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Duas entrevistas: a “radicalização” de Safatlle e a “frente ampla” de Nobre

Duas entrevistas importantes, concedidas recentemente (em 25 de maio e 6 de junho de 2021), por dois teóricos de base marxista, que não se desvencilharam do esquema interpretativo esquerda x direita.

No caso de Vladimir Safatlle, há claramente a visão da política como continuação da guerra por outros meios. Ele quer guerra. Ele diz: ”A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita… É necessário uma radicalização dos dois polos. O polo da extrema-direita já se radicalizou”. 

No caso de Marcos Nobre, ele vê tudo que não é esquerda como direita. Setores não-bolsonaristas e até anti-bolsonaristas que não são de esquerda (na prática PT e PSOL), ele chama tudo de direita. Desse ponto de vista reducionista, Eduardo Leite e Fernando Henrique são de direita? Roberto Freire e Eduardo Jorge seriam de direita? Eu, que escrevo estas linhas, sou de direita?

As duas entrevistas, entretanto, salientam aspectos muitos importantes para pensar os desdobramentos nocivos da conjuntura atual em 2022 e além: o golpe que está em curso e a disputa eleitoral, que tende a ser acirrada, com o crescimento (não o derretimento) de Bolsonaro nos próximos 500 dias. O que recoloca o tema do golpe em qualquer hipótese (da derrota ou vitória de Bolsonaro).

Vou interpolar alguns comentários (em azul), às vezes para tentar mostrar que o analfabetismo democrático pode levar à impotência da análise política.

”Não houve eleição em 2018”

Entrevista com Vladimir Safatlle

Por Leneide Duarte-Plon, Carta Maior, 25/05/2021

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos pensa que só o povo nas ruas dará legitimidade à CPI e garantirá a eleição presidencial de 2022. Existe possibilidade de ir para as ruas sem um banho de sangue ?

Existem três coisas. A primeira é que há uma visão de vários analistas de que a ausência de mobilização popular na rua paralisa o processo. No ano passado, vários grupos tentaram fazer manifestações, convocaram mas não teve adensamento. Aconteceram, mas foram pequenas. Sabemos que não há política sem povo na rua. A sequência latino-americana de revoltas e insurreições que a gente está vendo mostra isso claramente. No Brasil, existe povo na rua só que vem da direita. A situação brasileira é muito singular em relação aos outros países da América Latina porque há uma extrema-direita popular que consegue se mobilizar.

A entrevista foi concedida antes da última manifestação expressiva de 29 de maio de 2021.

Mas entre os que vão às ruas existem populares ou são de classe média?

A gente não tem um estudo sobre o perfil socioeconômico das pessoas que vão às ruas. Este discurso de que a extrema-direita brasileira em seu núcleo mais duro é a classe média ressentida é limitado. Há setores populares que se identificam com os princípios da extrema-direita no Brasil desde sempre. Ela tem adensamento popular. Basta ver o que era o partido integralista nos anos 1930 e 1940. Essa não é a leitura correta. A leitura correta é que o Brasil é um país profundamente fraturado, deve se encarar enquanto tal e deve se preparar para os conflitos e antagonismos que essa fratura implica. A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita e acho importante entender que tem que ter outra revolução. É necessário uma radicalização dos dois polos. O polo da extrema-direita já se radicalizou.

Isso é uma clara incitação à guerra, não à prática da política (democrática). Safatlle quer uma revolução à moda antiga, uma insurreição bolchevique? Quer enfrentar as forças armadas e policiais alinhadas já ao governo? Com que aparato político-militar? É a via anti-Biden. Como se sabe, Biden não venceu Trump guerreando e sim pazeando. Se ele fosse um populista, que fizesse política como guerra do “nós” contra “eles”, teria perdido. Ou teria mergulhado os EUA numa crise institucional sem precedentes. Foi a paz, não a guerra, que salvou a democracia americana.

Qual o projeto dos militares brasileiros hoje e quais as diferenças e semelhanças entre o projeto de poder atual e o dos militares da ditadura de 1964?

O nível de violência estatal no Brasil é indescritível. E incomparável. A gente vê o que aconteceu dias atrás na intervenção policial no Jacarezinho, esse massacre com uma ausência completa de reação institucional em relação a 28 mortos.

A reação deveria vir de que instituições?

Mesmo numa democracia liberal, o Estado precisa esconder sua violência. Ele não espetaculariza sua violência como no caso brasileiro. Não que o Estado não seja violento em outras democracias liberais mas ele não o faz a céu aberto. Essa explicitação é um elemento a mais, ela é a expressão de que a violência pode circular em qualquer lugar.

Safatlle parece ignorar que o Brasil jamais foi uma democracia liberal. O Brasil – em todas as classificações internacionais, em especial a do V-Dem (da Universidade de Gotemburgo) é uma democracia apenas eleitoral (e em queda, quer dizer, perdendo o que ainda lhe restava de conteúdo liberal). Nas 32 democracias liberais que existem hoje no mundo não há essa violência constatada por ele, a não ser como àquela intrínseca à sociedade de classes (segundo a visão marxista).

E a explicitação da violência conquista corações e mentes…

Essa imagem da violência pode circular em qualquer lugar. Por quê? Porque você tem vários setores que vão se identificar com essa força brutal do Estado sem maiores problemas. A história do Estado brasileiro é uma história de massacres, construído a partir da gestão de massacres. Esse é só mais um.

O projeto dos militares atuais é permanecer por um longo tempo?

Por ser baseado na violência estatal contra setores vulneráveis da população esse é um projeto que não só precisa dos militares mas é o projeto constitutivo das Forças Armadas brasileiras. Elas têm essa função, sempre tiveram. A função das Forças Armadas brasileiras é gerenciar uma guerra civil não declarada.

Correto!

Eles estão reabilitando, ressuscitando a figura do inimigo interno…

Sim, ele nunca desapareceu. Não é à toa que o comunismo tem que aparecer como essa grande figura porque o comunismo é a única força, que no século XX, conseguiu mobilizar a força popular armada contra aqueles que detinham o uso armado do poder. Daí esse lugar privilegiado que a figura do comunismo ocupa. Por outro lado, a questão se eles vão querer continuar no poder ou não, eu insistiria. O projeto militar sempre foi um projeto de militarização da sociedade brasileira. Não só permanecer no poder mas criar a sociedade à sua imagem e semelhança.

A gente vê isso na intervenção da formação, com escolas militares. Todo o discurso de modernização brutalizada das Forças Armadas brasileiras vem um pouco de sua matriz positivista. Modernização brutalizada significa a compreensão de que a luta contra a natureza é um eixo fundamental de desenvolvimento. A ideia de que a Amazônia é um “inferno verde”, que o Brasil é um país de potencialidade de insurreição permanente. Então é necessário violência a todo o momento. Violência contra setores que não se enquadram no que seria a imagem do desenvolvimento nacional. Daí esse processo de destruição psicológica das populações negras, das populações ameríndias, como se eles fossem esteios do atraso do desenvolvimento nacional. Então é necessário tratá-los com rédea curta.

Para impor à força o modelo que as Forças Armadas têm, custe o que custar.

