Como acabamos de assistir, o G7 virou na prática G6. Trump acha que está acima dos demais parceiros (Reino Unido, França, Alemanha, Japão, Itália e Canadá). O que ele quer mesmo é um G3: EUA, Rússia e China. Os grandes é que têm que mandar. Porque, como ensina o realista (autocrático) John Mearsheimer, só a força faz o que é certo.
No mundo de Trump, sob o domínio do MAGA, devem ser destruídos, portanto, não apenas o G7, mas também o G20, a ONU, a UE, a OTAN, a OCDE, o BIRD, o FMI, a OMC e congêneres. Todos os países serão súditos do G3; ou seja, para evocar o mundo distópico do 1984 de Orwell, da Oceânia, da Eurásia e da Lestásia.
O que o irresponsável MAGA está dizendo é o seguinte. O mundo que se dane, vamos cuidar só dos EUA. América First. Isso significa o seguinte. Que se multipliquem as guerras, que os mais fortes dominem os mais fracos da sua área de influência e tomem seus territórios, que recomece a corrida nuclear sem freios. E, novamente, que se lasquem os que não forem americanos de sangue.
Para a democracia, entretanto, o que faria sentido é um G33: Alemanha, Australia, Austria, Barbados, Bélgica, Canadá, Chequia, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Jamaica, Japão, Letônia, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Seicheles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai. Essa lista de países surge da conjunção das democracias liberais (classificadas pelo V-Dem) com as democracias plenas (da The Economist Intelligence Unit). Nada tão inédito. É quase uma OCDE sem as ditaduras da Hungria e da Turquia e sem os países com regimes parasitados por governos populistas, como a Colômbia, a Eslováquia e o México.
Ocorre que formou-se um eixo autocrático (juntando Eurásia, Lestásia e suas áreas de influência) que não se conterá nos seus limites (respeitando o quintal da Oceânia). Seu objetivo político é exterminar as democracias liberais, seja por meio de guerras quentes regionais (Rússia x Ucrânia, Irã x Israel etc.), seja por meio da netwar global, que já é a segunda grande guerra fria que pervade fronteiras instalando polarizações e divisões nas sociedades de todos os países.
Sem a regulação dos EUA, a Rússia não recuará da sua intenção de conquistar, além da Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Finlândia e até a Suécia e a Polônia. Sem a regulação dos EUA, a China invadirá e anexará Taiwan e, depois, estenderá seus domínios sobre os países banhados pelo mar da China. Sem a regulação dos EUA o Irã continuará sua guerra, iniciada há várias décadas, contra Israel e as democracias que ousarem surgir nas vizinhanças ampliadas do Oriente Medio, incluindo Europa, Ásia, África.
O MAGA, porém, está fazendo o contrário. Fechando os olhos para as pretensões imperiais da Rússia e ajudando Putin a recuperar sua credibilidade no cenário internacional. Atacando a União Europeia e a OTAN. Deixando claro que não se incomodará muito quando Xi Jinping tomar Taiwan. E, embora apoiando Israel, está a um passo de deixar intacto o regime dos aiatolás e a “SS” chamada Corpo de Guadiães da Revolução Islâmica (a IRGC) que coordena todos os grupos terroristas do Oriente Médio (o Hamas, o Hezbollah, a Jihad Islâmica, os Houthis etc.) em suas guerras por procuração do Irã.
De qualquer modo, o predomínio MAGA destruirá não apenas a ordem mundial baseada em regras liberais, mas o próprio Estados Unidos, tal como foram concebidos e conhecidos nos últimos duzentos anos. No mínimo parte dos EUA deixará de ser uma democracia. Democracia plena os EUA já não são há muito tempo (e sim uma democracia defeituosa) e hoje são uma democracia liberal cadente (para a condição de democracia apenas eleitoral).
Dificilmente os EUA vão conseguir escapar do grande conflito mundial já instalado com base no isolacionismo. Mesmo porque a sociedade americana está total e irremediavelmente dividida. O MAGA poderá até conquistar maioria internamente, mas não terá como converter a minoria, a não ser pela imposição violenta de seus dogmas, como naquele Gileade da ficção de Margareth Atwood, O conto da aia. Isso, se for tentado, levará, provavelmente, a uma guerra civil. E será a antessala para a transformação da atual guerra fria numa terceira guerra mundial aberta que pode ameaçar a humanidade como um todo.