Este artigo está dividido em duas partes. Na primeira parte ele pretende identificar os diferentes atores que disputam internamente o governo Bolsonaro, descrevendo sua natureza e seu comportamento; na segunda, pretende analisar a configuração dessa correlação de forças e seus possíveis desdobramentos no médio e longo prazos.
PRIMEIRA PARTE – OS ATORES E SUAS CONTRADIÇÕES
Afinal, depois de quatro meses, foram ficando mais claros a natureza e o comportamento das forças presentes no governo Bolsonaro em disputa.
Tirando os políticos profissionais e os oportunistas de sempre (que os há em qualquer administração), confrontam-se hoje no governo Bolsonaro:
1) Os bolsonaristas, que são, fundamentalmente, os olavistas, quer dizer os conspiracionistas-antiglobalistas da linha Steve Bannon e as hostes de milicianos virtuais (incluindo as tiazinhas do WhatsApp) – mas não só; todos os demais grupos reacionários ou retrogradadores que estavam submersos no pântano no último meio século, alinharam-se aos bolsonaristas: os monarquistas-tradicionalistas, os católicos ultraconservadores tipo TFP, os hierarcas ocultistas et coetera;
2) os militares que aparelham às centenas o Planalto e adjacências esperando fazer um governo de ocupação (uma parte dos quais herdeiros da linha-dura da ditadura militar, meio na vibe anticomunista de Sylvio Frota e outra parte, maior, composta apenas por corporativistas, que montaram no cavalo que passou encilhado para se dar bem na vida ou esperando fazer dele um cavalo de Troia para contrabandear suas ideias regressivas para a cena pública);
3) os liberais-econômicos que não são necessariamente liberais-políticos (e não perdem o sono por prestar serviços a qualquer governo que lhes dê carta branca para por em prática suas ideias, seja Pinochet, Médici, Xi Jinping ou… Bolsonaro);
4) os lavajatistas militantes do “partido da polícia” (jacobinos-restauracionistas, cruzados da limpeza ética, que depositaram seus ovos dentro da carcaça podre do bolsonarismo, se alimentam dessa matéria putrefata e têm que esperar um tempo até que as larvas se desenvolvam para poder devorar e dispensar o hospedeiro);
5) os evangélicos (que, em boa parte, são apenas oportunistas e adeririam a qualquer governo que lhes fizesse as vontades), sendo que uma parte deles é fundamentalista enquanto que outra apenas vigarista.
Outros setores corporativos, como os ruralistas mais atrasados, o empresariado que vive do Estado, os fabricantes e vendedores de armas, os milicianos e os caminhoneiros, alinham-se também a Bolsonaro, movidos por interesses mais econômicos do que políticos e, portanto, não chegam a compor propriamente uma força política autônoma e coesa.
Vamos começar a analisar essa estranha – e tenebrosa – correlação de forças. É como mergulhar num pântano.
1 – OS BOLSONARISTAS
Os bolsonaristas são, em sua maioria, agentes do populismo-autoritário, ora em ascensão no mundo e, em menor parte, outros representantes exóticos da extrema-direita fascistoide.
A colagem abaixo mostra seus principais líderes populistas-autoritários, na Europa (incluindo a Turquia) e nas Américas (em ordem alfabética): Anders Vistisen, Andrej Babis, Donald Trump, Geert Wilders, Gyöngyösi Márton, Heinz-Christian Strache, Jaroslaw Kaczynski, Jair Bolsonaro, Jörg Meuthen, Marine Le Pen, Matteo Salvini, Nigel Farage, Olli Kotro, Recep Erdogan, Santiago Abascal, Steve Bannon, Tomio Okamura, Viktor Orbán, Vlaams Belang. (Não estão incluídos aqui os euro-asiáticos como Vladimir Putin e os asiáticos, como Rodrigo Duterte).
No Brasil, alguns dos agentes mais conhecidos do populismo-autoritário também podem ser apresentados pelas três imagens abaixo (por ordem de exposição, da esquerda para a direita). Na primeira imagem: Olavo de Carvalho (o guru), Jair Bolsonaro e seus filhos (Flávio, Eduardo e Carlos), Allan dos Santos, Bernardo Küster, Leandro Ruschel, Bia Kicis, Carla Zambelli (criticada por Olavo de Carvalho por não ser suficientemente subserviente ao olavismo), Bruno Garschagen, Fabio Wajngarten, Flavio Morgenstern (Flávio Azambuja Martins), Filipe Martins, Filipe Valerim. Na segunda imagem: José Carlos Sepúlveda, Joice Hasselmann, Ana Caroline Campagnolo, Bene Barbosa, Ítalo Lorenzon, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Marcelo Reis, Nando Moura, Roger Moreira, Danilo Gentili, Flávio Gordon, Ricardo de Aquino Salles, Felipe Moura Brasil. E na terceira imagem alguns empresários mais salientes: Luciano Hang, Emilio Dalçoquio, Flavio Rocha, Meyer Nigri e Sebastião Bomfim. (Não aparecem nas três imagens (meramente exemplificativas) pessoas importantes como Abraham Weintraub, Alexandre Borges (embora diga que não é bolsonarista), Ana Paula (do Vôlei), Letícia Catelani, Sandro Rocha (o capitão miliciano do Tropa de Elite). E, igualmente, não está incluída uma parte dos jornalistas que aderiram ao bolsonarismo – talvez por terem ficados reféns do antipetismo -, como Alexandre Garcia, Augusto Nunes, José Roberto Guzzo e, infelizmente, Guilherme Fiuza).