Claro, porque é o modelo de concentração, porque as Forças Armadas vão se constituir em uma das castas que preservam o modelo da concentração de renda da sociedade brasileira. Esse projeto é de longa extensão. Ninguém ocupa o Estado brasileiro com 7 mil militares para sair no ano que vem.

A afirmação faz algum sentido, mas não pode ser tão peremptória. A entrada de milhares de militares (da reserva e da ativa) no governo provavelmente não foi o resultado de um plano estratégico. Foi o resultado de uma conjunção particularíssima de fatores que levou Bolsonaro ao governo. Do contrário os militares não teriam se comportado como se comportaram durante quase três décadas, nos governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma e Temer.

Existe hoje clima para um golpe e anulação da eleição presidencial, se houver eleição e se Lula for candidato?

Eu havia dito em 2018 que não haveria eleição naquele ano. Um punhado de gente me ridicularizou dizendo que era um absurdo. Hoje a gente sabe que não houve eleição em 2018. Foi uma eleição de República Velha, completamente forjada. Você tira um candidato e aí vence o candidato que querem eleger. Isso com direito a ameaça das Forças Armadas em relação ao Supremo Tribunal Federal dizendo “se o processo não for esse a coisa muda de figura”. Não houve eleição em 2018.

Mas Lula não teria sido retirado da disputa se não tivesse havido mensalão e petrolão, se o PT não tivesse promovido um gigantesco esquema, coordenado nacionalmente, de corrupção com motivos estratégicos de poder. Ou será que Safatlle pensa que não houve nada disso, que tudo não passou de uma conspiração das elites contra a classe trabalhadora e seu líder genial?

Então você pode considerar como um golpe, tanto o impeachment de Dilma Rousseff quanto o que se seguiu…

Sim, a gente viveu um golpe dito em baixa voz e prolongado. Não foi um golpe gritado. Foi um novo modelo de golpe. Foi um golpe que se serve das estruturas institucionais, que mobiliza setores da população, que se traveste de luta contra a corrupção e que é feito em várias etapas. Do ponto de vista da ciência política é uma deterioração o que aconteceu nos últimos três anos. O eixo foi mudando de posição e você foi abandonando figuras que estavam no poder. Usam a oligarquia tradicional, Temer. Tira a oligarquia tradicional e entram os militares numa composição com setores golpistas do poder judiciário. Depois tiram esses setores do poder judiciário e ficam somente os militares.

É um golpe em câmera lenta. Ele vai sendo feito durante anos. Tem esse conceito de autoritarismo furtivo, você vai aos poucos retirando os elementos de “normalidade” democrática. Só que no caso brasileiro tem um elemento a mais, os personagens vão mudando, o poder vai passando de uma mão a outra até o personagem mais radical.

Isso é quase uma teoria da conspiração. O golpe em fases perfeitamente ordenadas. A luta contra a corrupção tira o PT do poder, promove o impeachment e entrega o poder à oligarquia tradicional (Temer), depois afasta os lavajatistas e os oligarcas políticos para, finalmente, entregá-lo aos militares (via Bolsonaro). Não dá! Ademais, o impeachment pode ter sido jogo duro institucional, mas golpe não foi (a não ser na cabeça da esquerda).

Para 2022, há dois cenários. Se perder, Bolsonaro vai fazer um roteiro à la Trump, com as Forças Armadas, o que implica um grau de conflito inimaginável, que a gente nunca viu. Mesmo com a habilidade de negociação do Lula, se ele conseguir garantir sua vitória, ele entra como um Getúlio invertido. O Getúlio começa com um pacto conservador e depois no último mandato encarna situações trabalhistas mais progressistas. Lula vai fazer o inverso porque vai entrar dentro de um pacto tão duro junto ao centro e à direita que vai ser no máximo um candidato de centro. Quem está esperando uma coisa à la Biden no Brasil ignora completamente quais são as relações de força no Brasil.

Por que apesar de toda essa violência do dia a dia e de mais de 400 mil mortos na pandemia por falta de uma gestão inteligente o povo não vai às ruas ? Por que o povo tem medo e de que ele tem medo?

Temos que levar isso em conta: a violência estatal brasileira… Uma coisa é alguém de fora, da Europa, dizer “não estou entendendo por que não está havendo manifestação”. Mas olha a quantidade de balas que você vai receber. Às vezes a gente esquece completamente. No Chile houve 45 mortos nas manifestações, dados oficiais dos carabineiros. Na Colômbia, foram mais de 40 mortos. Então você pode imaginar o que vai acontecer no Brasil. E o governo brasileiro diz: “Se vocês forem para as rua a gente vai entrar com a força.” E todos sabem que isso não é uma bravata. Tem esse elemento, não é possível esquecer. O segundo elemento: os setores da sociedade brasileira privilegiados poderiam nessa situação de pandemia ter ido às ruas porque têm acesso a hospitais privados, têm uma capacidade um pouco maior de autopreservação, deveriam ter tomado a frente. Deveriam ter usado seus privilégios e não usaram.

Não. O povo não foi mais às ruas sobretudo em razão da pandemia, não com medo da reação violenta da polícia ou das forças armadas (que, aliás, não houve nas manifestações de 29 de maio, a não ser em Pernambuco).

Agora é tarde demais, os hospitais estão superlotados…

A gente insistia nisso desde maio do ano passado. Faz uma ano que insistíamos que era para ir para as ruas, porque o Brasil não poderia aguentar duas crises, a pandemia e o Bolsonaro. Que ele era pior que a pandemia, ele a fez crescer exponencialmente. Mas existe, mesmo dentro de setores progressistas, uma certa lógica de autopreservação num momento em que deveríamos ter aproveitado os privilégios e tomado a frente. Se a população periférica vai para as ruas e se contamina ela está morta.

Ela vai receber tiros também porque a pele negra é alvo preferencial da violência policial…

Exatamente por causa disso colocariam as pessoas brancas na frente porque a polícia pensa duas vezes antes de fazer qualquer coisa. E isso não foi feito. Porque existe no caso brasileiro uma crença de que a gente vai sair dessa situação por negociação.

Se não vamos sair por negociação, não vamos sair pela política e sim pela antipolítica da guerra revolucionária. É isso que Safatlle está dizendo?

E o que você pensa disso?

Acho que é mais um dos delírios clássicos dentro da sociedade brasileira. Não vai sair por negociação. Não há nenhuma possibilidade. A ditadura militar terminou por negociação. Por isso ela nunca terminou. Por isso ela se preservou, por isso ela volta agora. É impossível imaginar uma ditadura militar que volta na Argentina. Ou mesmo no Chile, que teve uma situação hiper difícil, ou no Uruguai. Mas no Brasil ela volta.

Por que ela nunca acabou?

Ela ficou num nível subterrâneo: as estruturas institucionais estavam lá, os parágrafos sobre segurança nacional da Constituição de 1988 eram cópia da Constituição de 1967, a anistia foi negociada para proteger militares e torturadores civis e militares. A anistia foi projeto dos militares e eles negociaram com eles mesmos. Basta lembrar como foi a votação da Anistia na Câmara dos Deputados. Foram só votos da Arena, não houve nenhum voto da oposição. Eu nunca vi uma anistia dessa natureza. Foi uma autoanistia. Não houve Justiça de transição no Brasil. Não houve responsabilização de crimes contra a humanidade. Não houve responsabilização de casos de tortura.

