Ou bem Bolsonaro tem força político-militar para dar um golpe (à moda antiga) ou não tem.
Vejamos as alternativas:
(a) Se Bolsonaro tem força político-militar para dar um golpe (à moda antiga), a solução não pode ser uma candidatura hegemonista do PT satelizando aliados. Isso exigiria uma frente ampla capaz de resistir ao golpe, baseada no compromisso com um governo de coalizão democrática pós-golpe.
(b) Se Bolsonaro não tem força político-militar para dar um golpe (à moda antiga), a solução não pode ser uma candidatura do PT que pretenda abolir o segundo turno (1). Isso exigiria, pelo contrário, o surgimento de candidaturas do campo democrático no primeiro turno e, se for o caso, uma frente ampla capaz de derrotar Bolsonaro no segundo turno.
(c) Se Bolsonaro não tem força para dar um golpe (à moda antiga), mas tem força para continuar erodindo a democracia (a nova forma de golpe do século 21), poderá fazê-lo no governo ou fora do governo:
(c1) Para que Bolsonaro não continue erodindo a democracia no governo, ele não pode ser reeleito. Vamos para a alternativa (b).
(c2) Para que a facção de Bolsonaro não continue erodindo a democracia fora do governo (por meio da atuação de um “talibã” bolsonarista nas pequenas e médias cidades do interior e nos setores médios reacionarizados), então vamos para uma variante da alternativa (a) – chamada abaixo de (a’):
(a’) Será necessário um governo de ampla coalizão democrática para desbolsonarizar o Estado e a sociedade:
(a’1) Enfrentando os setores reacionários nos parlamentos (que podem se aglutinar em um centrão retrógrado) (2) e nos governos sub-nacionais,
(a’2) Dissolvendo os clusters bolsonaristas (3) nas pequenas e médias cidades e nos setores reacionarizados da sociedade e evitando a instalação de uma guerra civil fria no país,
(a’3) Alinhando o Brasil ao concerto das nações com regimes democráticos liberais (não apoiando, por ação ou omissão, o bloco das ditaduras atualmente liderado por Putin, seja a pretexto de neutralidade para defender “interesses nacionais”, seja para combater o imperialismo norte-americano e o suposto neocolonismo europeu – como quer o PT) (4).
A ameaça populista-autoritária (também chamada neofascista), não pode ser afastada apenas pelo voto. Um governo pós-bolsonaro, capaz de paralisar o processo de erosão da democracia, pode contar com a participação do PT, mas não pode ser um governo do PT.
Todavia, o PT nunca quis impedir a reeleição de Bolsonaro em qualquer circunstância. Quis e quer impedir a reeleição de Bolsonaro desde que seu lugar seja ocupado por Lula. E não para fazer um governo de coalizão e recuperar nossa democracia e sim para ter hegemonia completa: no futuro governo e, se possível, na sociedade.
Assim se explica:
1 – Por que sabotar um movimento pelo impeachment? Ora, porque num movimento massivo desse tipo poderiam emergir alguns novos líderes. Mas líder só pode haver um, que já existe.
2 – Por que mentir que Bolsonaro só dará golpe no segundo turno? Ora, para impedir que qualquer lider democrático não-populista se afirme no primeiro turno. E líder só pode haver um, que já existe.
Com hegemonistas é sempre tipo Highlander: só pode haver um.
Notas
(1) O objetivo (ou o resultado objetivo) de abolir o segundo turno (porque, supostamente, se Bolsonaro perder no primeiro não dará golpe) é matar no embrião o surgimento de qualquer alternativa democrática não-populista. Tanto é assim que os hegemonistas querem fazer isso em maio (a quatro meses das eleições) e não em outubro (quando a eleição realmente ocorrerá).
(2) Se o perfil do Congresso não vai mudar significativamente em 2023 só uma ampla coalizão política pode impedir que um centrão consiga chantagear o governo e tenha então de ser controlado na base do mensalão (na versão original de Lula ou na versão “legalizada” de Bolsonaro do orçamento secreto e das emendas do relator).
(3) Uma vitória de Lula não vai ter o condão de dissolver os clusters bolsonaristas, nas pequenas e médias cidades do interior e nos setores médios reacionarizados. Pelo contrário. Vai açular ainda mais o ódio, consolidando a resistência ativa bolsonarista. E se esses aglomerados não forem dissolvidos, teremos uma guerra civil fria pela frente.
(4) Não há neutralidade quando a disjuntiva é entre democracia e autocracia. Essa conversa diplomática da necessidade de salvaguardar “interesses nacionais” é um pretexto para aderir ao realismo político (ou, pior, para investir numa frente Sul-Sul ideológica, anticapitalista). Comercializar com Estados fora da lei é preciso, mas é outra coisa.