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O embargo a Cuba não existe

O regime cubano criou uma narrativa de vitimização como cortina de fumaça para sua incompetência e corrupção gritantes. Eu sei bem disso. Eu também já acreditei nisso.

Por Carolina Barrero, Journal of Democracy (outubro 2025)

Por mais de seis décadas, o regime cubano ancorou sua sobrevivência política em uma única explicação para cada fracasso que produz: o “bloqueio” dos EUA. Ele é invocado para justificar o colapso das instituições, as prateleiras vazias e os apagões, e o esgotamento da vida cotidiana. Repetido com insistência ritualística, tornou-se aceito como verdade em amplos círculos da opinião internacional. A realidade documentada conta outra história. Quando se observam os fluxos comerciais reais, as transações financeiras verificáveis ​​e a distribuição efetiva de recursos na ilha, o argumento desmorona. As consequências econômicas que Havana atribui ao embargo não resistem ao escrutínio empírico. A discrepância entre o discurso e o fato obedece a uma estratégia calculada. Durante anos, a elite governante transformou a incompetência administrativa em vitimização geopolítica, a corrupção institucionalizada em resistência heroica e uma ordem econômica exploradora no suposto dano colateral da hostilidade externa. Essa operação funcionou com notável sucesso, enquanto grande parte do mundo busca culpados em Washington, os verdadeiros autores da tragédia cubana governam de Havana com quase total impunidade.

Amanhã, a Assembleia Geral da ONU votará mais uma vez uma resolução cubana condenando o embargo, e o velho ritual se repetirá como vem acontecendo desde 1992. Cuba apresentará estimativas astronômicas de prejuízos, dezenas de governos farão discursos de solidariedade e a resolução será aprovada por ampla maioria. O que não será debatido naquela câmara são os dados que contradizem o mito, os registros de transações multimilionárias, as evidências de reservas líquidas maiores do que as de nações inteiras e a verdadeira arquitetura de um sistema que aperfeiçoou a arte de converter seus próprios fracassos em capital diplomático. A votação não decidirá o destino do embargo, que permanecerá em vigor independentemente do resultado. Mas decidirá se a comunidade internacional continuará a legitimar uma narrativa que absolve o regime da responsabilidade pelo sofrimento de seu povo, enquanto esse mesmo regime esconde US$ 18,5 bilhões que poderiam resolver as crises que atribui a terceiros.

Escrevo isto porque eu também já acreditei na narrativa de vitimização. Ninguém que ama seu país deseja vê-lo mal, e o regime sabe como explorar esse reflexo. Com acesso mais amplo à informação, agora posso desmantelar uma retórica que antes apelava para o meu patriotismo.

Os Números Reais

Comecemos pelo comércio que supostamente não pode existir. Os registros oficiais do Departamento de Agricultura dos EUA contradizem qualquer ideia de um bloqueio total. Em 2024, as exportações americanas para Cuba ultrapassaram US$ 370 milhões em produtos agrícolas e alimentos, frango congelado, soja, milho e trigo, justamente os produtos básicos que um país genuinamente bloqueado não deveria conseguir comprar de seu principal adversário geopolítico. A tendência tem sido persistente e acentuada. Somente em fevereiro de 2025, as vendas atingiram US$ 47 milhões, o maior valor mensal desde 2014 — um aumento de aproximadamente 75% em relação ao ano anterior. Entre janeiro e junho de 2025, o total chegou a US$ 243 milhões, um aumento de 16% em relação ao mesmo período de 2024, e as projeções para o ano totalizam mais de US$ 585 milhões. O paradoxo é evidente: o país que supostamente deixa Cuba passar fome vende frango, arroz, leite e medicamentos para Cuba de forma regular e crescente.

O comércio não se limita a alimentos. Nos primeiros meses de 2025, Cuba comprou veículos usados ​​em território americano no valor de US$ 15,3 milhões, além de painéis solares, máquinas agrícolas, equipamentos médicos, produtos químicos industriais e sistemas de refrigeração. O catálogo inclui desde tratores John Deere até leite em pó fortificado e hóstias. A base legal para essas transações existe há décadas, o que já mina a imagem de um isolamento hermético. A Lei da Democracia Cubana de 1992 e a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Incentivo às Exportações de 2000 autorizam explicitamente a venda de alimentos, medicamentos e suprimentos humanitários para Cuba, sob uma condição: pagamento à vista. Sem crédito e sem financiamento a prazo, mas sem proibição de comércio de mercadorias.