O resultado é que o Brasil é o único país latino-americano onde os casos de tortura hoje são mais numerosos do que durante a ditadura militar porque a Polícia Militar preservou seus hábitos. É um país onde se tem uma polícia militar, o que já é uma aberração completa, que nunca foi desativada, que hoje se transforma em núcleo de milícia e cuja tendência é fornecer ao Estado a base miliciana da sua sustentação. Tudo isso demonstra, entre outras coisas, que essa estratégia brasileira de sair pelo alto é uma catástrofe. E a gente vai tentar de novo…

A ditadura não teria acabado se a via predominante fosse a luta armada contra o regime (e os militares). Novamente aqui a desqualificação da política.

Jair Bolsonaro é fascista, neofascista, nazifascista ou um demente que atua sem bússola nem ideologia, guiado por sua intuição e seus interesses pessoais, manipulado pelos generais?

Não é um demente. É alguém que tem uma incrível habilidade política.

Mas é absolutamente tosco e ignorante do ponto de vista histórico, não tem cultura nenhuma…

Como todos os líderes de extrema-direita sempre foram. Eles não precisam ser mais que todos para conseguir funcionar, basta que tenham uma capacidade de se identificar com certo tipo de cidadão médio e conseguir fazer com que os medos e fantasmas desse cidadão médio ressoem no discurso do poder. Eles são astutos.

Correto!

Bolsonaro é manipulado pelos generais ou ele manipula os generais?

Ele conseguiu trocar toda a cúpula militar e não aconteceu nada. Na realidade, não há diferença. Não acredito que haja os militares de um lado e ele do outro. Ele é um projeto dos militares…

Ele não é graduado, os generais obedecem a ele. Quem define a linha do governo?

Isso é uma ilusão nossa, precisamos da crença que a instituição das Forças Armadas ainda tem algum senso de responsabilidade com o qual a gente possa contar. Porque foi assim que a ditadura militar se sustentou. Havia essa ideia de que existe um núcleo racional das Forças Armadas. Existe a linha dura e existe o Golbery. Então a gente conversa com o Golbery para barrar a linha dura. De certa forma, os militares conseguiam ser ao mesmo tempo a oposição e o governo.

Esse jogo do bom policial e do mau policial é o jogo das Forças Armadas brasileiras. E eles estão jogando de novo e a gente está entrando mais uma vez nessa mesma história. Não existe um lado bom das Forças Armadas. Quem tem um mínimo de responsabilidade sai do jogo, está fora do jogo. No entanto, eles são utilizados para que a gente tenha a impressão de que há uma divisão nas Forças Armadas. Bolsonaro é o projeto das Forças Armadas. Não vai haver cisão entre Bolsonaro e as Forças Armadas.

Se for assim então não há mesmo saída a não ser a guerra revolucionária. Ou seja, não há esperança alguma para a democracia.

São somente elas que garantem a permanência de um presidente que não tentou em nenhum momento controlar a pandemia e faz tudo para boicotar os esforços de governadores?

Quem o mantém no poder são as Forças Armadas, o sistema financeiro nacional que teve lucros recordes em situação de crise mundial, os bancos privados tiveram lucros maiores e em plena pandemia. Isso demonstra o grau de obscenidade. Não é uma questão só de racionalidade econômica, é uma questão de saque. É uma lógica de saque e isto é garantido pelo governo. O agronegócio é um outro pilar. Devido à lógica da devastação da natureza eles conseguem tomar posse do que não era objeto de posse, terras que não eram disponíveis, zonas de preservação ambiental. Eles impõem a lógica da propriedade num espaço onde não havia propriedade. O quarto apoio é o núcleo fascista da sociedade brasileira. A Nova República nos fez acreditar que ele não existia, o que era totalmente equivocado.

Voltando à questão se ele é fascista ou não eu diria que ele é um caso absolutamente tipificado de fascismo. É um líder fascista no sentido clássico do termo. Todos os elementos estão lá. Você tem o culto à violência a partir da generalização da lógica miliciana, a indiferença e insensibilidade absoluta a setores da população que são completamente vulneráveis, a concepção paranoica de corpo social, onde a identidade aparece como estrutura defensiva, onde a fronteira, a imunização, o risco de contágio por um corpo estranho que nos irá degradar (os comunistas) desempenha papel fundamental. Por fim, você tem uma concepção de poder fundado em um liderança, além do bem o do mal, que sustenta com seus liderados uma identificação narcísica. Ele não é uma liderança paterna, mas é a imagem e semelhança daqueles que ele lidera: as mesmas fraquezas, a mesma violência, a mesma impotência. Ele é eles no poder. Não há nenhum elemento faltando. Só não vê quem não quer, ele é um caso típico de fascismo. Talvez o caso mais típico no mundo inteiro.

A frase “Ele é eles no poder” é muito boa, merece destaque.

Não é apenas um populista de extrema-direita como Marine Le Pen, Trump e outros?

Não, isso demonstra muito claramente o tipo de ignorância em relação à nossa história, na qual o fascismo é um capítulo fundamental. O Brasil teve um dos maiores partidos fascistas fora da Europa. Era a África do Sul e o Brasil.

Pode-se ver aqui que Safatlle – ao contrário da crítica democrática recente – não trabalha com o conceito de populismo. Bolsonaro – assim como Trump, Le Pen e outros – é um populista-autoritário ou nacional-populista. O fato de haver diferenças entre eles, não significa que não possam ser classificados como populistas.

Por que o fascismo brasileiro não é nacionalista, não defende a soberania nacional como o fascismo italiano?

Há alguns elementos aí interessantes. O discurso nacionalista está presente de maneira muito forte.

Mas eles entregam toda a riqueza do país, petróleo, o subsolo brasileiro, o minério, a empresas multinacionais enquanto falam de Pátria e dizem “Brasil acima de tudo.” Onde está a soberania, o nacionalismo?

Sim, mas essa contradição deve ser analisada nos seus dois termos. Ela não produz um objeto desprovido de conceito. O discurso é e não é nacionalista. O discurso é nacionalista, a prática não é. Mas o discurso precisa ser nacionalista e isso tem uma função. A função é de fato a compreensão de que a grande história brasileira deve ser defendida e ela produz um povo, uma nação, um Estado. Mas a gente sabe que é uma história de massacre, de genocídio, de violência, de exclusão, e tudo isso tem que ser apagado porque isso justifica a sociedade tal qual ela é atualmente. Abrir mão dessa história significaria dizer “essa sociedade precisaria ser transformada totalmente” e não é esse o nível de transformação que eles querem. Isso eles querem preservar custe o que custar. O Brasil foi o maior experimento necropolítico da História. De 4,5 milhões de escravos que foram enviados às Américas, 35% foram para o Brasil. Não há comparação com o que foi feito no Brasil. É o que escreve Celso Furtado que diz que “o Brasil foi um experimento econômico de latifúndio primário exportador antes de ser uma sociedade”. Era um latifúndio escravocrata primário exportador. E ele é a base do imaginário nacional até hoje e está no projeto político atual.

