O nascimento da democracia ateniense
CHESTER G. STARR
1990
PREFÁCIO
Este trabalho refere-se a um aspecto da estrutura constitucional ateniense que tem sido muito pouco abordado. Ao lidar com seu desenvolvimento e com algumas de suas complexidades, fui muito auxiliado pelas ponderadas sugestões de dois críticos anônimos; receio que os autores nem sempre valorizem o tempo e a atenção que seus colegas dedicam a tal análise.
Em deferência por este personagem mítico, o leitor em geral, servi-me dos termos assembleia e conselho em vez de ekklesía e boulé, mas se houver algum deles que leia estas páginas, espero que perdoe a presença ocasional de termos técnicos em grego. Às vezes é necessário ser preciso. Por outro lado, em alguns pontos desviei o fluxo da argumentação para incluir breves exposições dos momentos mais decisivos da história geral do século V, como sobretudo as guerras persa e do Peloponeso e a ascensão do império ateniense. Nem todos se sentem muito à vontade com esses acontecimentos, que tiveram, porém, amplos efeitos; as instituições não amadurecem no vácuo. Mas o meu foco sempre se concentra no desenvolvimento da assembleia ateniense, como o elemento vital na determinação e na supervisão da política estatal.
Resta observar que Ira Campbell e eu nos conhecemos desde a escola primária, há mais de 60 anos; não é frequente que duas pessoas conservem uma amizade tão duradoura.
Ann Arbor, Mich.
Fevereiro de 1990
Chester G. Starr
SUMARIO
Introdução
1. Aparecimento da assembleia
2. Consolidação da assembleia
3. Eleitores na assembleia
4. Funções da assembleia
5. Sessões da assembleia
Bibliografia
Índice remissivo
INTRODUÇÃO
A democracia ateniense é um assunto popular sobre o qual novos livros continuam a ser publicados com regularidade. É estranho, porém, que nenhum desses panegíricos dedique muita atenção a questões tais como a do modo de funcionamento da assembleia ou de como esta desenvolveu a sua estrutura, embora ela tenha sido com razão chamada o “dínamo” do sistema político ateniense (1). São numerosos os estudos sobre outras partes do governo ateniense, como o conselho dos Quinhentos, a junta de 10 generais, os secretários, os tesoureiros e outros funcionários, mas a mais recente monografia sobre a ekklesía, como ressaltou Mogens Hansen, foi publicada em 1819 (2). O próprio Hansen escreveu um estudo minucioso e judicioso sobre a assembleia, mas, como acadêmico prudente, limita-se ao período de 355-322, a era de Demóstenes e de outros oradores que produziram uma razoável quantidade de informações (3). Esta limitação infelizmente limita o valor de sua análise quando se volta ao século V, o período em que os procedimentos legislativos atenienses estavam em processo de criação.
Outra obra de valor, de autoria de Martin Ostwald, trata exclusivamente da época em que estamos interessados, mas preocupa-se mais, como a maioria dos estudos, com a democracia ateniense de maneira abstrata, e só esporadicamente aparece em suas
páginas a assembleia em suas operações praticas. Além disso, o objetivo principal de Ostwald é provar que fundamentalmente a soberania passou dos caprichos do povo para o governo por meio de leis formais. Esta teoria tem méritos constitucionais, mas sua conclusão geral de que “o Conselho e a Assembleia passaram para o segundo plano em matéria de política interna e os tribunais de justiça passaram a ocupar o centro do palco” encaixa-se mal com as evidências (4). No século IV, a assembleia ainda determinava as políticas externa e doméstica, como seus membros haviam por bem.
Em suma, a questão sobre quando a assembleia surgiu e também a das razões e do tempo em que ela evoluiu até o ponto em que pudesse desempenhar efetivamente o seu papel permanecem quase intactas. Como sem uma tal investigação nossa visão da democracia ateniense deve permanecer muito incompleta, qualquer tentativa de se penetrar atentamente no século V a.C. parece altamente desejável. As evidências sobre este período são mais limitadas do que seria de se desejar, mas pelo menos as principais linhas de mudança se revelam quando se considera o testemunho dos decretos que chegaram até nós e a gama de materiais literários, como estudos históricos e filosóficos, assim como a valiosa poesia de Sólon, ainda que nem sempre seja possível alcançar uma precisão minuciosa sobre os principais problemas. A primeira questão é determinar quando a assembleia surgiu, e isto deve nos levar de volta aos séculos VII e VI.
Notas
1 W. S. Ferguson, Greek Imperialism (Boston, 1913). p. 31.
2 G.W. Schömann, De Comitis Atheniensium (Greifswald, 1819).
3 M. H. Hansen, The Athenian Assembly in the Age of Demosthenes (Oxford, 1987); seu trabalho anterior, The Athenian Ecclesia (Copenhaguem, 1983), reúne grande número de ensaios minuciosos, também acerca do século IV.
4 M. Ostwald, From Popular Sovereignty to the Sovereignty of Law: Law, Society, and Politics in Fifth-Century Athens (Los Angeles, 1987), p. 524. Dentre as pesquisas gerais recentes sobre a democracia ateniense, podemos citar o idiossincrático estudo de R. Sealey, The Atenian Republic: Democracy or the Rule of Law? (University Park, 1987), e a minuciosa descrição de J. Bleicken, Die athenische Demokratie (Paderborn, 1985); haverá mais.
Leia o Capítulo 1