O Departamento de Estado dos EUA tem sido categórico há anos: o embargo não proíbe a venda de alimentos, medicamentos ou bens humanitários. Em 2023, Washington autorizou exportações médicas para Cuba no valor de mais de US$ 800 milhões, o dobro do valor de 2021. As restrições afetam principalmente o setor financeiro. Cuba não pode tomar empréstimos de bancos americanos nem acessar os mercados de capitais de Nova York, mas pode comprar quase tudo à vista. A limitação decisiva, portanto, não é uma barreira comercial absoluta, mas sim o acesso ao crédito, que depende de confiança e capacidade de pagamento.

Aqui, o histórico é devastador. Por décadas, o Estado cubano construiu uma reputação de inadimplência sistemática. Devendo US$ 4,6 bilhões, Cuba é o segundo maior devedor latino-americano do Clube de Paris, depois da Venezuela. Em 2015, o “grupo informal de credores oficiais” perdoou US$ 8,5 bilhões, mais de três quartos da dívida total de Cuba, e reestruturou o restante em condições extraordinariamente favoráveis, com pagamentos anuais mínimos até 2033 e um período de carência de cinco anos sem juros. A resposta foi o não pagamento sistemático. Desde 2019, Havana deixou de pagar mais de US$ 200 milhões em parcelas programadas, solicitando repetidamente adiamentos que os credores concederam sob o pretexto já conhecido de “compreensão das dificuldades do país”.

O padrão se estende além do Clube de Paris. A China perdoou US$ 6 bilhões em 2011; o México, US$ 487 milhões em 2013; e a Rússia, US$ 35 bilhões em 2014, eliminando 90% da dívida cubana da era soviética. Mesmo assim, Cuba continua inadimplente, devendo agora mais de US$ 40 bilhões globalmente e enfrentando processos judiciais, como o caso CRF1 em Londres, referente a empréstimos não pagos da década de 1980. Até mesmo autoridades cubanas admitiram o colapso. Em julho de 2024, o Ministro da Economia, Joaquín Alonso, reconheceu perante a Assembleia Nacional que as receitas em moeda estrangeira eram “insuficientes” e que o acesso ao crédito era “quase nulo”. A admissão confirmou o que os mercados financeiros já sabiam: emprestar dinheiro a Cuba é o mesmo que doar dinheiro.

A narrativa da pobreza, supostamente causada pelo bloqueio, desmorona completamente quando se examinam as revelações sobre o Grupo de Administração de Negócios das Forças Armadas (GAESA), que controla os setores mais lucrativos da economia. Documentos financeiros internos vazados, analisados ​​pela jornalista Nora Gámez Torres para o Miami Herald, revelam que a GAESA possui US$ 18,5 bilhões em ativos líquidos, dos quais US$ 14,5 bilhões estão depositados em seus próprios bancos e, portanto, imediatamente disponíveis. A magnitude é impressionante, superando as reservas cambiais da Costa Rica, Uruguai e Panamá juntas.

Somente no primeiro trimestre de 2024, a GAESA gerou US$ 2,1 bilhões em lucro líquido. Suas subsidiárias, CIMEX e Gaviota, registraram bilhões a mais. O economista Pavel Vidal estimou que os lucros brutos da GAESA representam 37% do PIB de Cuba, respondendo por um terço de todas as exportações e 41% das exportações de serviços, com uma receita total três vezes maior que a de todo o orçamento estatal. A GAESA funciona como um banco central paralelo, acumulando dólares enquanto o restante da economia entra em colapso sob a inflação. Ela opera como uma estrutura aninhada de empresas opacas que abrangem turismo, varejo, telecomunicações, portos, alfândega e finanças, sem prestar contas a nenhuma autoridade civil. Até mesmo a ex-controladora de Cuba admitiu que não conseguia auditá-la e, posteriormente, foi demitida sem explicações.

Apesar dos lucros exorbitantes, a GAESA gastou US$ 5 bilhões entre março e agosto de 2024, principalmente na construção de hotéis de luxo. De 2021 a 2023, 36% do investimento governamental foi destinado a hotéis, apenas 2,9% à agricultura e 1,9% à saúde. Enquanto os hospitais carecem de 70% dos medicamentos essenciais e sete em cada dez quartos de hotel permanecem vazios, o regime continua a despejar dinheiro em um setor turístico inativo. A GAESA recebe inclusive subsídios diretos do Estado, centenas de milhões de pesos anualmente, enquanto contribui com quase nada em impostos. Quando os vazamentos se tornaram públicos, a mídia oficial atacou o repórter pessoalmente em vez de contestar um único número, confirmando a veracidade dos documentos com seu silêncio.