A primeira coisa a dizer é que Jair Bolsonaro é bolsonarista, assim como seu guru Olavo de Carvalho, seus filhos e seus sequazes (parte dos quais aparece nas imagens acima). No que tem de conteúdo (retrogradador) o bolsonarismo é puro olavismo.
O olavismo-bolsonarismo quer aproveitar a eleição de Bolsonaro para dar um curto-circuito no sistema, estabelecer uma ligação direta entre o líder (o führer) e as massas, bypassando as mediações institucionais, deprimindo o sistema imunológico da democracia e desativando seus mecanismos de freios e contrapesos. Por isso atacam ferozmente as instituições do establishment, como o STF e a imprensa. O objetivo dos bolsonaristas não é fazer um bom governo dentro dos marcos da democracia e sim operar uma mudança de regime que torne nossa democracia menos liberal, se possível convertendo-a numa autocracia eleitoral.
Os bolsonaristas sabem que, em condições normais de temperatura e pressão, tal projeto é inexequível. Por isso precisam cavar um fato extraordinário (por exemplo, uma crise institucional, uma guerra contra outro país ou uma guerra civil) para poder dar seu choque anti-establishment. E por isso também lutam contra as outras forças, descritas abaixo, que têm projetos incompatíveis ou diferentes, em especial contra os militares que não topam entrar em suas aventuras insanas.
Ainda que não se possa caracterizar teoricamente o populismo-autoritário olavista-bolsonarista como fascismo, o comportamento de seus militantes é claramente fascistoide. Para a democracia, os bolsonaristas representam a força mais tenebrosa que já chegou ao governo do Brasil.
2 – OS MILITARES
Contando os eleitos (general Hamilton Mourão e capitão Jair Bolsonaro), em funções civis temos mais de 30 generais, 13 almirantes, vice-almirantes e contra-almirantes, 4 brigadeiros, 30 coronéis, 10 capitães… e por aí vai alcançando a cifra de mais de 130 oficiais (sendo que a lista está incompleta). Convém registrar que isso – tal ocupação dos mais altos escalões da administração pública – nunca se viu em uma democracia em qualquer lugar do mundo ou época da história. A imagem abaixo é apenas ilustrativa (a relação, ainda incompleta, vem a seguir):
Os militares no governo (em ordem alfabética por patente, às vezes misturando as forças) são, entre outros: Almirante Alexandre Araújo Mota, Almirante Bento Costa, Almirante Carlos Henrique Silva Seixas, Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, Almirante Elis Treidler Oberg, Almirante Francisco Antônio de Magalhães Laranjeira, Almirante Garcia, Almirante-de-esquadra Eduardo Bacellar Ferreira. General Antonino Santos Guerra, General Antônio Leite dos Santos Filho, General Augusto Heleno, General Carlos Alberto dos Santos Cruz, General de Brigada Luiz Fernando Estorilho Baganha, General de Divisão Decílio de Medeiros Sales, General de Divisão Lauro Luis Pires da Silva, General de Divisão Valério Stumpf Trindade, General Edson Diehl Ripoli, General Eduardo Villas-Bôas, General Fernando Azevedo e Silva, General Floriano Peixoto, General Francisco Mamede Brito Filho, General Franklimberg de Freitas, General Guilherme Theophilo, General Hamilton Mourão, General Jamil Megid Júnior, General Jesus Corrêa, General Joaquim Silva e Luna, General José Orlando Ribeiro Cardoso, General Juarez Aparecido de Paula Cunha, General Marco Antonio de Freitas Coutinho, General Décio Brasil, General Maynard Marques de Santa Rosa, General Nader Motta, General Oswaldo de Jesus Ferreira, General Otávio Santana do Rêgo Barros, General Paulo Sérgio Sadauskas, General Roberto Severo Ramos, General Waldemar Barroso Magno Neto. Brigadeiro Antônio Franciscangelis Neto, Brigadeiro do Ar Celestino Todesco, Brigadeiro do Ar Osmar Lootens Machado, Brigadeiro Mozart de Oliveira Farias. Contra-Almirante Antonio Capistrano de Freitas Filho, Contra-almirante José Roberto Bueno Junior, Vice-almirante Anatalício Risden Júnior, Vice-Almirante Carlos Freire Moreira, Vice-Almirante