Se Lula foi reeleito, em grande parte, pelos “pensionistas” do Bolsa Família, não pode reclamar que Bolsonaro tente se reeleger com os votos dos pensionistas do Auxílio Brasil. É a mesmíssima base eleitoral.
Bolsonaro está comprando os votos dos que ganham até 2 salários mínimos (que é a base eleitoral principal de Lula). Se essa base está à venda (ou é comprável) não podemos fazer nada senão denunciar (além de constatar a fragilidade do eleitorado lulista).
O que deve ser denunciado é o atropelo de Bolsonaro à Constituição e as leis para aprovar um Auxílio Brasil eleitoreiro. Porque se formos denunciar a relação clientelista com os mais pobres, ela tanto vale para Bolsonaro quanto para Lula.
Nada disso tem a ver com a necessidade de programas de transferência de renda para os mais pobres. Sim, são necessários. O que se deve evitar é o uso clientelista-eleitoreiro desses programas.
Em outras palavras, ainda que seja absolutamente necessária, neste tempo em que vivemos no Brasil, uma renda básica cidadã para que milhões pessoas possam superar a fome, a miséria e conseguir sobreviver, alguns pontos devem ser observados.
Programas de transferência de renda, sobretudo sem condicionalidades ou contrapartidas dos beneficiários – como o Auxílio Brasil -, não são programas sociais. São programas para os pobres. Só na cabeça de clientelistas e assistencialistas, ‘social’ é sinônimo de ‘pobre’.
O Auxílio Brasil não é, stricto sensu, um programa social. É um programa estatal (na verdade, governamental) para os pobres, com claros objetivos eleitoreiros. Bolsonaro, como vimos, quer apenas comprar o voto da população que vive com renda familiar de até 2 salários mínimos.
Um programa social envolve necessariamente a sociedade. Prevê, além da adesão, a participação e a interação das pessoas na sua própria dinâmica. Não pode ser de oferta estatal centralizada, mas deve observar a diversidade das demandas sociais.
Programas sociais são sempre programas de desenvolvimento social. Do contrário, mesmo que consigam aliviar temporariamente a miséria, mantêm as pessoas na pobreza (um estoque eleitoral de pobres) em vez de emancipá-las.
A cada parcela de renda transferida deve haver uma contrapartida de quem está recebendo o auxílio: manter os filhos na escola – como era o desenho original do Bolsa Escola, origem do Bolsa Família – manter a vacinação da família em dia e, de preferência, exigir algum investimento dos beneficiários no seu próprio capital humano e no capital social das localidades onde vivem.
Agora o básico do básico. Um programa social não deve premiar a pobreza e sim os esforços que as pessoas fazem – com a ajuda do programa – para sair da pobreza.
Um programa social não pode transformar seus sujeitos em beneficiários passivos e permanentes de auxílios assistenciais, convertendo-os em eternos pensionistas do Estado.
Um programa social, mesmo de transferência de renda, tem que ter, como tanto já se disse, porta de entrada e porta de saída. O Auxílio Brasil não tem. Aliás, a rigor, nem o Bolsa Família tinha (e, como já foi dito, também foi usado eleitoreiramente).
Tudo isso já se sabia há quase trinta anos. Mas vá-se lá dizer-lhes!