O que Cuba poderia fazer com US$ 18,5 bilhões em dinheiro vivo? Poderia abastecer todas as farmácias por 54 anos, manter uma rede elétrica estável por 74 anos, quitar integralmente sua dívida com o Clube de Paris, financiar a importação de alimentos por quase uma década, reconstruir sua infraestrutura ou garantir a importação de petróleo por seis anos. A pobreza de 89% das famílias cubanas, portanto, não é inevitável, mas sim arquitetada. O sistema é projetado para produzir esse resultado: concentração no topo, escassez na base e um inimigo estrangeiro conveniente para desviar a culpa.

A falsa vitimização de Havana

A narrativa do “bloqueio genocida” serve não apenas como propaganda interna, mas também como ferramenta de engenharia diplomática. Nas Nações Unidas, Cuba obtém anualmente uma condenação esmagadora ao embargo dos EUA, com 187 votos contra 2 em 2024. Essas vitórias cumprem três funções: validam a autoimagem do regime como vítima, reforçam seu mito de Davi contra Golias no Sul Global e geram concessões diplomáticas. Os números astronômicos de danos apresentados por Havana — US$ 7,5 bilhões em um único ano e um total acumulado de US$ 170 bilhões — não possuem metodologia transparente e se baseiam em perdas especulativas que ninguém verifica. Poucos governos exigem provas, e menos ainda examinam a contradição entre a retórica e os fatos, como um país supostamente bloqueado pode importar centenas de milhões anualmente de seu suposto opressor, ou por que um Estado que alega fome mantém bilhões em reservas militares em vez de usá-las para aliviar a fome.

Cada voto acrítico a favor da resolução cubana reforça esse engano. Permite que Havana se apresente como vítima, apontando para o placar da ONU como prova de que o mundo culpa Washington, e não a própria Cuba, pelo sofrimento do país. A inversão moral atinge seu extremo na cumplicidade do regime no recrutamento de milhares de cubanos como mercenários para a invasão russa da Ucrânia. A inteligência ucraniana e ocidental estima que entre 20.000 e 25.000 cubanos foram alistados, tornando Cuba o maior fornecedor estrangeiro de mão de obra para Moscou. Muitos recrutas pensavam que estavam assinando contratos de construção, apenas para se encontrarem nas trincheiras, com seus passaportes confiscados e seus pagamentos condicionados à sobrevivência na próxima batalha. Para eles, a decisão nasceu do desespero: US$ 2.000 por mês na Rússia contra US$ 20 em casa — fome em casa ou morte no exterior.

Pelo menos quarenta cubanos tiveram suas mortes confirmadas, embora o número real seja provavelmente muito maior. Quando um alto funcionário russo elogiou publicamente a participação cubana, Havana não proferiu uma palavra de protesto, revelando sua cumplicidade através do silêncio. O regime que alega indignação moral com o embargo agora exporta seus cidadãos para morrerem em uma guerra estrangeira, enquanto constrói hotéis vazios e acumula bilhões.

Oitenta e nove por cento dos lares cubanos vivem em extrema pobreza, sete em cada dez cidadãos deixam de fazer refeições, os hospitais carecem de antibióticos e o país sofre com apagões diários que podem durar até vinte horas. Mesmo assim, a GAESA detém mais reservas do que várias nações latino-americanas juntas. Cuba comercializa livremente com o mundo, inclusive com os Estados Unidos. Seu problema não é o acesso a bens, mas como utiliza sua riqueza. Décadas de corrupção, má gestão e inadimplência deliberada isolaram o país dos mercados de crédito que a própria Cuba destruiu. O embargo não é a causa da miséria do país; o verdadeiro bloqueio é interno, um complexo militar-econômico que concentra bilhões de dólares enquanto seu povo passa fome.

Cada vez que a comunidade internacional vota mecanicamente para condenar o embargo sem examinar esses fatos, torna-se cúmplice na perpetuação do sistema que empobrece os cubanos. Cada gesto de “solidariedade” protege a própria elite que os mantém famintos. Isso não é um exercício acadêmico. Importa porque a mentira mata; porque cerca de 20.000 jovens cubanos estão arriscando suas vidas lutando em uma guerra estrangeira para não morrerem de fome em casa; porque US$ 18,5 bilhões poderiam alimentar, iluminar e curar a ilha por décadas.

O embargo que realmente existe é interno, não externo, e enquanto o mundo não reconhecer esse fato, o sofrimento de Cuba continuará, sustentado por uma mentira conveniente a todos, exceto àqueles que a suportam.


Carolina Barrero  é uma historiadora, escritora e defensora dos direitos humanos cubana que se destacou como uma das principais vozes durante o levante civil de 2021 em Cuba. Ela é a fundadora da Ciudadanía y Libertad, uma organização independente dedicada à promoção dos direitos civis e políticos.

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