 17 de fevereiro na Líbia, pelo 9 de março em Marrocos até voltar ao 18 de março na Síria (quando, então, Assad iniciou a guerra para matar a rede).
Outra incidência importante foi o 15M espanhol (que ficou conhecido como a manifestação dos indignados com a velha política, em maio de 2011 em Madrid, espalhando-se por outras cidade). Veio também em seguida uma série de movimentos do tipo Occupy inspirados pelo 17S (o Occupy Wall Street no Zuccotti Park, em Nova York, em 17 de setembro de 2011).
Em 2013 tivemos outra eclosão, com o #DirenGezi na Turquia e as manifestações de junho de 2013 no Brasil (sobretudo as que ocorreram nos dias 17 e 18 de junho). Em 30 de junho de 2013 tivemos a maior manifestação da história, com 20 milhões (ou mais) de pessoas nas ruas e praças de várias cidades do Egito (quando o jihadista eleito da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, foi derrubado). Depois tivemos a Praça Maidan na passagem de 2013 para 2014, em Kiev, o segundo caracazzo venezuelano, em janeiro de 2014, a revolução dos Guarda Chuvas em Hong Kong, em setembro e outubro de 2014.
Em tudo isso a grande novidade não estava nos protestos em si (eventos populares massivos, aparentemente semelhantes, já ocorrem há muito no mundo), mas na manifestação de uma até então desconhecida fenomenologia da interação. Uma parte dessas manifestações, sobretudo o 11M e o 15M espanhol, o 11F egípcio, o 17S americano, o 17-18J brasileiro, o 30J novamente no Egito e vários dos demais swarmings citados, não foi convocada e organizada de modo centralizado por algum líder ou entidade hierárquica. Foram processos P2P (peer-to-peer), emergentes, surgidos a partir de um alto grau de conectividade da rede social e da disponibilidade de mídias interativas em tempo real (o telefone celular, a internet e as incorretamente chamadas “redes sociais”, como o Twitter e o Facebook).
Ao lado desses swarmings, expressando na política uma nova dinâmica das multidões, surgiram também, aqui e ali, algumas experiências societárias (ou comunitárias) que poderiam ser consideradas inovadoras em termos políticos (democráticos). Uma delas foi a iniciativa da Islândia, de elaboração de sua nova Constituição usando o Facebook como meio interativo, em junho de 2011. As experiências de redes na política, ou de um novo fazer político interativo (em redes mais distribuídas do que centralizadas) – o que não se deve confundir com a usurpação (e desfiguração) do termo levada a efeito por Marina Silva e seus seguidores – são múltiplas, porém pontuais, localizadas e fugazes (como é próprio mesmo da dinâmica de rede).
O que é importante ressaltar aqui é que a nova dinâmica das multidões, o aumento vertiginoso da interatividade (com a consequente multiplicação ou exponenciação do número de agentes que intervêm no debate público) e uma diversidade de experimentações glocais de novas formas de convivência social, surgiram da sociedade – e não do mundo da política tradicional e dos velhos partidos. Parece óbvio que a velha política institucional precisa também ser renovada com a entrada de novas pessoas, mas sem esquecer e sem abandonar a fonte da energia inovadora que brotou quando se intensificou o fluxo interativo na planície. Como já foi dito no artigo mencionado acima:
A planície, é claro, é uma metáfora para a sociedade, um modo de agenciamento distinto daquele que caracteriza o planalto, o Estado. Não abandonar a fonte da energia inovadora implica valorizar a planície pelo que ela é, não abandonar a planície, e não tentar usá-la, apenas instrumentalmente, como plataforma de lançamento para o planalto.
Isso significa reconhecer que a sociedade existe. Não é um epifenômeno. A fonte de qualquer inovação significativa na política está na sociedade, não no Estado. Mas, como escreveu Goethe, a fonte só existe enquanto flui… ou seja, é preciso permanecer fluindo, na sociedade. Pode-se fazer política na – ou a partir da – sociedade. Só os infectados pelo estatismo (no sentido político do termo, não apenas no seu sentido econômico) acham que a política para valer deve ser feita exclusivamente no – ou a partir do – Estado.
O novo – ou o supostamente novo – não é o novo que apenas entra no velho (onde nunca esteve e por isso se acha novo) e sim o que inova, abrindo um novo lugar para o fazer político e novas formas e novos modos de fazer política. O novo dentro do velho logo ficará velho. Virará… salsicha! Porque o novo não é o que ainda não experimentou o velho e sim o que se comporta de modo a ir tornando o velho obsoleto (isto é a definição, nua e crua, de inovação).
Ou seja, a sociedade existe e é possível fazer política na sociedade, sem a obrigatoriedade de entrar em partidos.
