Para entender de uma vez por todas por que o novo governo não pode se comportar como um colegiado de freiras Carmelitas Descalças
Michel Temer é o presidente em exercício porque era o vice, assim manda a Constituição e só por isso ele assumiu: porque o processo de afastamento de Dilma está sendo constitucional.
Temer é a melhor prova de que não há golpe algum. Nenhum golpista escolheria um ator tão frágil politicamente para assumir o governo após o desastre provocado por Dilma e pelo PT.
Temer, aliás, foi uma escolha do PT, não da oposição popular. Temer foi escolhido pelas urnas, na mesma chapa de Dilma, não pelas ruas. O que as ruas pediram? As ruas pediram (basta ver as fotos das manifestações de milhões): o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e o fim do PT. Se Temer assumiu (e o PMDB veio junto, porquanto ele era o presidente da sigla), isso ocorreu unicamente porque o Estado democrático de direito está sendo respeitado.
As ruas nunca escolheram Temer para nada, nem o apoiaram para cargo algum. As ruas também não nutrem qualquer simpatia pelo PMDB, que era, até ontem, o principal aliado e base de sustentação do PT.
Se a democracia permitisse solução diversa (e ela não permite), certamente outra pessoa – menos vulnerável e menos comprometida com o período anterior – seria escolhida para assumir a presidência no lugar de Dilma e tentar consertar todos os estragos que os governos do PT fizeram. Nada contra a pessoa de Michel Temer, pelo menos até agora. A questão é política.
O governo de transição atual não é um governo da oposição (que nem existiu para valer na última década), embora tenha dois ou três gatos pingados dos partidos ditos de oposição. É o governo da própria base do PT que dissentiu quando descobriu que o lulopetismo faz aliados para se aproveitar deles e matá-los no final. E essa antiga base do PT aderiu ao impeachment diante da maior crise da nossa história recente, em grande parte por instinto de sobrevivência. Não porque tivesse se convertido milagrosamente à democracia e aos bons costumes republicanos. Os atores são os mesmos. Não se pode exigir deles que virem, da noite para dia, varões de Plutarco, só porque o PT meteu os pés pelas mãos e Dilma foi temporariamente afastada.
Mas qualquer governo seria melhor para a democracia do que o governo do PT. Não porque seus integrantes seriam individualmente mais virtuosos. Não porque eles seriam pessoalmente menos corruptos. E sim porque eles – mesmo praticando a corrupção e o fisiologismo – não usam a corrupção para financiar um projeto de poder que tem como objetivo conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado por um partido.
Uma máfia no governo é infinitamente pior do que um governo integrado por meia dúzia de Fernandinhos Beira Mar. Se o PT não fosse também corrupto – e continuasse com seu projeto autocrático de poder – seria mil vezes pior: um Leônidas (espartano) honesto é uma ameaça incomparavelmente mais grave para a democracia do que um Péricles (ateniense) corrupto. Os principais ditadores do século passado – inclusive os maiores genocidas da história – não eram corruptos individualmente. Mas vá-se lá dizer-lhes! Vá-se dizer isso aos que cobram que o governo Temer se comporte como um colegiado de freiras Carmelitas Descalças: eles não entendem. E não entendem, basicamente, porque não fazem a menor ideia do que está em jogo em termos de democracia.
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