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Estendendo um tapete vermelho para o PT, mas…

Em uma frente em defesa da vida cabem todos os que se opõem a Bolsonaro. Mas numa frente em defesa da democracia não cabem os que não se converteram à democracia

Defender a democracia e barrar a escalada autoritária de Bolsonaro são dois imperativos diferentes, que podem se casar na defesa da vida. Bolsonaro não é apenas uma ameaça à democracia, mas também uma ameaça à vida humana no Brasil e no planeta (como demonstram suas posições em relação à pandemia do coronavírus, à questão das armas e ao problema ambiental – para citar apenas três exemplos).

Se a vida está ameaçada – e é o caso – em articulações em defesa da vida cabem todos os que querem interromper a trajetória macabra do bolsonarismo. Portanto, cabem perfeitamente o PT, as esquerdas em geral, os eleitores de Bolsonaro em 2018 que se arrependeram e, inclusive, ex-bolsonaristas. Caberia até Lula, que não quer entrar nessa frente porque não se livrou do seu velho hegemonismo.

Mas é preciso dizer claramente que barrar Bolsonaro significa hoje o seu impeachment. Todos os que querem parar Bolsonaro, seja por que motivo for, devem entrar na campanha do impeachment.

Em articulações em defesa da democracia não cabem todos. Lutar contra Bolsonaro não transforma ninguém em democrata.

Assim como ter lutado contra a ditadura militar não fez o PT se converter à democracia como valor universal e principal valor da vida pública.

Assim como ter lutado contra Hitler, não fez Stalin deixar de ser um antidemocrata (e um ditador sanguinário).

Assim como a luta contra o populismo-autoritário de extrema-direita com características fascistoides (como é o caso do bolsonarismo) não garante que forças i-liberais e majoritaristas, como o neopopulismo de esquerda, não voltem ao poder.

Não, não basta ser antifascista. Maduro e Ortega, por exemplo, são antifascistas, mas degeneraram suas democracias instalando ditaduras. Ainda que quem luta contra um autocrata cumpra objetivamente um papel democrático, isso não é suficiente para dar continuidade ao processo de democratização.

Se Bolsonaro sofrer impeachment, a defesa da democracia deve continuar. O general Mourão não é um democrata, ainda que possa respeitar formalmente, muito mais do que Bolsonaro, as normas do Estado de direito. Ademais, a campanha pelo impeachment de Bolsonaro não pode servir de pretexto para que forças antibolsonaristas não convertidas à democracia hegemonizem frentes democráticas – “pescando em aquário” – para voltar ao poder.

Enquanto não fizer uma autocrítica de sua trajetória recente – inclusive do mensalão e do petrolão, mas não só -, enquanto não renovar suas direções corruptas e hegemonistas, enquanto não se desvencilhar do neopopulismo de cunho bolivariano (ainda que mais soft), o PT não se transformará num player válido da democracia. Para ser admitido no campo democrático, o PT deve abandonar sua postura hegemonista, de instrumentalizar tudo para voltar ao poder, de só fazer alianças táticas, para ficar mais forte e matar os aliados no final.

Mas o PT tem mostrado, como disse Talleyrand acerca dos Bourbon, que não aprendeu nada e não esqueceu nada. Apesar de tudo o que aconteceu, os militantes lulopetistas continuam dizendo que o impeachment foi golpe e culpando (e hostilizando) os que não votaram em Haddad pela vitória de Bolsonaro. E, em termos de belicosidade, têm mantido um comportamento muito parecido com o do bolsonarismo no debate público, inclusive nas mídias sociais.

Considerado tudo isso, devemos estender um tapete vermelho (hehe) para receber o PT e a esquerda que gravitou em torno do PT nas últimas décadas em uma grande mobilização em defesa da vida, contra a escalada autoritária do bolsonarismo e pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Mas não vamos servir de palco para que o PT lave suas velhas estátuas e pratique – sem mudar de comportamento – seu proselitismo populista para voltar aos governos e aos parlamentos em 2020 e, muito menos, em 2022.

Enquanto isso, a principal tarefa dos que defendem a democracia é multiplicar o número de democratas. Como se sabe, não existe democracia sem democratas. Os democratas, porém, não precisam ser maioria (nunca foram, aliás, pois não são majoritaristas como os populistas), mas têm que conformar uma massa crítica suficiente para cumprir o seu papel precípuo que é o de fermentar o processo de formação de uma opinião pública democrática. Considerando as dinâmicas de rede emergentes na sociedade contemporânea, se alcançassem a marca de 1% dos eleitores, isso talvez já fosse suficiente (mas 1% de 150 milhões dá 1 milhão e 500 mil agentes e é duvidoso que estejamos próximos de perfazer esse número).

Não se fala aqui dos que concordam vagamente com a democracia ou dos que, quando perguntados, preferem um Estado de direito à uma ditadura e sim dos agentes capazes de desempenhar a função de polinizadores que, continua ou intermitentemente, atuam para modificar o fluxo interativo de opiniões tomando como referencial a liberdade como sentido da política.

Para os democratas, como se vê, há muito trabalho pela frente.

Sob um governo irresponsável

A pesquisa Datafolha sobre a democracia