A análise é economicista. O marxismo deixa sempre o rabo do gato de fora.

A esquerda brasileira parece perdida num labirinto. O que você pensa de uma união do PSOL com o PT? Haveria mais chance de combater o atual hóspede do Planalto?

Eu escrevi um texto em que dizia : “A esquerda brasileira morreu.” E continuo insistindo. O projeto de esquerda nacional que começa lá no Partido Comunista Brasileiro acabou. Para recuperar sua capacidade de organização e de mobilização é preciso que ela entenda por que morreu. Para poder abrir uma segunda fase. Mas a esquerda brasileira não quer fazer isso em hipótese alguma. Ela é refratária a todo processo de autocrítica como se fosse a expressão de algum tipo de fraqueza.

E todos os grupos deveriam fazer esse processo. Sem nenhuma exceção, todos os grupos e todas as classes que estão em volta desses grupos, inclusive nós, professores. Todos têm que fazer uma autocrítica, não como um exercício masoquista mas com a confiança de que temos muito mais força de fazer um segundo momento mais capaz de operar as transformações que até agora a gente não conseguiu. A esquerda teve 14 anos de exercício do poder e é incapaz de falar para a sociedade brasileira o que ela quer preservar e de que ela quer abrir mão.

Frei Betto escreveu que “a esquerda esteve no poder mas ela nunca teve o poder…”

Então temos que começar por aí. Que tipo de situação é essa na qual a gente nunca consegue ocupar o poder?

Os militares estavam sempre rodeando, ameaçando, fazendo pressões, inclusive contra a Comissão da Verdade.

Num governo que tinha 84% de aprovação popular… Quando é que a gente vai conseguir ocupar o poder, então? Esse processo de ocupação do poder está errado. Então tem outro modelo de ocupação do poder que deve ser tentado. A esquerda não teve nenhum tipo de mobilização popular. A extrema-direita está dando lição pra gente em relação a isso. Eles mobilizam.

Novamente aqui a degeneração da democracia como guerra. Qual o “outro modelo de ocupação do poder que deve ser tentado”? A insurreição, a guerra popular prolongada, o foco revolucionário? E, afinal, quando a esquerda ocupar o poder como é que vai se manter nele? Pela violência revolucionária? Vai exterminar seus inimigos? Vai manter as massas sublevadas para desencorajar qualquer oposição considerada antirrevolucionária? A citação de Frei Betto na pergunta é reveladora.

A esquerda estava no palácio mas o povo não estava na rua mobilizado…

Não há nada mais legalista do que a esquerda brasileira. Ela acredita na legalidade, é a última a abandonar a legalidade. Ela acredita que operando dentro dos limites legais vai conseguir fazer transformações. E nunca conseguiu fazê-las. As transformações que ela fez, perdeu. Todas as transformações que o Lula fez foram perdidas em quatro anos. Existia um discurso, a gente estava dentro de um reformismo fraco, que era lento porém seguro. E não foi.

Há uma diferença entre ser legalista e respeitar as leis (o Estado democrático de direito). Safatlle quer que a esquerda rasgue as leis e adquira uma supremacia na base da força? Isso não é política.

Não faltou pedagogia? Fidel Castro, Che Guevara e os revolucionários entraram em Havana em 1° de janeiro de 1959. No dia seguinte estavam fazendo pedagogia explicando ao povo porque era preciso defender a revolução, que o Império estava pronto para entrar em Cuba e destruir tudo. O povo brasileiro não sabia por que recebia bolsa família, por que os filhos dos pobres podiam ir para a universidade…

Temo que esse tipo de leitura dê a impressão que o povo precisa de alguém para explicar o que está acontecendo. Acho que o povo entendeu muito bem o que estava acontecendo. O problema é outro. Setores fundamentais da elite da esquerda brasileira são compostos por facções dissidentes da classe média e da classe alta. São grupos que têm uma consciência muito clara do caráter insustentável e insuportável da sociedade brasileira, eles fazem parte de uma certa classe e abrem mão de defendê-la. Isso é um elemento constituinte e a base da esquerda brasileira em seu núcleo dirigente em larga medida. Porque elas vieram daí, têm tendência a confiar na estrutura institucional que as produziu.

A esquerda acredita que se a lei funcionar bem a gente vai conseguir fazer o que deve ser feito. Se a gente conseguir negociar com o Congresso a gente vai conseguir. A esquerda brasileira é super republicana. Uma coisa é você ser republicano na Suécia…

Isso cria uma situação completamente absurda pois a esquerda verdadeira não é republicana nesse sentido. Ela é insurrecional e revolucionária. Ela entende que o pacto republicano é um pacto de paralisia. Ainda mais em países como o Brasil.

A pergunta já é torta. “Pedagogia”, para o entrevistador, é impregnação ideológica (via propaganda oficial, cabendo ao Estado educar a sociedade). A resposta é mais torta ainda: “a esquerda verdadeira… é insurrecional e revolucionária”. Bom… disse tudo (que um democrata jamais diria).

Que esquerda entende isso?

Aquela que conseguiu fazer transformações efetivas. A esquerda brasileira não entende isso. Por que a figura mais trágica da esquerda brasileira é o Marighella? Porque ele foi o sujeito que colocou isso na mesa. Ele disse: “A gente fez um pacto durante todo esse período de 1945 até 1964 de apoiar as reformas graduais dentro da estrutura republicana fazendo uma pactuação com o populismo de esquerda, com o trabalhismo e vejam o que deu. Teve um golpe. Ninguém estava preparado.” Isso demonstra a incapacidade de ler os reais perigos que a sociedade brasileira enfrenta. Lembro em 2012, 2013, quando fazíamos debates acalorados na universidade e havia quem dissesse: “O Brasil é a democracia mais estável dos BRICS.” Isso demonstra uma dificuldade de ver nossa realidade.

O exemplo – ainda que meramente evocativo – de Marighella como uma esquerda “que conseguiu fazer transformações efetivos” também diz tudo. Safatlle é um pensador da extrema-esquerda dos anos 1970 que hoje é apenas vestigial.

Como você analisa a chacina do Jacarezinho?

É uma explicitação do governo de que ele não vai admitir nenhuma insurreição popular. Não é à toa que isso acontece na semana do que aconteceu na Colômbia, um país muito parecido com o Brasil, marcado pela predominância e hegemonia da direita, Uribe, Duque, os acordos de paz. Isso acontece no mesmo momento. Vejo como a explicitação de que o Estado brasileiro vai utilizar toda sua violência como sempre utilizou e quem paga a conta são as populações mais vulneráveis. É uma demonstração de força do governo contra o Supremo Tribunal Federal que havia proibido esse tipo de ação para dizer claramente: “nós consolidamos um governo de milícia”.

Ao que tudo indica, essa intervenção era para a milícia tomar poder numa área que era do tráfico. Essa milícia é a base do governo Bolsonaro. Ele tem o controle das polícias civil e militar. Por outro lado, ele sabe muito bem de onde pode vir e de onde vai se consolidando uma potência de insurreição popular no Brasil que é a consciência que todos esses setores completamente vulneráveis vão tomando do caráter insuportável e insustentável do pacto nacional de normalidade que foi feito às custas deles. Essa população é matável sem dolo.

