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Desentendendo as redes

Nem mesmo os grupos que convocam manifestações de protesto no Brasil estão entendendo o que está acontecendo
 
No texto sobre as sete mentiras inventadas pelo PT e por Dilma para enganar a imprensa estrangeira, há um parágrafo que merece ser destacado para ulterior desenvolvimento. Ele diz o seguinte:
 
“Que o impeachment só foi encaminhado pelo parlamento em virtude do forte apelo de milhões pessoas nas ruas, nas maiores manifestações políticas da história do Brasil, ocorridas em 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto de 2015 e em 13 de março de 2016. Que no Brasil há hoje uma oposição popular que não foi organizada, nem é dirigida, por qualquer ator político tradicional, mas que emergiu da sociedade e está disposta a exercer a resistência democrática. Que essa oposição popular nada tem a ver com Temer, com Cunha e, nem mesmo, com Aécio Neves (presidente do principal partido de oposição)”.
 
Reflitamos sobre isso.
 
Os políticos profissionais esperavam poder manobrar as ruas a favor dos seus interesses. Não puderam. Tiveram que vir a reboque. Assim será, pelo que estamos vendo.
 
O sistema político apodrecido e as “oposições” formais não contavam com a emergência de uma nova oposição popular que, tudo indica, vai continuar exercendo a resistência democrática em qualquer circunstância: com Temer, sem Temer, com impeachment, sem impeachment, com eleições, sem eleições.
 
Mas ainda não caiu a ficha na cabeça dos velhos atores políticos. Eles achavam que se imporiam como intermediários indispensáveis. E parece que não será assim.
 
Qual parte eles não entenderam? Que a sociedade mudou e não aceita mais ter suas energias políticas continuamente vampirizadas por um sistema político que apodreceu.
 
Nem os atores políticos tradicionais que agora estão na oposição ao governo, nem o próprio governo e o PT, conseguiram entender que a sociedade não pode mais ser dominium do Estado. Que a sociedade-em-rede não cabe mais no Estado-mainframe.
 
O PT, aliás, fica louco quando não pode construir um inimigo. Eles podem dizer que o inimigo é Cunha, ou Temer, ou Aécio… mas o fato é que nenhum desses representa a oposição popular. Então o velho esquema não funciona mais. Porque a oposição popular não tem qualquer compromisso, nem mesmo, com Michel Temer. Ele assumirá a presidência da República – se houver impeachment – porque é o vice. E ponto. Se vacilar, sabe que será criticado. Ou seja, o foco da oposição popular – que é apartidária – é a remoção do PT do governo e do aparelho de Estado. Agora é só isso. Depois é depois. A oposição popular quer Dilma fora, Lula preso e o PT extinto. Mas quem quer isso não pode ser um alvo. São milhões. É difuso. E os padrões de organização que emergem quando esses milhões se movimentam têm uma topologia mais distribuída do que centralizada.
 
Agora cabe dizer também que essa nova oposição popular e a resistência democrática dos cidadãos a um governo que se tornou ilegítimo, está longe de ser unitária: ela é fractal, não é organizada e liderada nem mesmo pelos novos atores que surgiram recentemente para convocar manifestações de protesto, como o MBL – Movimento Brasil Livre, o Vem Pra Rua e uma dezena de outros.
 
Por não entender o que está acontecendo, o MBL deu um péssimo passo ao se estruturar como organização participativa (e não interativa) e tentar recrutar filiados, inclusive cobrando mensalidades. O vídeo de propaganda que eles fizeram, escrito por Renan Santos, contém todos os elementos de uma visão ultrapassada e centralizada de organização, incompatível com a morfologia e a dinâmica da emergente sociedade-em-rede. Eles urdiram uma espécie de proto “partido-escola”, que é o que de pior se poderia fazer, sobretudo em um momento como este. Para recrutar militantes, reivindicam para si as grandes mobilizações de 2015 e 2016: chegam a afirmar que foram eles que lideraram os protestos (nem mencionando, no caso, os outros grupos que também se esforçaram para convoca-los, como o Vem Pra Rua). Ademais, o vídeo – com a trilha sonora do Bolero de Ravel – contém uma linguagem guerreira, emprega instrumentalmente o conceito de inimigo, apela para o sacrifício e exalta o velho liderancismo, o heroísmo e até a santidade. Velharia de jovens.
 
Não estamos falando aqui da ideologia século 20 que anima essas pessoas (pelas declarações de alguns de seus expoentes, deve ser algo como o velho liberalismo reeditado com linguagem descolada contemporânea). Elas têm todo o direito, numa democracia, de pensar assim (ou de pensar o que quiserem). Estamos falando do participacionismo que tentam recuperar e repaginar numa sociedade que já atingiu altos graus de livre interação (não, não é a mesma coisa: participação é diferente de interação). Como foi explicado em outro artigo, intitulado O que a nova ciências das redes pode nos dizer sobre o impeachment:
 
“Por não entenderem as redes, por não perceberem as correntes subterrâneas que atravessam avassaladoramente o espaço-tempo dos fluxos quando eclodem fenômenos de alta interatividade (como os swarmings), as pessoas costumam não dar a devida importância às manifestações de rua que constelam multidões. Aznar não acreditou no 11 de março de 2004 e seu candidato Mariano foi derrotado horas depois. Mubarak não viu o perigo das pessoas enxameando, no início timidamente, na praça Tahir e caiu em 11 de fevereiro de 2011. O jiahadista Morsi, candidato da Irmandade Muçulmana, nunca imaginou que seu mandato obtido nas urnas seria revogado por 30 milhões de pessoas que enxamearam em todas as cidades do Egito no dia 30 de junho de 2013. Víktor Yanukóvytch desdenhou daquele bando de malucos acampados na Praça Maidan e teve que fugir da Ucrânia no início de 2015.
 
No Brasil, nem os atores políticos tradicionais, nem os grupos que passaram a convocar manifestações a partir do final de 2014, entenderam ainda o poder das redes. Alguns imaginam que os protestos de rua são semelhantes às antigas manifestações participativas, organizadas centralizadamente, com carros de som e palavras de ordem previamente concebidas. Esses movimentos seriam, na sua compreensão, uma forma de pressionar as instituições, confrontando os atores estatais com a vontade da população. Sim, elas são isso também, mas não só, nem principalmente”.
 
Nenhum dos swarmings citados acima aconteceu em virtude do voluntarismo de organizações centralizadas de caráter participativo. Claro que muitos grupos organizados podem convocar, mas o que acontece (quando realmente ocorrem swarmings, como no Brasil entre 17 e 20 de junho de 2013, em 15 de março de 2015 e em 13 de março de 2016) não se deve a seus esforços centralizados. São fenômenos interativos próprios das mudanças profundas que estão ocorrendo na sociedade (ou na rede social propriamente dita, é bom dizer para não confundir com a mídias sociais) em termos globais.

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