Pela permanência da hashtag #BolsonaroTraidor nos TT do Twitter nas últimas 48 horas, conclui-se que há uma extrema-direita da extrema-direita e que ela é defensora da ereção de um Estado policial no Brasil.
Sim, existe uma força política extremista no Brasil que vem se afastando do bolsonarismo que adotou a realpolitik (de olho na governabilidade de Bolsonaro). São os cruzados lavajatistas da limpeza ética, os próceres da revolução judiciarista, os antagonistas da terra-arrasada, os defensores do Estado policial morista, os jacobinos restauracionistas.
Agora todo esse pessoal está assanhado porque Bolsonaro não vetou alguns pontos do pacote anticrime aprovado pelo Congresso, chamado de pacote de Moro (ainda que, na verdade, boa parte dele tenha sido elaborada por uma comissão de juristas presidida por Alexandre de Moraes por encomenda do Congresso). Os punitivistas estão fulos de raiva com o que consideram uma traição do seu mito. Queriam que o presidente vetasse proteções aprovadas pelo parlamento, como o juiz de garantia. Estão também irritados porque, felizmente, dispositivos inaceitáveis, introduzidos por Moro no projeto original – como a licença para matar – não foram aprovados.
De qualquer modo, conquanto o lavajatismo tivesse criado condições para o surgimento do bolsonarismo (notadamente para a eleição de Jair Bolsonaro), agora devemos considerar essas duas forças políticas – ambas antidemocráticas – como sujeitos distintos. A elas junta-se – no mesmo campo autocrático – o neopopulismo lulopetista.
O quadro abaixo resume as ameaças:
Examinemos um caso, o de Felipe Moura Brasil, um dos extremistas do Estado policial, que resume a posição de O Antagonista, da Jovem Klan e do Vem Pra Rua. Basta ouvir os seus lamentos para entender tudo.
Juiz de garantia não é bom porque afastará dos julgamentos Bretas e Fachin. | Eles querem que o mesmo paladino da justiça, copiando Moro, investigue, acuse e julgue. Querem chefes de justiça autocráticos, não operadores de uma justiça democrática.
Juiz de garantia não é bom porque cria, na prática, uma “quinta instância”. | Uma mentira deslavada, propositalmente divulgada para confundir. O juiz de garantias é aquele que vai presidir o inquérito, autorizar ou não ações de investigação pedidas pelo Ministério Público. Um segundo juiz julgará o caso, ao contrário do que acontece hoje no país, onde o mesmo juiz preside o inquérito e dá a sentença. Onde é que isso implica mais uma instância de julgamento?
Proibição de delatores revelarem crimes sem relação direta com os fatos investigados não é bom porque transforma em lei “a omertà: o pacto mafioso de silêncio”. | Outra mentira sórdida. Absurdo seria coagir um delator para revelar crimes que nada têm a ver com o caso em tela, como faz a Lava Jato.
A necessidade de haver perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado para decretar prisão preventiva não é bom porque restringe a prisão de bandidos violentos (?). | É justamente o contrário. Se o imputado não oferece perigo, por que deveria ser preso? Apenas para coagi-lo a delatar?
Até agora, porém, os extremistas lavajatistas ainda não chegaram num acordo. Afinal, o juiz de garantia é ruim por que? Porque dificultará a revolução judiciarista? Porque impedirá a ereção do Estado policial morista? Ou porque não há tempo ou dinheiro para implantar a proposta? A maioria dos argumentos está centrada na terceira hipótese. Alegam-se razões técnicas e financeiras para não entrar no mérito da questão.
Mas é preciso entrar no mérito da questão.
A Lava Jato ganhou grande popularidade porque as pessoas acreditaram que prender menos de uma dúzia de políticos mega-corruptos, para efeitos midiático-políticos, ia debelar a corrupção endêmica na política brasileira.
Sim, menos de 10 políticos alvos da Lava Jato estão presos, confere? Qual o efeito disso sobre cerca de 70 mil eleitos? Milhares de prefeitos, vereadores, deputados, para não falar de governadores e senadores, vão ficar com medinho e parar de tentar se apropriar de dinheiro público, direcionar licitações, nomear parentes, superfaturar contratos, aceitar propina, criar dificuldades para vender facilidades, contratar funcionários fantasmas e promover rachadinhas, comprar voto de eleitores e eleitos?
Cá pra nós, alguém precisa estar de mau com a própria inteligência para acreditar na viabilidade desse caminho. Ah! Mas isso é apenas o começo. Com o tempo, vamos prender muito mais. Ora… mesmo assim isso seria como apostar que se prendêssemos todos os políticos da Somália ela viraria uma Nova Zelândia em uma, duas ou três décadas. Viraria?
E de que adiantaria, do ponto de vista da democracia, acabar com a corrupção (se, com ela, for junto também a liberdade)? A corrupção em Esparta, durante o século 5 a.C., devia ser próxima de zero. E foi a pior autocracia, talvez, já surgida na humanidade.
Todos os estudos mostram que não há medida mais eficiente para reduzir a corrupção do que aumentar os índices de direitos políticos e de liberdades civis.
Os países mais corruptos são os menos democráticos. E os países menos corruptos são os mais democráticos, não os que foram palco de cruzadas de limpeza ética. Aliás, depois de todo carnaval promovido pela Mani Pulite (operação que inspirou a Lava Jato), a Itália foi parar num péssimo lugar do ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional.
Com um agravante, depois do jacobinismo terra-arrasadista há sempre um Napoleão nos esperando na próxima esquina. Na Itália ele se chamou Silvio Berlusconi. No Brasil, Jair Bolsonaro.