Em 28 mortos, pelo menos 12 não tinham nenhuma relação com o tráfico. E não há nenhuma responsabilização pela morte de quem quer que seja, nem processo de comoção nacional. A imprensa dá a informação num dia, no máximo dois e depois acabou. Não tem mais nada. A gente sabe o que é a imprensa quando quer produzir essa comoção, ela retoma e retoma, humaniza, mostra as histórias. Não tem nada disso. Isso demonstra, entre outas coisas também, que é impossível contar com setores da imprensa para isso porque eles sabem muito bem que numa lógica de guerra civil não declarada os setores hegemônicos da classe média, que é quem consome essa imprensa tradicional, têm tendência a ver isso com olhos de alívio. O medo deles é que um dia o morro desça.

José Dirceu diz numa entrevista recente que o Joe Biden está tomando posições de acomodação, conciliação, em relação ao Bolsonaro. Porque, segundo ele, o Lula é o horror absoluto, eles não querem um presidente próximo dos BRICS, que tem uma visão de soberania nacional que afasta o Brasil naturalmente dos Estados Unidos. Segundo José Dirceu, a política do Biden é de aproximação com o Bolsonaro. Você concorda?

Sim, acho uma análise acertada. Contar com a política norte-americana como elemento de defesa de nossos interesses reais é outra figura do suicídio. Isso nunca ocorreu nem nunca vai ocorrer. As diferenças que podem existir entre Biden e Bolsonaro não tocam as posições que os EUA tomam na sua política externa, as mais selvagens, como sempre: os interesses hegemônicos da indústria empresarial-militar aos quais Bolsonaro sabe muito bem como responder.

O que seriam “nossos interesses reais”? Interesses de quem? Quem define tais interesses (elas são definidos a partir da teoria, quer dizer, no caso, da ideologia)? Quem somos “nós”? A referência a Dirceu também é reveladora.

A ideia de consolidação de lideranças regionais que têm uma autonomia relativa pois é bom lembrar o papel vergonhoso que o Brasil desempenhou no Haiti fazendo o papel da policia norte-americana. Mais um elemento que nunca foi objeto de autocrítica. Mesmo essa autonomia relativa é vista pelos Estados Unidos como alguma coisa da ordem do intolerável. Ainda mais um país como o Brasil que representa 45% de todo o produto nacional bruto da América Latina. Onde o Brasil for a América Latina vai junto. É um quarto do mundo, o Brasil esquece o quanto ele é importante estrategicamente na geopolítica mundial.

Com certeza, o Biden vai achar uma maneira de estabelecer alguma forma de acordo com o Bolsonaro que já mostrou-se extremamente pragmático. Ele é ideológico para o discurso interno mas é pragmático para fora, precisa mobilizar suas bases, sabe como mobilizar mas sabe também que pode fazer outra coisa. Uma coisa é o que você fala outra é o que você faz. Basta lembrar que na ditadura militar o presidente Carter tinha restrições à ditadura brasileira e não foi isso que fez a ditadura cair.

Safatlle, pelo que se pode depreender apenas da leitura do artigo acima, não é um democrata. Não aposta na política e sim na guerra. É um revolucionário de extrema-esquerda, um autocrata.


“Bolsonaro é um candidato fortíssimo e as instituições estão em colapso”

Entrevista com Marcos Nobre

Laércio Portela, Marco Zero, 06/06/2021.

Para aqueles que acham que o presidente Jair Bolsonaro está enfraquecido e chegará cambaleante à eleição presidencial de 2022, uma conversa com o cientista social e professor da Unicamp Marcos Nobre serve como um choque de realidade. Para Nobre, o apoio a Bolsonaro só deve crescer daqui até a disputa eleitoral com a ampliação da vacinação e a melhora gradual da economia.

O quanto o avanço do bolsonarismo nas polícias militares estaduais pode desestabilizar ainda mais a democracia brasileira?

O grande marco é o motim da polícia no Ceará em fevereiro de 2020. Esse motim foi uma coisa assustadora no sentido de que a gente conseguia ver ali o que aconteceu, por exemplo, na Bolívia, em que o golpe de estado não foi dado pelas Forças Armadas, mas pelas forças de segurança em geral, liderado por policiais. Esse é um precedente que deve nos deixar alertas. Aquele motim só não se reproduziu em outros locais do Brasil porque teve a pandemia. E na pandemia vimos também um desregramento das ações da polícia, tanto que o STF teve que intervir e dizer que não pode fazer operação em favela no Rio de Janeiro. O STF ter que entrar para regular uma coisa dessa significa que estamos numa situação muito difícil. É o prenúncio de que nós teremos um ano de 2022 ainda mais violento. Temos que ficar muito atentos a isso.

Quando se fala em 2022, se diz que Bolsonaro tem um plano a e um b, um é ganhar a eleição e o outro é o golpe, a ruptura da democracia. Você acha que o golpe está no horizonte e o quanto do apoio das Forças Armadas e das policiais militares pode fortalecer essa quebra institucional?

Caso Bolsonaro perca a eleição, ele vai tentar um golpe. Eu não tenho a menor dúvida. Se ele vai ter força pra conseguir, é outra coisa. Vai tentar com partes das Forças Armadas e parte das forças de segurança e quem mais ele conseguir armar porque ele está distribuindo armamento à vontade e sabemos que esse tipo de líder autoritário produz também grupos paramilitares e o que hoje é milícia do crime pode facilmente se tornar milícia política porque isso já aconteceu na história. Nos Estados Unidos, Trump tentou o golpe, mas não teve o apoio das Forças Armadas. Lá, as polícias nem entraram em consideração. E, ainda assim, morreu gente. Senadores e deputados foram ameaçados fisicamente. Aquilo lá é brincadeira de criança para tudo que vai acontecer aqui. Agora, se Bolsonaro der o passo e ver que não tem apoio, ele se retira como mártir. Mas que ele vai tentar o golpe, eu não tenho a menor dúvida.

Como você vê o campo político das esquerdas nesse ano pré-eleitoral?

Eu vejo na esquerda dois polos que estão tentando puxar para dois lados diferentes. O Psol é justamente quem está puxando o impeachment porque está tentando fazer com que a correlação de forças do campo da esquerda vá para a esquerda. Do lado do PT, o que o ex-presidente Lula está tentando fazer é lançar pontes para a direita não bolsonarista. O que é paradoxal nessa situação é que para que o impeachment seja viável é preciso uma aliança gigantesca, de forças de todas as ordens, exceto as forças bolsonaristas, e quem tá puxando o impeachment está puxando tudo para a esquerda.

Isso não é bem verdade. Setores democráticos que não são de esquerda – e que não são necessariamente de direita – estão também propondo uma campanha pelo impeachment. Nobre vai tentar dizer – ao longo de toda a presente entrevista – que se alguém não é “de esquerda” então é “de direita”. É um modo de desqualificar um campo democrático não-populista (de vez que a esquerda realmente existente é populista), ou seja, de impedir a formação de uma alternativa democrática liberal para o Brasil. Como veremos a seguir, a conclusão (não-dita explicitamente na entrevista) é que todo mundo tem que se unir para votar em Lula. Ao fim e ao cabo é essa a “Frente Ampla” de Marcos Nobre.

