A maioria da população mundial vive sob autocracias. Segundo dados do V-Dem 2022, em 86 autocracias vivem 5.460.854.338 pessoas (70,68% da população total). Em 88 democracias vivem 2.265.228.220 pessoas (29,32%).
Nestas circunstâncias tenebrosas, quase nenhum estudo quantitativo global pode ser feito com segurança. Por que? Porque, como as ditaduras mentem, não se pode confiar nos dados fornecidos por elas.
Vamos ver um exemplo de como não se pode confiar nos dados fornecidos por ditaduras. Tomemos o número de mortos por milhão por Covid computados pelo Worldometers.
Na América do Sul, países próximos à Venezuela:
Perú = 6.299
Brasil = 3.096
Colômbia = 2.694
Equador = 1.963
Venezuela = 202
É óbvio que o governo do ditador Maduro mente descaradamente.
Na América Central, países próximos à Nicarágua:
Panamá = 1.860
Costa Rica = 1.645
Honduras = 1.068
El Salvador = 631
Nicarágua = 33
É óbvio que o governo do ditador Ortega mente descaradamente.
Vejamos agora o caso da China, onde apareceu o novo Coronavírus. Segundo a ditadura chinesa o número total de mortos por Covid é 5.226 (ou seja, o número de mortos por milhão é de apenas 4). A Índia, que tem praticamente a mesma população, fornece o dado de 524.651 mortos (373 mortos por milhão) – o que também é falso, mas menos descarado. Ressalte-se que a Índia, hoje, é uma autocracia (embora uma autocracia eleitoral, que elegeu o populista-autoritário Narendra Modi).
E a Coréia do Norte? Segundo o governo do ditador Kim Jong-un, lá houve apenas 71 mortos. Estranho. A Coréia do Sul, vizinha de parede e meia, fornece o dado de 24.238 mortos. Mas a Coréia do Sul é uma democracia.
Nem se fale das autocracias do Paquistão, de Bangladesh, da Rússia, da Etiópia, das Filipinas, do Egito, do Vietnã, da Turquia, do Irã e da Tailândia, para citar apenas as maiores (com mais de 70 milhões de habitantes).
Assim como não se pode confiar na contagem dos mortos pela pandemia, não se pode confiar em quase nenhum dado que dependa de levantamentos e cálculos feitos internamente por ditaduras. É da natureza das autocracias mentirem porque as autocracias sempre estão em guerra: se não contra um inimigo externo, contra um inimigo interno. Aliás, toda guerra, real ou simulada, contra um inimigo externo, tem como objetivo instalar internamente um estado de guerra. Porque é assim que as autocracias se mantêm e se reproduzem. A autocracia é a guerra. E como, na guerra, a primeira vítima é a verdade…
A mentira sistemática, a mentira como método, é da natureza do regime autocrático. Isso significa que mais de 70% da população do planeta vivem sob a mentira, aprisionados pela mentira, pela falsificação da realidade promovida pelos ditadores.
É este o regime que os ditadores chineses querem nos fazer crer que é a verdadeira democracia, ou a ‘democracia real’, como eles chamam.
Sim, neste exato momento há uma ofensiva da ditadura chinesa para falsificar o conceito de democracia. Eles chamam lá essa perversão de ‘democracia real’. Para eles, não precisamos mais de direitos políticos e liberdades civis. Isso seria uma falsa democracia (ocidental). Basta melhorar a vida da população. E quem vai melhorar a vida da população? Ora, um ditador.
A ditadura chinesa está redefinindo – e pervertendo – o próprio conceito de democracia. Em outras palavras, orwellianamente, os líderes chineses estão dizendo: “Ditadura é democracia”.
É muito mais grave do que parece. É um assassinato da verdade no plano global.
O principal diplomata da China – o Ministro das Relações Exteriores Wang Yi – disse anteontem que Pequim trabalhará com Moscou para promover a “democracia real”, reafirmando os laços de seu país com a Rússia. “A China está disposta a trabalhar em conjunto com a Rússia e a comunidade global para promover a democracia real com base nas próprias condições das nações”, disse. Segundo ele, “monopolizar” a definição de democracia e direitos humanos para influenciar outras nações é uma tática “fadada ao fracasso”, atacando os Estados Unidos, que liderou um coro global de condenação à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Tudo isso é muito preocupante para nós na medida em que a concepção de democracia de Lula (hoje na frente das pesquisas eleitorais) – a julgar por todas as suas declarações públicas – é muito parecida com a dos autocratas chineses. Entregar bem-estar material para a população, combater a pobreza, possibilitar que o povo coma três vezes por dia. Ora… a rigor, tudo isso pode ser feito sem direitos políticos e liberdades civis. Um déspota esclarecido, um tirano bem-intencionado, um líder compadecido diante das misérias do seu povo, pode fazer isso. É exatamente o que pensa o ditador Xi Jinping.
Mas mesmo que um governo dê casa, comida e roupa lavada para toda a população, se não houver liberdades civis, ele não será democrático. Nem aqui, nem na China. Não há democracia – nenhum tipo de democracia – sem liberdades civis.
O papel da democracia não é dar casa, comida e roupa lavada para os pobres ou para toda a população. Isso quem faz é o sultão de Brunei, o ditador Hassanal Bolkiah. Isso quem quer fazer é Xi Jinping, o ditador chinês. Isso quem quer fazer (pelo menos no discurso) é o populista Lula. Quem tem que entregar o básico (saúde, educação, segurança, moradia e transporte) são os governos, não a democracia. A democracia liberal, aliás, não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo. Até para que governantes populistas sejam cobrados pelo que demagogicamente prometeram.
Claro que Lula, se for eleito, não transformará o Brasil numa ditadura, mas parece óbvio que se houver um bloco Rússia-China e outras ditaduras, o Brasil – mesmo não sendo uma ditadura, mas sob o comando do populista Lula – não vai se alinhar ao bloco das democracias liberais.