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O Brasil não pode esquecer da pobreza

Publiquei ontem no Facebook a seguinte nota:

O combate à pobreza (por meio da promoção do desenvolvimento social, entendendo que pobreza não é apenas insuficiência de renda, mas falta de capacidade de pessoas e comunidades para desenvolver suas próprias potencialidades) ficou meio sem pai nem mãe neste governo. Em parte porque Guedes e os economistas têm a crença de que o crescimento econômico vai resolver automaticamente o problema (mas não haverá, ao que tudo indica, tal boom de crescimento no curto e médio prazos). Em parte porque o bolsonarismo está assobiando e andando para os pobres, que não são sua base ativa (e o máximo que fará é manter alguns programas compensatórios). Urge uma coligação de pessoas e entidades que se preocupe com isso de maneira alternativa ao que fez a esquerda lulopetista (que queria apenas um exército de eleitores cativos transformando-os em pensionistas do Estado). A ideia-força é simples: num país como o Brasil não basta nem o cada um por si, nem o Estado paternalista. É necessário ativar politicamente e ampliar socialmente a solidariedade.

Vamos agora comentar os principais pontos da nota.

O combate à pobreza (por meio da promoção do desenvolvimento social, entendendo que pobreza não é apenas insuficiência de renda, mas falta de capacidade de pessoas e comunidades para desenvolver suas próprias potencialidades) ficou meio sem pai nem mãe neste governo.

Não há proposta de combate à pobreza do governo atual. Ele mantém ou tenta rearranjar as políticas compensatórias herdadas de governos anteriores. Ou seja, não há política de indução ou promoção do desenvolvimento social. Não apareceu até agora nenhuma tentativa de articular crescimento econômico com desenvolvimento social. Mais adiante veremos por que.

Mas a questão principal aqui é a incompreensão do problema. O tratamento dado ao chamado combate à pobreza pelos nossos governos ainda não entrou no século 21, apesar de já ter sido levantado – por nós e vários outros – há mais de duas décadas.

Como já escrevi em outro artigo:

Bolsonaro está se esforçando para retirar da pauta do debate público a questão da redução da pobreza.

Claro que não se fala aqui de usar a pobreza para objetivos político-ideológicos, como fazia a esquerda, focalizando principalmente a redução de desigualdades, colocando a igualdade (sócio-econômica) como pré-condição para a liberdade política e insinuando que o problema só teria solução numa futura sociedade igualitária (onde, então, seria possível adentrar triunfalmente o reino da liberdade e da abundância). Abordar a questão dessa maneira era também um modo de não enfrentar a questão premente da pobreza no presente. Ademais, as desigualdades econômicas costumam ser muito baixas em países de extrema-pobreza. A Nova Zelândia é mais desigual do que a Etiópia: e daí? Em qual das duas qualquer pessoa (que não é maluca) gostaria de morar?

A questão da pobreza só pode ser resolvida pelo desenvolvimento social (que não é sinônimo de crescimento, como acreditam os economistas do governo Bolsonaro). Pobreza não é apenas insuficiência de renda. É incapacidade de desenvolver as próprias potencialidades. Somente o crescimento econômico não conseguirá reverter automaticamente a pobreza porque ele não se distribuirá mais equitativamente enquanto a riqueza, o conhecimento e o poder estiverem tão concentrados. E até para alcançar patamares mais altos de crescimento econômico sustentado (com aumento de produtividade e inovatividade) é necessário reduzir a pobreza.

A maioria da nossa população é pobre de renda: mais de 60% das famílias brasileiras ganham até 3 mil reais mensais, mas como não são a base do bolsonarismo – composta, em sua maioria, por brancos escolarizados que ganham acima de 3 salários mínimos – o governo não está se preocupando com essa realidade. Mas nossa população não é pobre somente em termos de falta de capital financeiro (renda) e sim também em termos de insuficiência de capital humano e de capital social (quer dizer, de falta de rede ou de conexões ou atalhos entre os clusters de pobreza e outros clusters que compõem a sociedade: ou seja, o pobre é pobre porque seus amigos e parentes são pobres e, assim, reproduz socialmente e inter-geracionalmente a pobreza). No dia em que Bolsonaro e os bolsonaristas entenderem o que está escrito neste parágrafo, cai um pedaço de céu velho.

Sim, só o desenvolvimento social pode quebrar esse círculo vicioso e reduzir significativamente a pobreza e isso não é a mesma coisa que manter ou turbinar programas compensatórios de transferência de renda, que são necessários, por certo, mas cujos resultados são, via de regra, não a diminuição significativa da pobreza e sim a manutenção da pobreza em patamares aceitáveis (ou não tão escandalosos). Embora tenham alergia de pobre, os bolsonaristas não abolirão programas como o Bolsa Família por medo das consequências eleitorais adversas. Mas isso, como sabemos, não basta!

Quem quiser acompanhar uma abordagem atual da questão deve ler o artigo Emancipação da pobreza em uma sociedade em rede.

Continuemos, porém.

Em parte porque Guedes e os economistas têm a crença de que o crescimento econômico vai resolver automaticamente o problema (mas não haverá, ao que tudo indica, tal boom de crescimento no curto e médio prazos).

Os economistas chefiados por Paulo Guedes nunca pensaram em soluções não-economicistas para a pobreza, como já foi dito na citação acima.

Em parte porque o bolsonarismo está assobiando e andando para os pobres, que não são sua base ativa (e o máximo que fará é manter alguns programas compensatórios).