Os partidos não serão substituídos, mas perderão o monopólio do fazer político
Estamos vivendo uma grande transição da sociedade hierárquica para a sociedade-em-rede e nesta mudança de época as estruturas e as dinâmicas políticas também vão mudar. Mas transição não é substituição. Claro que os partidos políticos não serão substituídos (no curto ou médio prazos). Eles continuarão aí por muito tempo (não se pode prever por quanto tempo). Possivelmente, enquanto perdurar a forma Estado-nação, perdurará a forma partido. O que eles não poderão mais, oxalá no médio prazo, é formar oligopólios para regular quem entra e quem sai do condomínio dos incluídos: ou seja, não podem ser a única via de acesso ao Estado.
E já que os partidos continuarão existindo, seria conveniente para a democracia que fossem desregulados e submetidos às leis existentes para todas as organizações, à Constituição em primeiro lugar e também aos códigos penal e civil. A justiça eleitoral, se continuar existindo (é uma daquelas coisas estranhas, como a justiça do trabalho), deve tratar das eleições (como o nome indica), mas não da vida partidária (que deve usufruir de toda a liberdade que existe hoje e até de mais liberdade do que tem hoje). Para tanto, porém, algumas medidas deveriam ser adotadas:
√ Fim do voto obrigatório e da obrigação de filiação a partidos para concorrer à eleições: candidaturas não-partidárias (ditas avulsas) para qualquer cargo, em todos os níveis;
√ Fim do financiamento estatal de campanha. A receita pública não pode financiar organizações privadas (quem quer fazer partido deve contar com apoiadores privados na sociedade – se não contar, não pode se lançar na aventura, como qualquer empreendimento). O mesmo vale para entidades – como sindicatos e igrejas – que contam com algum tipo de financiamento público direto ou direto (por exemplo, via renúncia fiscal): tais organizações não poderão financiar, apoiar ou fazer campanhas eleitorais;
√ Cláusula de barreira para valer (chegando em 20 anos a 5%, como na Alemanha);
√ Amplo direito de organização política partidária. A exigência de que partidos tenham de ser nacionais é um absurdo: um partido que resolva se constituir para fazer política municipal (ou mesmo distrital) deve ter a liberdade de se constituir, inclusive o direito de disputar eleições (desde que definido o seu campo de atuação). Esta medida funcionaria melhor, é claro, com a adoção do voto distrital;
√ Amplo direito de organização política não-partidária em todos os níveis e por todos os meios legais (incluindo promoção de manifestações em espaços públicos, no mundo virtual ou no ciberespaço e a experimentação de novas formas locais ou glocais de interação política para as pessoas que concordem com elas);
√ Novos mecanismos de interação política dos cidadãos nos assuntos públicos (capaz de absorver a multiplicação brutal do número de agentes que intervêm no debate público, que no Brasil pularam, em 30 anos, de cerca de 5 mil para 1 milhão ou mais).
Resumindo e concluindo. Não se propõe aqui nenhuma revolta contra os partidos (ou contra a velha forma partido), mesmo sabendo-se que este tipo de instituição política não conta mais com a admiração da sociedade (o que pode ser comprovado por qualquer pesquisa de opinião, no Brasil e alhures): a não ser os militantes e os políticos profissionais (que precisam dos partidos para viver ou fazer carreira) as pessoas comuns não acreditam em partidos (e isso não por acaso, nem ocorre em razão de suas qualidades). O que se constata é que a sociedade atual, cada vez mais, fará política independentemente dos partidos. Porque não está mais disposta a engolir os cinco mitos, que foram comentados acima, ou seja, que os partidos são instituições públicas (ou que visem o interesse público), que a competição entre partidos é capaz de gerar um sentido público, que um modo de renovar a política é fundar novos partidos, que uma boa reforma política será capaz de consertar os defeitos dos partidos e que não há outra maneira de fazer política a não ser através dos partidos.
Vejam agora quais são os trinta e cinco partidos autorizados legalmente a funcionar no Brasil atual. Parece evidente que não existem trinta e cinco visões distintas de país, da política que deveria ser feita e dos programas públicos que deveriam ser implementados: trinta e cinco ideologias, trinta e cinco projetos políticos, trinta e cinco maneiras de refratar, como opiniões estruturadas, grupos distintos de interesse ou comunidades de desejo presentes na sociedade brasileira. É apenas um “mercado” (como o das igrejas evangélicas).
Partidos políticos registrados no TSE
Clique na sigla do partido político para ter acesso aos dados do diretório nacional da agremiação (endereço, telefone, fax, e-mail, site), bem como ao estatuto e suas alterações, e eventuais normas complementares.