E as forças da direita não bolsonarista?

Claro, existem forças na direita não bolsonarista que defendem o impeachment, mas também dentro da direita não bolsonarista estão tentando puxar essa direita para longe do Bolsonaro, mas não necessariamente pro lado do PT. Tem também um bocado de partido, como o PCdoB, PSB, PDT, um monte de outras forças, que podem ir pra um lado ou pra outro, dependendo da circunstância.

Novamente a empulhação. Para Nobre, os não-bolsonaristas que não são de esquerda, são de direita.

O PT quer manter a atual correlação de forças?

O PT não quer que essa correlação de forças mude, inclusive, porque para a estratégia do PT interessa que não exista uma candidatura da direita não bolsonarista que seja competitiva. Como não interessa também ao atual presidente. Não interessa a Bolsonaro que apareça esse candidato da chamada terceira via, que nada tem a ver mesmo com terceira via, é simplesmente a candidatura da direita não bolsonarista. Os dois polos (PT e Bolsonaro) estão lutando para que ela não exista.

Ou seja, para Nobre não existe uma via democrática (não-populista) que não se defina pelo esquema reducionista esquerda x direita. Não existe um centro (no sentido de centro de gravidade) político. Mas se a política não gravitar em torno de um centro de gravidade democrático, não pode haver democracia. A fabulosa coalizão de forças que levou à vitória de Biden contra Trump era de esquerda ou da direita não-trumpista?

O quanto o antipetismo é um capital que pode gerar votos para Bolsonaro? É o antipetismo que explica esses 25 a 30% de apoio ao presidente?

Pensar que foi o antipetismo que decidiu a eleição de 2018 é uma equívoco que nos impede de entender o que realmente aconteceu. Se a gente achar isso, vamos continuar repetindo o mesmo erro de 2018. Primeiro, vamos pensar o que é essa base de apoio ao Bolsonaro que você mencionou. Sabemos que ele tem alguma coisa entre 1/4 e 1/3 do eleitorado. É enorme. Suficiente para duas coisas: para impedir que aconteça o impeachment e para colocá-lo no segundo turno de 2022, que é o que ele quer.

Esses apoiadores têm o mesmo perfil?

Vamos pegar um número como o de 30% só para a gente ter uma ideia, porque Bolsonaro está no pior momento dele, quando Bolsonaro chegar em outubro de 2022, quando chegar na campanha eleitoral, a situação vai estar diferente. Ah, você pode dizer que tudo pode mudar. Pode, se tiver apagão, se tiver uma terceira ou quarta onda, pode ser. Mas vai ter vacina? Vai. A economia está melhorando. Assim, esperar que 2022 vá ser pior do que 2021 é uma aposta errada do ponto de vista das condições gerais. Ou seja, provavelmente, Bolsonaro está no piso hoje. E é isso o que temos de considerar. Ou seja, é um candidato fortíssimo. É isso que eu quero dizer.

Um alerta importante. Bolsonaro tende a crescer com o avanço da vacinação e a regressão da pandemia, com a despiora econômica e com um auxílio emergencial mais robusto aos mais pobres. Mas isso vai acontecer, sobretudo, porque não há uma campanha de oposição que junte todos os setores democráticos e a esquerda neopopulista (lulopetista). Se o impeachment não vai acontecer isso não significa que a campanha pelo impeachment (ou pela renúncia de Bolsonaro) não possa acontecer, dando mais unidade à oposição e conclamando a população para se manifestar – inclusive nas ruas – pela interrupção do governo atual. Como ele não considera essa hipótese como provável, tudo se resume ao jogo eleitoral de 2022. E, aí sim, Nobre tem razão: nada havendo até lá que altere a atual correlação de forças e obrigue os blocos a se mover, Bolsonaro será um candidato fortíssimo.

Muita gente não pensa assim.

Tem muita gente que acha que Bolsonaro está acabado porque vive enfiado em sua bolha e sua bolha é toda anti-Bolsonaro. Esquece que o mundo não é a sua bolha. Então, vamos imaginar que é 30%.

Como se dividem os apoiadores de Bolsonaro?

Os exercícios estatísticos que são feitos em torno dessas pesquisas mostram que algum coisa em torno de metade dessa apoio, algo como 15% desse eleitorado, é realmente autoritário. É um núcleo de autoritarismo que está fincado na democracia no Brasil. Aí você me pergunta, de onde apareceu isso? Uma ditadura, ela demora muito pra morrer. Não é porque a ditadura acabou em 1985 que morreu o autoritarismo no Brasil. Ele continua. Como nos Estados Unidos. Trump foi derrotado eleitoralmente, mas isso não significa que o trumpismo desapareceu. Pelo contrário. No Brasil, essa cultura autoritária estava dispersa, votava em candidatos meio folclóricos, como Enéas, mas, com Bolsonaro, houve uma convergência. Houve a organização dessas forças que estavam dispersas. Isso é muito novo e isso não desaparecerá mesmo que Bolsonaro seja derrotado eleitoralmente em 2022.

Correto!

E os outros 15%?

Os outros 15% dá mais ou menos 7% e 8% a divisão. Se você fosse fazer uma cebola, seria a camada mais perto do centro e a camada externa. Que são chamados os entusiastas, que não é o cerne duro autoritário, e tem também os simpatizantes. É assim que se compõe, pelo menos como eu interpreto as pesquisas, esse apoio a Bolsonaro.

É possível reduzir o apoio a Bolsonaro aos 15% de eleitores autoritários?

Difícil, porque, nas pesquisas qualitativas, esses outros 15% que não são radicalmente autoritários, que não são antidemocráticos, não veem outra candidatura que os represente. Então, é muito difícil você tirar isso de Bolsonaro. O que é que sobra? Tem os tais 70%, mas não vai adiantar nada, são 70% que brigam entre si e estão espalhados, então com 30% você consegue ganhar uma eleição. É muita gente.

O que mudou desde a eleição de Bolsonaro?

Antes, as pesquisas dividiam politicamente o país em três terços quase exatos. Apoio a Bolsonaro, rejeição a Bolsonaro, nem apoio nem rejeição. Esse pessoal que eu chamo de nem, nem. O que que mudou? Mudou que a rejeição a Bolsonaro aumentou muito. Foi bater em quase 60%. Também Bolsonaro perdeu algum apoio, mas esse apoio que ele perdeu não foi pra rejeição, foi pro regular, pro nem, nem, nem apoia nem rejeita. Esse eleitorado que está entre a rejeição e a aprovação a Bolsonaro é o eleitorado que vai decidir a eleição. O antipetismo vai ser decisivo nessa hora? Não sei te dizer porque a gente não tem como medir exatamente isso.

Mas existe esse risco.