Helio Mourinho Garcia Júnior. Coronel Alan, Coronel Alfredo Menezes, Coronel André Kuhn, Coronel André Luis Vieira Coronel Augusto César Barbosa Vareda, Coronel Aviador Ricardo Roquetti, Coronel Aviador Rogério Troidl Bonato, Coronel Ayrton Pereira Rippel, Coronel Eduardo Santos Barroso, Coronel Eduardo Wallier Vianna, Coronel Elifas Chaves Gurgel do Amaral, Coronel Evandro da Silva Soares, Coronel Flávio Peregrino Coronel Freibergue do Nascimento, Coronel Gilberto Barbosa Moreira, Coronel Gladstone Themóteo Menezes Brito da Silva, Coronel João Miguel Souza Aguiar, Coronel Jorge Luis de Mello Araújo, Coronel José Arnon dos Santos Guerra, Coronel José Ribamar Monteiro Segundo, Coronel Luiz Tadeu Vilela, Coronel Marcos Heleno Guerson de Oliveira Júnior, Coronel Mauro Benedito de Santana Filho, Coronel Nilson Kazumi Nodiri, Coronel Paulo da Silva Medeiros, Coronel Paulo Roberto Costa e Silva, Coronel Ricardo Roquetti, Coronel Robson Santos da Silva, Coronel Salomão José de Santana, Coronel Sérgio Lopes, Coronel Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior, Coronel Walter Félix Cardoso Junior, Coronel Washington Gultenberg de Moura Luke, Coronel-Intendente Carlos Alberto Flora Baptistucci. Tenente Brigadeiro do Ar Gerson Nogueira Machado de Oliveira, Tenente Brigadeiro do Ar Ricardo Machado Vieira, Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Franciscangelis Neto, Tenente-Coronel Alexandre de Lara, Tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marcos Pontes, Major Brigadeiro do Ar Dilton José Schuck. Capitão de Corveta Eduardo Miranda Freire de Melo, Capitão de Mar e Guerra Almir Alves Junior, Capitão de Mar e Guerra Klein, Capitão de Mar e Guerra Litaiff, Capitão de Mar e Guerra Marcos Perdigão Bernardes, Capitão Denis Raimundo de Quadros Soares, Capitão Jair Bolsonaro, Capitão José de Castro Barreto Junior, Capitão Tarcísio Gomes, Capitão Wagner Rosário, Capitão-Tenente da Marinha Carlos Victor Guerra Naguem. Oficial (do Exército, patente não identificada) Hugo Oliveira, Oficial (não identificada a patente e a arma) Claudio Xavier Pereira, Oficial da Aeronáutica (patente não identificada) Maurício Pazini Brandão, Sub-Oficial da Aeronáutica Alexandre Oliveira Fernandes.
Há várias razões razões que levaram os militares a apoiar a candidatura Bolsonaro e, depois, a entrar em massa no governo. O medo dos comandantes (como Villas-Boas) de que alguns generais e coronéis linha-dura, anticomunistas (herdeiros ideológicos da pior parte da ditadura, alinhada às orientações de Médici e Sylvio Fronta), juntamente com a baixa oficialidade, sargentos, cabos e soldados que se converteram por sua própria conta a Bolsonaro, começassem a se rebelar contra seus superiores que não aderissem ao movimento, quebrando a hierarquia. A oportunidade histórica de contar a sua própria narrativa sobre o papel político que desempenharam no período 1964-1984 (sobretudo para combater versões, que julgam incorretas, como a da Comissão da Verdade), refazendo sua imagem perante à população. A revolta com a corrupção desenfreada da chamada “classe política” e a intenção de contribuir para colocar um freio nos seus desmandos, restabelecendo a ordem a partir do exemplo e de medidas duras para garantir a probidade nas instituições republicanas. O receio da volta do PT ao governo e a possibilidade concreta de usar Bolsonaro como cavalo de Troia para contrabandear suas ideias para a cena pública (ensaiando uma volta ao poder, agora por meios legais, estabelecendo uma ocupação massiva de cargos da alta administração que lhes permitissem controlar até mesmo o mau militar Jair Bolsonaro). Junte-se a isso, o medo de que Lula seja solto pelo STF e volte a mesmerizar as massas para recompor o domínio político da esquerda no país. A possibilidade de ocupar posições de destaque, de aumentar seus ganhos e de usufruir de privilégios próprios do cargos de primeiro, segundo e terceiro escalões. Houve um pouco de tudo.