0001 | SIGLA | NOME | DEFERIMENTO | PRES. NACIONAL | Nº DA LEGENDA |
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1 | PMDB | PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO | 30.6.1981 | ROMERO JUCÁ FILHO, no exercício da presidência | 15 |
2 | PTB | PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO | 3.11.1981 | ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO | 14 |
3 | PDT | PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA | 10.11.1981 | CARLOS LUPI | 12 |
4 | PT | PARTIDO DOS TRABALHADORES | 11.2.1982 | GLEISI HELENA HOFFMANN | 13 |
5 | DEM | DEMOCRATAS | 11.9.1986 | JOSÉ AGRIPINO MAIA | 25 |
6 | PCdoB | PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL | 23.6.1988 | LUCIANA BARBOSA DE OLIVEIRA SANTOS | 65 |
7 | PSB | PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO | 1°.7.1988 | CARLOS ROBERTO SIQUEIRA DE BARROS | 40 |
8 | PSDB | PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA | 24.8.1989 | GERALDO JOSÉ RODRIGUES ALCKMIN FILHO | 45 |
9 | PTC | PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO | 22.2.1990 | DANIEL S. TOURINHO | 36 |
10 | PSC | PARTIDO SOCIAL CRISTÃO | 29.3.1990 | EVERALDO DIAS PEREIRA | 20 |
11 | PMN | PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL | 25.10.1990 | ANTONIO CARLOS BOSCO MASSAROLLO | 33 |
12 | PRP | PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA | 29.10.1991 | OVASCO ROMA ALTIMARI RESENDE | 44 |
13 | PPS | PARTIDO POPULAR SOCIALISTA | 19.3.1992 | ROBERTO JOÃO PEREIRA FREIRE | 23 |
14 | PV | PARTIDO VERDE | 30.9.1993 | JOSÉ LUIZ DE FRANÇA PENNA | 43 |
15 | AVANTE | AVANTE | 11.10.1994 | LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA RESENDE | 70 |
16 | PP | PARTIDO PROGRESSISTA | 16.11.1995 | CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO | 11 |
17 | PSTU | PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO | 19.12.1995 | JOSÉ MARIA DE ALMEIDA | 16 |
18 | PCB | PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO | 9.5.1996 | EDMILSON SILVA COSTA* | 21 |
19 | PRTB | PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO | 18.2.1997 | JOSÉ LEVY FIDELIX DA CRUZ | 28 |
20 | PHS | PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE | 20.3.1997 | MARCELO GUILHERME DE ARO FERREIRA | 31 |
21 | PSDC | PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO | 5.8.1997 | JOSÉ MARIA EYMAEL | 27 |
22 | PCO | PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA | 30.9.1997 | RUI COSTA PIMENTA | 29 |
23 | PODE | PODEMOS | 2.10.1997 | RENATA HELLMEISTER DE ABREU, no exercício da presidência | 19 |
24 | PSL | PARTIDO SOCIAL LIBERAL | 2.6.1998 | LUCIANO CALDAS BIVAR | 17 |
25 | PRB | PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO | 25.8.2005 | EDUARDO BENEDITO LOPES, no exercício da presidência | 10 |
26 | PSOL | PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE | 15.9.2005 | RAIMUNDO LUIZ SILVA ARAÚJO | 50 |
27 | PR | PARTIDO DA REPÚBLICA | 19.12.2006 | JOSÉ TADEU CANDELÁRIA, no exercício da presidência | 22 |
28 | PSD | PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO | 27.9.2011 | ALFREDO COTAIT NETO, no exercício da presidência | 55 |
29 | PPL | PARTIDO PÁTRIA LIVRE | 4.10.2011 | SÉRGIO RUBENS DE ARAÚJO TORRES | 54 |
30 | PEN | PARTIDO ECOLÓGICO NACIONAL | 19.6.2012 | ADILSON BARROSO OLIVEIRA | 51 |
31 | PROS | PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL | 24.9.2013 | EURÍPEDES G.DE MACEDO JÚNIOR | 90 |
32 | SD | SOLIDARIEDADE | 24.9.2013 | PAULO PEREIRA DA SILVA | 77 |
33 | NOVO | PARTIDO NOVO | 15.9.2015 | MOISES DOS SANTOS JARDIM | 30 |
34 | REDE | REDE SUSTENTABILIDADE | 22.9.2015 | JOSÉ GUSTAVO FÁVARO BARBOSA SILVA | 18 |
35 | PMB | PARTIDO DA MULHER BRASILEIRA | 29.9.2015 | SUÊD HAIDAR NOGUEIRA | 35 |
(*) Nos termos do § 1º do art. 58 do estatuto do PCB, para fins jurídicos e institucionais, os cargos de Secretário Geral do Comitê Central e de Secretário Político dos Comitês Regionais e Municipais equiparam-se ao de Presidente do Comitê respectivo. |
Histórico dos partidos políticos (formato PDF)
Bancada na Câmara (eleição e posse)
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