Existe. Você fala, bom, mas democracia é assim. Existe um risco. No caso não é um risco normal. É a ameaça de acabar a democracia. Porque se o Bolsonaro se reeleger, a democracia no Brasil acabou, ele vai seguir o mesmo roteiro da Polônia, da Hungria, da Turquia, das Filipinas, que, no segundo mandato, fecharam o regime. Ele já está dando todas as indicações. Tá fazendo todas as coisas. A gente pode dar vários exemplos.

Correto!

O que fazer para evitar isso?

Precisa ter uma candidatura que represente esse eleitorado nem, nem. Que nem apoia e que nem rejeita Bolsonaro. E que se organize em torno dessa candidatura da direita não bolsonarista. É preciso que isso aconteça e é preciso que essa candidatura seja uma candidatura competitiva. Do contrário, não será possível fazer o que é essencial nesse momento: um pacto de todas as forças democráticas. Um pacto que não é eleitoral, mas tem um efeito eleitoral. O efeito eleitoral é muito simples. Qualquer que seja a candidatura que chegar ao segundo turno contra Bolsonaro, ela terá que ter o apoio de todas as demais forças do campo democrático. Esse acordo não só ainda não foi feito, como ele nem começou a ser feito e já estamos a menos de 18 meses da eleição. É muito pouco tempo para organizar um acordo como esse. Nós temos pressa para isso.

O único pacto possível é político. Não poderá ser celebrado apenas por conversas de gabinete, sem ação política. E a única ação política consequente em 2021 é uma campanha para interromper o mandato de Bolsonaro. Não havendo isso, a candidatura que Nobre chama de “direita não-bolsonarista” servirá apenas para tirar alguns votos de Bolsonaro e apoiar Lula no segundo turno. Ou seja, objetivamente, o que esta entrevista está dizendo é o seguinte: quem não for bolsonarista tem que votar em Lula no segundo turno.

Há alguma semelhança entre a eleição de 2018 e a de 2022?

A eleição de 2022 vai ser completamente diferente da de 2018 porque 2018 não tinha um presidente candidato à reeleição. Isso abre a eleição porque ela deixa de se organizar entre quem está no governo e todo mundo que é contra. É assim que se organiza uma eleição normalmente. Principalmente uma eleição prevista pra ser uma reeleição, em que você está julgando o primeiro mandato da pessoa. Abriu-se em 2018 a possibilidade para outsiders. Agora, tem duas coisas que considero decisivas. A primeira é que existe um presidente que é candidato à reeleição. Então a eleição se organiza entre quem apoia esse governo e quem é contra. Como a eleição é em dois turnos, pode ser que quem seja contra acabe achando que Bolsonaro é menos pior do que a candidatura que chegar. Que é com isso que Bolsonaro passa de mais de 30 para 51%, e é possível que isso aconteça.

Você falava que não há lugar para um candidato outsider.

A segunda coisa que é muito importante é que o lugar do outsider já está ocupado e ele está ocupado pelo presidente. Se fosse juntar esses 30% de apoio, não necessariamente é um 30% de apoio antipetista, é um 30% de apoio anti-sistema. Pode ser anti-sistema porque é contra a democracia ou porque é contra tudo que está aí, mas não necessariamente contra a democracia, que são aqueles 15%.

Isso não parece ser verdade. Bolsonaro não é mais visto como um outsider (pelo simples fato de que é governo).

Um presidente da República anti-sistema?

Temos uma situação paradoxal, porque, supostamente, Bolsonaro dirige o sistema, mas ele é contra o sistema. Ele tem que atacar o sistema que ele próprio dirige. Por isso que ele se desresponsabiliza o tempo inteiro. E diz que não tem culpa, que a culpa é dos outros, que não é dele. Mas só que ele é presidente, mas é anti-sistema, então ele tem que ser o presidente e atacar o sistema ao mesmo tempo. Por isso, não tem lugar pra outsider. O lugar do outsider já está ocupado. E está ocupado pelo presidente.

Isso é próprio do populismo. Lula, no governo, também se apresentava como o representante anti-elites (que “governam o Brasil desde Cabral”). Era visto como um líder contrário ao establishment (o sistema). Esse jogo de ser ao mesmo tempo governo e oposição foi ensaiado pelo PT muito antes de Bolsonaro.

E figuras como Huck e Moro?

Não tem ninguém que vai dizer que é anti-sistema e vai conseguir tirar o Bolsonaro, não existe isso. Quem vai representar a direta não bolsonarista? Huck? Não vai. Que seria um outsider, esse realmente nunca teve mandato, porque tanto Collor quanto Bolsonaro são outsider de dentro. Collor era governador e o outro tinha 30 anos de mandato, certo? Huck não tem a menor chance. Nenhuma. Zero. E eu acho que ele não vai ser candidato. Moro? Igual. Moro vai tirar voto de quem? Vai se apresentar como? Em que partido? Sem nenhuma condição. Tem o PSDB que está lá em briga interna, se vai ou não lançar candidato, se vai ser o Dória ou o Eduardo Leite. Só o fato disso estar em discussão, já significa que será um candidato que não será competitivo. Isso pra mim é muito evidente. Sobra quem? Sobra Ciro Gomes.

Há uma clara confusão aqui entre ser antissistema e ser outsider. Nobre tenta contornar essa dificuldade inventando a categoria “outsider de dentro” (que é quase um oximoro). Ademais, ninguém sabe se um candidato que ainda não concorreu à presidência (não apenas Huck, mas um Mandetta, por exemplo, ou outro qualquer) não poderá empolgar os que não concordam com a reeleição de Bolsonaro ou com a volta de Lula. As eleições de 2020 mostraram que existe grande parte do eleitorado que não aposta no bolsonarismo e nem no lulopetismo.

Ciro que está constantemente atacando Lula.

Ele está atacando Lula e o PT porque ele quer ter credenciais anti-petistas para poder representar a direita anti-bolonarista. Quer dizer, a esquerda está ocupada, uma grande parte dela, Ciro só consegue uma pequena parte da esquerda, ele precisa ser o candidato da direita não bolsonarista para poder ser competitivo. E a direita bolsonarista precisa de Ciro Gomes se quiser ter um candidato competitivo. A gente pode discutir outra coisa muito relevante, que é o tipo de aliança que Ciro permitiria nos palanques estaduais porque é isso que está em causa. A eleição, ao mesmo tempo, está super adiantada em termos de organização e está atrasada por causa dos palanques estaduais. Essa matemática está muito complicada, esse arranjo de alinhar a candidatura presidencial com as candidaturas nos estados.

O quanto é importante ter a rua mobilizada e ocupada para a disputa de 2022 e para colocar obstáculos ao fechamento do país, a um golpe?

Mobilização de rua é sempre muito importante, sempre. Isso não tem dúvida. A questão é: qual é a natureza? O que Bolsonaro está tentando fazer? Ele está tentando caracterizar as manifestações contra ele como manifestações da esquerda. Se ele conseguir fazer isso, ele neutralizou as manifestações. E a esquerda não está ajudando porque, se o chamamento é Fora Bolsonaro, e cada um vai com a bandeira que quiser lá, vai com o auxílio emergencial, vai com pedido de prisão, vai com CPI e etc, não pode ser uma manifestação só da esquerda. A direita não bolsonarista precisa se sentir acolhida nas manifestações. Se você for olhar bem, muita gente que foi às manifestações não é de esquerda e se sentiu agredida pela esquerda dizer que aquela é uma manifestação da esquerda.

