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Notas sobre o velho sistema político (3)

Estas notas foram extraídas de um livro que publiquei, em 2007, para um programa de formação política que foi frequentado por centenas de pessoas no Paraná. Cf. FRANCO, Augusto. Alfabetização democrática. Curitiba: FIEP – Rede de Participação Política do Empresariado, 2007 (disponível apenas em papel, mas parece que a edição está esgotada). Para ler a primeira parte clique aqui. Para ler a segunda parte clique aqui.

3 – É POSSÍVEL MUDAR O VELHO SISTEMA POLÍTICO?

É possível mudar o velho sistema político? Marx – o Groucho, não o Karl – dizia que “a política é a arte de procurar problemas, encontrá-los, fazer o diagnóstico errado e depois aplicar mal os remédios errados”. Ele certamente se referia à política que conhecia, talvez não muito diferente, porém, da que ainda conhecemos.

Mas a questão não é trivial. Alguns argumentam que enquanto a realidade do poder existente nesse tipo de civilização em que vivemos não for radicalmente alterada, as mudanças nos sistemas políticos serão superficiais, laterais, incrementais. Existem muitas evidências históricas que corroboram tal avaliação.

Outros preferem ver essa realidade como processual, quer dizer, o sistema político estaria sendo alterado continuamente, mas de modo, às vezes, pouco perceptível no curto prazo. Argumenta-se, neste sentido, que as mudanças culturais são lentas e que a cultura política que reproduz o velho sistema tende a recuperar as inovações introduzidas em sua estrutura e em seu funcionamento de sorte a impedir mudanças mais profundas nos padrões de relacionamento político que definem o tipo de poder que caracteriza o sistema: vertical, competitivo, adversarial, excludente, etc.

De qualquer modo, parece óbvio que é impossível mudar o sistema político por meio do proselitismo, tentando converter seus agentes na base de discursos pios ou edificantes sobre o verdadeiro sentido da política, sobre a necessidade da democracia ou sobre a ética na política. Também parece óbvio que os velhos atores não poderão introduzir inovações no sistema em que foram gerados e cevados. Em primeiro lugar porque tais atores não têm sequer consciência de que há um problema, e os que desconfiam que tal sistema acabará sendo dispensado por obsolescência se não for reinventado, não sabem o que fazer para corrigir o crescente afastamento entre o mundo da velha política e a nova sociedade civil. Em segundo lugar, porque, mesmo que se convençam da dessintonia entre o velho sistema e a sociedade, os agentes políticos tradicionais preferem se acomodar a tentar algo diferente, seja por temerem perder seus privilégios ou por reconhecer que o atual sistema político, a despeito de todas as suas mazelas, não é ainda dispensável, não querem se aventurar em realizar mudanças que podem resultar pior que o soneto, dando margem para aumentar o descrédito da democracia.

Sendo assim, a questão, então, é saber em que medida é viável mudar o sistema político de baixo para cima, a partir da introdução de novos processos democráticos na base da sociedade e no cotidiano dos cidadãos, que dêem um novo sentido à política, contribuindo para aumentar a participação e para introduzir novos atores no cenário político. Existem algumas evidências de que, por meio desses novos processos, atores políticos tradicionais vêm mudando seu comportamento. Por exemplo, prefeitos e vereadores, vêm participando, em pé de igualdade com outros agentes sociais e empresariais, de múltiplas experiências de participação democrática dos cidadãos. A partir dessas experiências, eles vêm mudando seu comportamento centralizador, assistencialista e clientelista – que desativa a rede social – e têm passado a investir em capacidades permanentes das pessoas e em ambientes sociais favoráveis ao exercício do protagonismo coletivo.

Há quem diga, entretanto, que esse fenômeno vem sendo verificado, de forma significativa, somente nos elos inferiores da cadeia, mas ainda não atingiu os elos intermediários e superiores, que continuam vivendo de uma espécie de vampirismo político; quer dizer, o sistema funciona, em suas camadas mais distantes da vida das populações – no âmbito estadual e nacional, no caso do Brasil –, por “expropriação de cidadania política” ou com base na exclusão política daqueles que não são profissionais da política, cujas energias são sugadas pelos que se propõem a fazer da representação o seu meio de vida. Em suma, a justificativa para a existência da “classe política” acaba sendo a impossibilidade dos cidadãos viverem como seres políticos e isso significa um impedimento para a conformação da comunidade política (inclusiva).

Além disso, há quem argumente que os agentes tradicionais do sistema político que estão aderindo às novas formas de interação experimentadas na base da sociedade, fazem-no por pura esperteza, para não perderem apoios e votos em suas bases e que uma adesão instrumental desse tipo às inovações não terá o poder de modificar a lógica férrea do sistema como um todo.

Mesmo que seja assim, não há, porém, outro caminho. Se os que estão dentro não vão reinventar o sistema, parece claro que ele só será reinventado a partir de uma pressão ambiental (de fora para dentro) e de uma intrusão pelo caminho mais fácil ou pela ponta de menor resistência, com a inclusão de novos atores (de baixo para cima).

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