Como se sabe, a base política do atual governo são os setores médios, brancos, com escolaridade de média a superior e com renda média familiar acima de 3 salários. Ou seja, não são pobres. E não têm, pelo seu perfil, particular compaixão pelos pobres. E não são capazes de entender que, sem enfrentamento da pobreza, nem o desenvolvimento econômico sustentado por ser alcançado.

Urge uma coligação de pessoas e entidades que se preocupe com isso de maneira alternativa ao que fez a esquerda lulopetista (que queria apenas um exército de eleitores cativos transformando-os em pensionistas do Estado).

O PT no governo usou os chamados programas sociais (como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, mas não só) como ativos eleitorais. Fazia parte da sua estratégia neopopulista de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para nunca mais sair do governo. Praticou, para tanto, um mega-assistencialismo de esquerda e um neo-coronelismo ultra-centralizado (com a substituição ou a subordinação dos caciques locais e regionais por um único cacique nacional, Lula, que seria a encarnação e a síntese do próprio povo). Tal caminho populista não deve ser reeditado. Sobretudo porque seu objetivo não é erradicar ou diminuir sensivelmente a pobreza e sim manter a pobreza em níveis aceitáveis (ou seja, não miseráveis) como um permanente exército eleitoral.

A ideia-força é simples: num país como o Brasil não basta nem o cada um por si, nem o Estado paternalista. É necessário ativar politicamente e ampliar socialmente a solidariedade.

O Brasil, como tanto se repete, é um país desigual, mas não apenas em termos econômicos, de renda e riqueza, e sim também em termos de conhecimento e poder (ou melhor, de empoderamento). Como essas internalidades (capital financeiro e capital físico) e externalidades (como o capital humano e o capital social) estão muito mal-distribuídas, os efeitos automáticos do crescimento econômico também se distribuem desigualmente, fabricando novas desigualdades. Nestas condições, a oferta de renda por meios extra-econômicos, seja individualmente, seja através de programas estatais de ajuda via grandes projetos, têm resultados duvidosos (como aconteceu na África, décadas de ajuda para o desenvolvimento criaram novas elites excludentes, seja em razão da corrupção dos administradores locais, seja por defeitos no próprio desenho dos projetos).

Dinheiro vindo de fora, não gerado endogenamente pelo esforço empreendedor, individual e coletivo, não inclui as pessoas no processo de desenvolvimento, tanto no que tange ao auto-desenvolvimento de suas capacidades e habilidades permanentes, quanto no que diz respeito ao desenvolvimento das comunidades onde essas pessoas vivem e convivem. Só comunidades humanas podem incluir seres humanos.

Pobreza – tomada multidimensionalmente, como principal variável de exclusão por deficit de desenvolvimento – é sempre insuficiência de rede (e não apenas de renda). Imaginar que uma pessoa com mais dinheiro no bolso vai se comprometer a acolher e ajudar as que têm menos ou que ela vai investir no desenvolvimento de sua comunidade é inútil. A vanguarda (econômica) não puxa a retaguarda (social). Uma pessoa que atingiu níveis maiores de prosperidade econômica tenderá a querer acumular mais e, inclusive, a migrar para outras localidades mais ricas, com mais recursos, abandonando seu antigo cluster de pobreza.

Assim, é necessário que o problema da pobreza seja enfrentado pela sociedade e não apenas pelo Estado. A sociedade tem que se movimentar para tanto, por meio de múltiplas iniciativas animadas pela vibe da solidariedade social. Não há um remédio universal, uma solução única, mas qualquer saída que for intentada deve considerar duas coisas: a) aumentar a conectividade geral dos ambientes onde vivem as pessoas pobres, possibilitando a multiplicação dos laços fracos entre elas; e b) incrementar as relações amistosas que podem surgir entre essas pessoas quando elas se juntam a partir de seus desejos congruentes para fazer qualquer coisa (seja para contender com um problema comum, seja para implantar um projeto que estão querendo fazer).

O Estado tem um papel a cumprir nesse sentido. Não um papel que substitua a sociedade e sim um papel que potencialize, incentive, premie, não a pobreza, mas os esforços realizados por pessoas e comunidades para se emancipar da pobreza. Ou seja, os projetos e programas devem ter outro desenho. Não se trata apenas de proteger assistencialmente (embora isso seja necessário) os mais carentes, mas também de promover e induzir iniciativas de desenvolvimento que não separem os pobres dos não pobres – pois é aí que reside o problema: incluir uma pessoa na lista de beneficiários carentes de um programa assistencial já é uma exclusão. A focalização é necessária, mas não deve ser a abordagem exclusiva. E excesso de focalização em termos econômicos também pode levar a um acréscimo de exclusão social.

Entidades da sociedade civil e do Sistema S, movimentos sociais e igrejas, escolas e universidades, empresas e clubes, em parceria com parlamentares e governantes de todos os níveis, deveriam tomar essa ideia-força como mote para um conjunto de iniciativas de enfrentamento da pobreza, sobretudo pela via do investimento no capital humano e no capital social. Aliás, parece ser uma demonstração de gritante insensibilidade não haver uma frente parlamentar de enfrentamento da pobreza com atuação efetiva. Chega a ser um escárnio que existam bancadas do boi, da bala, da bíblia e não exista uma bancada voltada à inclusão social dos pobres que constituem a maioria da nossa população.

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