Não estou falando que temos que votar ou não votar no Lula (quando houver eleição, é claro – pois agora, em abril de 2022, não há). Estou falando que Lula não é uma opção e sim uma falta de opção.
Vou explicar.
Quero dizer com isso que Lula é mais do mesmo. Seu universo conceitual ainda é o dos anos 80 do século passado. É a volta a um passado não revisto. Zero inovação. Sim, quatro décadas depois não há uma única miserável inovação no PT. Basta ver quem Lula escolheu para tocar sua campanha: Franklin Martins (comunicação), Luis Dulci (agenda), Celso Amorim (política externa), Paulo Okamotto (logística), Aloisio Mercadante (programa de governo), Rui Falcão (coordenação política), Gleisi Hoffmann (coordenação geral), José Dirceu (gabinete paralelo).
Além de zero de inovação, zero também de autocrítica. Pelo contrário, negacionismo:
Não houve mensalão.
Nunca houve petrolão.
Não houve aparelhamento do Estado por militantes petistas.
O PT nunca defendeu controlar a mídia.
O PT jamais defendeu as ditaduras cubana, angolana, venezuelana e nicaraguense.
O PT nunca apoiou Putin.
O lulopetismo não é um populismo de esquerda.
Os militantes do PT não gostam quando se expõe as pós-verdades lulopetistas e retrucam:
“Ah! Mas isso é antipetismo”.
Nada disso.
É possível se opor a alguma coisa sem se definir pelo seu oposto. Quando digo que me oponho ao PT sem ser antipetista, algumas pessoas não entendem porque estão contaminadas pela ideia de política como uma guerra entre lados.
Me oponho ao PT porque não sou populista, não sou estatista, não sou i-liberal e não sou hegemonista. Não porque seja de direita (ou extrema-direita) e, assim, antipetista. O antipetismo ideológico – não a oposição política democrática ao PT – criou as condições para a ascensão do bolsonarismo.
Claro que o PT é o primeiro responsável por isso. Só surgiu um antipetismo porque houve petismo. Foi o petismo que introduziu na política brasileira recente o “nós” contra “eles”. Tanto atemorizou com o bicho-papão da direita, que uma direita surgiu mesmo (desgraçadamente como extrema-direita).
Materializou-se então o oposto do oposto. O “eles” virou um “nós”, com coesão ideológica suficiente para atemorizar extensas parcelas da população, levando à vitória de Bolsonaro.
É possível ser contra a esquerda sem ser de direita. É possível ser contra o comunismo sem ser anticomunista. Essas clivagens ideológicas são maneiras de fugir da política ou de degenerá-la em uma guerra de credos.
Ora, a democracia não é um credo. Democratas não são crentes que combatem infiés. A democracia não é uma doutrina. Pelo contrário, a democracia é sem-doutrina. É política, não ideologia.
Resumindo. Lula não é uma opção para os que não são populistas, quer dizer, para os que não são i-liberais.
Os fatos de Bolsonaro ser i-liberal e de Lula se opor a Bolsonaro, não torna Lula liberal. Lula pode se opor a Bolsonaro e continuar sendo i-liberal. E é o que acontece.
Bolsonaro x Lula – são dois populistas polarizando a disputa: um autocrático (Bolsonaro) e outro democrático (Lula) – mas democrático (apenas) eleitoral e não democrático liberal.
É preciso entender as diferenças entre democracias eleitorais e democracias liberais. O diagrama abaixo apresenta os diversos tipos de regimes políticos com um exemplo de cada um, apenas para ilustrar. Vejam que o Brasil tem uma situação singular. É uma democracia eleitoral parasitada, ao mesmo tempo, por um neopopulismo (lulopetismo) e por um populismo-autoritário (bolsonarismo).
Claro que, aos 45 minutos do segundo tempo, se houver risco real de um autocrata eleitoral como Bolsonaro ser eleito, é preferível votar num democrata eleitoral que tenha chance de impedir a tragédia, mesmo que seja populista, quer dizer, i-liberal e majoritarista como Lula.
Mas isso não significa:
Apoiar Lula em abril. A eleição é só em outubro de 2022. E não se pode abrir mão de construir – em abril, maio, junho, julho, agosto, setembro – uma candidatura democrática, não-populista, que deverá concorrer no primeiro turno. Mesmo que essa canditura não tenha muitas chances de passar ao segundo turno, ela é absolutamente necessária para a continuidade do processo de democratização. E preciso que haja alguém capaz de defender a democracia como valor universal e como principal valor da vida pública (e não como expediente tático para chegar ao poder e nele se manter).
Votar em Lula no primeiro turno, não havendo risco real (matemático) de Bolsonaro ser eleito no primeiro turno. Sim, a eleição tem dois turnos. E, na verdade, se não houver tal risco, pode-se votar (ou não votar) em qualquer um.
Votar em Lula no segundo turno, se o candidato concorrente não for Bolsonaro ou mesmo se for Bolsonaro e não houver risco real (matemático) de ele ser eleito.
Apoiar um eventual governo Lula a partir de 2023. Os democratas liberais deverão ser oposição neste caso.