Urge acender nossas pequenas luzes
A situação no Brasil é mais difícil do que em outros países onde a democracia está ameaçada. Porque é inédita.
Aqui existem três messianismos disputando a condução das massas: o bolsonarismo, o lulopetismo e o morismo (ou lavajatismo). E não se afirmou ainda uma alternativa democrática.
Se tal alternativa não aparecer é a política que terá sido derrotada com graves consequências para a nossa democracia.
A extrema-direita populista diz: os políticos que servem ao globalismo e ao comunismo não servem.
A esquerda neopopulista diz: os políticos que representam as elites capitalistas neoliberais e exploradoras do povo não servem.
O jacobinismo restauracionista diz: os políticos que fazem parte das elites corruptas e fisiológicas não servem.
Ou seja, para essas três forças políticas, todos (os outros) devem ser varridos da face da Terra.
Ora, em qualquer caso, isso é guerra – não política: é o contrário da democracia, que não quer exterminar ninguém no planeta. E que aceita conviver com os seres humanos realmente existentes com todas as suas curvaturas, impurezas e imperfeições, seja o que for que defendam, desde que respeitem as regras do Estado de direito. É o Estado de direito que tem que combater a corrupção e outros crimes, não uma força política que tome isso como pretexto para empalmar o poder.
Os messianismos em disputa criam seus mitos. Mas criar mitos só serve aos populismos, para compor rebanhos. Agentes democráticos não são mitos e sim pessoas comuns. Nem Bolsonaro, nem Lula, nem Moro: ninguém deve ser mitificado. Não adianta substituir um mito por outro. A não ser para quem quer conduzir o gado. Ou fazer parte do gado.
Se a situação permanecer assim, nos aproximaremos novamente de uma tempestade perfeita. A configuração particularíssima de ter candidatos como Moro e Haddad (ou outro do PT) concorrendo, fragmenta o campo democrático para remover Bolsonaro (se ele chegar às urnas de 2022). Caminharemos outra vez para o matadouro.
Se os democratas não conseguirem mostrar isso para a população em tempo hábil, se não conseguirem, nem mesmo, apontar para uma alternativa não-populista (defendida, antes das próximas eleições, por liberais em termos políticos, quer dizer, por democratas, que não tomem seus adversários como inimigos para destruí-los ou varrê-los da face da Terra) então precisarão se preparar para atravessar uma longa e escura noite.
E já vivemos nessa penumbra que anuncia a escuridão que vem. Parcelas ponderáveis da nossa população (assim como da população dos Estados Unidos) não aceitam mais jogar o jogo democrático. Acham que estão em guerra contra um inimigo interno e, assim, não estão mais dispostas a conviver amistosamente com esse inimigo. Ainda que Bolsonaro e Trump não se reelejam, tal guerra perdurará. E essa guerra, continuada por muito tempo, acabará corroendo as bases sociais que possibilitam a democracia.
Mais do que em qualquer outra época, é preciso um novo movimento político, organizado em rede distribuída, que procure conectar os democratas brasileiros, reuni-los e multiplicá-los, configurando, de baixo para cima, em localidades de todo o país, ambientes de livre-aprendizagem da democracia e de experimentação democrática.
Um movimento que entenda que democratas são os que tomam a democracia como valor universal e principal valor da vida pública, não só como modo político de administração do Estado, mas também como modo-de-vida ou de convivência social.
Um movimento liberal no sentido político originário (democrático) do termo, quer dizer, dos que acham que a liberdade é o sentido da política (e não a ordem) e, vice-versa, dos que acham que ninguém pode ser livre sozinho: uma pessoa só é livre plenamente enquanto pode interagir na comunidade política.
Um movimento, portanto, que defenda o liberalismo político e não apenas o liberalismo-econômico. Um movimento, nesse sentido, de recusa aos populismos (ditos de direita ou extrema-direita ou de esquerda) que são i-liberais e majoritaristas.
Um movimento de pessoas dispostas a interagir politicamente para defender a democracia que temos sem deixar de buscar novas formas de democracia que queremos.
Para fazer isso, para palmilhar esse caminho na quase escuridão que nos encobre, é necessário acender nossas pequenas luzes. Agora, não no futuro. Agora, não em 2022.