A erosão da democracia vai continuar. Vamos pegar dois exemplos: o dos EUA e o do Brasil.
Os Republicanos, nos EUA, abandonaram a democracia em prol de uma República Branca. Se vencerem as próximas eleições legislativas paralisarão o governo Biden, não contando para nada a espetacular vitória eleitoral dos Democratas e o seu bom desempenho inicial.
Eles continuam acreditando que os Democratas roubaram as eleições. Eles continuam dispostos a não votar em nada que seja proposto por Biden ou pelo Democratas. Eles não aceitam conviver com os Democratas. Isso é definitivo (pelo menos no curto prazo).
Assim como a derrota eleitoral de Trump não resolveu o problema da democracia nos EUA, apenas a derrota eleitoral de Bolsonaro não terá o efeito de parar a erosão da democracia no Brasil.
Quando se configura um campo antidemocrático com uma adesão expressiva da população (o que ocorre como consequência de acirrada polarização, degenerando a política numa espécie de guerra civil fria de longa duração), uma saída democrática exige muito mais do que sorte na loteria do calculismo eleitoreiro. Não é por um golpe de sorte eleitoral que vamos interromper o processo de erosão da democracia.
A democracia no Brasil, de certo modo, está numa situação até pior do que nos EUA. Aqui se configura uma confrontação de populismos que tende a afastar da cena pública os democratas. É uma tempestade perfeita para a democracia. A política no Brasil virou uma sopa de agentes infecciosos populistas (e os populismos contemporâneos, é bom não esquecer, são hoje os principais adversários da democracia, no mundo e no Brasil).
Temos militantes bolsonaristas (populistas-autoritários, incluindo militares saudosos da ditadura que se metem indevidamente na política, adotam a ideologia do inimigo interno e acham que devem tutelar os civis).
Temos militantes lulopetistas (neopopulistas) que, tais como os primeiros, acham que a sociedade está atravessada por uma única clivagem opondo “o povo” (os que seguem seu líder) às “elites” (os que não seguem) e que praticam a política como uma guerra do “nós” contra “eles”.
Temos ainda militantes morolavajatistas (populistas judiciaristas, punitivistas e moralistas, que apostam na antipolítica para limpar a política).
Tudo junto e misturado dá um caldo que pode ser bem eficaz para continuar erodindo a democracia (que é a forma atual da autocratização – não mais o golpe de Estado clássico ou o autogolpe). Só por milagre isso não acontecerá – seja qual for o resultado eleitoral de 2022.
Uma saída democrática capaz de interromper o processo continuado de erosão da democracia – no Brasil e em qualquer localidade do mundo onde processos de autocratização de terceira onda (siga o link para ver de onde extraímos o gráfico acima) estão em curso – exige recomeçar de baixo para cima, multiplicando em cada lugar e setor de atividade o número de agentes democráticos ativos.
Atenção! Não se trata de aumentar apenas o número de pessoas que dizem preferir a democracia a outros regimes políticos, mas o número de atores políticos capazes de reconhecer a presença de padrões autocráticos, de detectar precocemente sinais de envenenamento e de desconsolidação da democracia, mesmo quando esses sinais são fracos ou subterrâneos e de agir consequentemente para configurar novos ambientes democráticos.
Isso desloca o horizonte para 2030, se começarmos agora.