Correto! 

A esquerda não é dona do Fora Bolsonaro?

Fora Bolsonaro é de todo mundo. Essa é que tem que ser a posição política razoável se você quer de fato derrotar Bolsonaro. Não importa em quem você vai votar desde que você não vote em Bolsonaro. As manifestações vão ter esse caráter? Se tiverem, elas não só são importantes, como toda manifestação é, como elas serão muito bem sucedidas.

Você pintou um quadro muito duro para o futuro. Vencendo, Bolsonaro fecha o país. Perdendo, mobiliza militares e milicianos para um golpe de estado. Como evitar esses dois cenários?

A primeira coisa é espalhar essa consciência que nós estamos em emergência democrática, ter clareza sobre isso. Parar com esse negócio que as instituições estão funcionando, que está tudo certo e que Bolsonaro está contido. Tomar esse tipo de atitude não é só cegueira é, no limite, irresponsável. Porque não é essa a situação, objetivamente. Você pode achar que está funcionando ou que não está funcionando. Nem é essa a questão. Acho que as instituições estão em colapso. Não é que o hospital não está funcionando, é que tem tanta gente que ele não consegue funcionar de um jeito razoável, né?

O conceito de “emergência democrática” é bom. No entanto não existe esse negócio de “espalhar consciência” (por transfusão?). Tem de haver ação política. Numa emergência democrática deve-se partir para a resistência ativa ao governo, exigindo o impeachment ou a renúncia de Bolsonaro. Em termos de grandes instituições de defesa da democracia só restaram hoje o STF e a imprensa profissional. A PGR virou uma facção bolsonarista. O Congresso foi comprado. Os demais órgãos de Estado (Coaf, Receita, Abin, PF, FFAA e policiais etc.) foram subordinados. Perigo! Ficar discutindo 2022 (contando com o ovo no cu da galinha) é não se dar conta do que está acontecendo hoje no Brasil. É muito grave. É hora de acionar o alerta vermelho. Se não interrompermos agora a trajetória de Bolsonaro (ou não conseguirmos desidratar sua liderança), não haverá futuro para a democracia liberal.

O que fazer?

Bom, só existe uma saída. Uma Frente Ampla. Frente Ampla não significa ter uma candidatura única em 2022. Significa ter um acordo entre todas as forças democráticas de que quem chegar ao segundo turno contra Bolsonaro terá o apoio do resto. Esse acordo precisa ser construído e precisa ser construído já. Nós estamos já atrasados na construção desse acordo. Por que? Porque a gente não pode arriscar perder tudo. Ai alguém diz, o meu candidato ganha do Bolsonaro fácil. E eu pergunto: quem te garante isso?

Não! A única frente ampla possível – agora, em 2021, não no futuro, em 2022 – é um movimento para parar Bolsonaro. Acordo entre forças democráticas para votar em Lula em 2022 não é frente ampla. É querer transformar todo mundo em cabo eleitoral do PT (e não apenas no segundo turno de 2022 – mas a partir de hoje).

O cenário eleitoral é assim complicado?

Vamos lá. Desde que foi instituída a reeleição, quantos presidentes e presidentas perderam uma reeleição? Zero. Isso te diz alguma coisa? Que a presidência tem um poder danado e você não deve brincar com isso. Se você não vai brincar com a democracia, diz o seguinte: eu quero Frente Ampla. Frente ampla não significa que todo mundo se abraça, que todo mundo se beija, que acha que está tudo legal e tal. Significa só o seguinte: ‘olha, tem uma faixa aqui na frente dizendo democracia e quem estiver atrás, cada um, leva sua candidatura, cada um leva sua bandeira, mas na hora de enfrentar a candidatura antidemocrática vai estar todo mundo junto’. Isso que a gente tem que fazer. É fácil? Não é fácil, você acabou de dizer que Ciro está atacando o Lula o tempo inteiro, certo, porque ele quer se viabilizar como candidato da direita não bolsonarista, mas depois que ele se viabilizar, se ele se viabilizar, vai ter que sentar e conversar.

No caso de vitória, essa Frente Ampla conseguiria barrar os impulsos golpistas de Bolsonaro?

Ninguém dá golpe contra 70% da população. É só isso o que eu quero dizer. Ninguém consegue dar golpe contra 70% da população se esses 70% tiverem com o mesmo intuito de preservar a democracia. Por isso é que é difícil. Mas é o que precisa ser feito.

E ainda tem os palanques estaduais no meio do caminho.

Isso. O que eu vejo de dificuldade são justamente esses palanques estaduais. Eu vejo aí que tem duas forças que serão centrais, os fiéis da balança. Tanto o PSB, portanto Pernambuco é central em qualquer coisa que se fale no Brasil, quanto o PSD, presidido pelo Kassab. Esses dois partidos vão ser chave para as coalizões. Veja a situação do deputado Túlio Gadelha (PDT). Que é o sintoma mais claro. Pra onde vai o PSB, vai com Ciro ou vai com Lula? É isso o que ele está perguntando na verdade quando tá dizendo: ‘Ciro você está atacando o Lula pelo que?’ A situação de Pernambuco é que está em causa ali.

E nos outros estados?

Se a gente for olhar o ACM Neto, por exemplo, nós vamos olhar que já teve um acordo para a prefeitura de Salvador e o PDT indicou o vice. Então ACM Neto precisa ser contra o PT, mas se ele grudar no Bolsonaro, ele arrebenta um monte de outras candidaturas do DEM. Será que Ciro não resolve a situação dele? Aí você vai olhar para Minas, quem apoia o Bolsonaro é o próprio governador atual, o Kalil não pode se apoiar no PT. Vou fazer o que? O Ciro talvez seja uma saída. Olha São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin quer ser candidato. Por qual partido? Pelo PSD do Kassab. Então você vê que essa complicação, essa conversa, tem que ser levada ao mesmo tempo em que o nível presidencial é conversado. Isso não é simples de fazer, mas tem que ser feito.

E o tempo está correndo.

Nós temos pouco tempo e não só Bolsonaro não está parado, como ele está muito bem organizado. E ele sabe que está no piso dele. Daqui pra eleição, ele só vai crescer, não vai diminuir. A menos que aconteçam mais catástrofes, mais tragédias, e ninguém pode torcer por isso. Torcer por terceira ou quarta onda, apagão? Você vai torcer pra uma desgraça acontecer com o país? Não pode. O que é isso, gente? Não dá.

Não se altera essa situação convencendo as pessoas a votar em Lula em 2022. É preciso ação concreta, movimento político. Movimento político capaz de remover Bolsonaro. Ou de desidrata-lo agora (em 2021), para que ele seja vencido (em 2022) no primeiro turno, não no segundo. 

Em suma, a “Frente Ampla” defendida por Marcos Nobre pode ser resumida assim. “Pessoal, lancem uma candidatura de direita contra Bolsonaro, tirem votos dele e depois votem todos em Lula no segundo turno”.

A única aliança democrática possível com Lula

Se o impensável acontecer, mantenha a calma