Em qualquer caso os militares entraram no governo para fazer a melhor administração possível, pois sabem que um fracasso de Jair Bolsonaro se voltará contra eles. Salvo algumas exceções, não estão dispostos, assim, a apoiar as aventuras populistas-autoritárias dos bolsonaristas, o que estabelece uma das principais contradições dentro do governo em disputa. Por tal motivo já foram marcados pelos olavistas como os principais adversários do seu projeto.
3 – OS LIBERAIS-ECONÔMICOS (MAS NÃO NECESSARIAMENTE LIBERAIS-POLÍTICOS)
Paulo Guedes é a figura principal da tendência que vem sendo chamada jocosamente de “partido de Chicago”, mas ele não é bolsonarista. Antes de se pendurar em Jair Bolsonaro, Guedes procurou estimular a candidatura de Luciano Huck à presidência. Apoiaria qualquer candidato com chances reais de vencer que estivesse disposto a lhe promover à condição de czar da economia.
Os principais nomes da tendência liberal-econômica no governo são (em ordem alfabética): Adolfo Sachsida, Caio Megale, Caio Paes de Andrade, Carlos da Costa, Carlos von Doellinger, César Mattos, Diogo Mac Cord, Erivaldo Alfredo Gomes, Esteves Colnago, Fernando de Holanda Barbosa, Gleisson Rubin, Igor Calvet, João Paulo Fachada, Joaquim Levy, Leonardo Rolim, Lucas Ferraz, Mansueto Almeida, Marcelo Guaranys, Marcos Cintra, Marcos Degaut, Marcos Troyjo, Paulo Guedes, Paulo Uebel, Pedro Guimarães, Roberto Campos Neto, Roberto Castello Branco, Rogério Marinho, Rubem Novaes, Salim Mattar, Waldery Júnior, Yana Dumaresq.
Nem todos da lista acima são i-liberais políticos, mas a maioria não se importa muito com o que se passa na cena pública porque, economicista, acredita que é a economia que determina o que acontecerá nos mundos da política e da cultura.
Ora, há uma contradição de fundo implicada na presença dessa força no governo Bolsonaro: o comando do governo, incluindo seu presidente, não é liberal. Ele se aproveita oportunística e instrumentalmente da agenda liberal. Trata-se de um governo reacionário usando o discurso liberal no campo econômico para implementar políticas i-liberais.
Os economistas (que, em parte, fazem política disfarçada) não viram ainda que podemos ter boa economia com regime autocrático. Essa possibilidade não era aventada pelo discurso neoliberal das duas décadas passadas, que achava que uma saudável economia capitalista só ocorreria na democracia ou que levaria inexoravelmente à democracia. Descobriu-se recentemente que isso não é verdade. Podemos ter, hoje, modernização com autoritarismo. Países autocráticos que se aproveitam das instituições econômicas próprias de regimes ditos liberais e de mecanismos do capitalismo sem fazerem a transição para a democracia. E o pior é que, às vezes, com o silêncio ou a cumplicidade de seus economistas que se declaram liberais, tentam fazer a transição inversa, como estamos vendo na Polônia, na Hungria, na Turquia, na Venezuela e, infelizmente, ao que parece, também no Brasil.
Entretanto, há muitas contradições entre os liberais-econômicos (mesmo os que são i-liberais políticos) e os bolsonaristas. Suas políticas liberalizantes na área econômica têm dificuldade de ser aplicadas diante da reação nacionalista (estatista, em termos políticos) dos bolsonaristas e do próprio Jair Bolsonaro. Também mantêm contradições com os militares, boa parte dos quais – nacionalistas e autárquicos – não é liberal, nem mesmo apenas na economia.
4 – OS LAVAJATISTAS
Lavajatistas são os que instrumentalizam a correta operação Lava Jato para fazer política, como se fossem um partido informal: o “partido da polícia”. Eles constituem hoje uma força política importante no Brasil, que não só apoiou Bolsonaro durante a campanha e integrou – via Sérgio Moro – o novo governo, mas foi responsável, em grande parte, pela eleição do capitão vendido como o único candidato viável honesto.
Seus principais expoentes são: o ex-juiz Sergio Moro (agora auxiliar de Bolsonaro), o delegado Maurício Valeixo, a delegada Érika Marena, os juizes Marcelo Bretas e Vallisney de Souza Oliveira, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira e a chamada força-tarefa da Lava Jato propriamente dita: Deltan Martinazzo Dallagnol, Athayde Ribeiro Costa, Carlos Fernando dos Santos Lima, Diogo Castor de Mattos, Isabel Cristina Groba Vieira, Jerusa Burmann Viecili, Júlio Carlos Motta Noronha, Laura Tessler, Orlando Martello Junior, Paulo Roberto Galvão, Roberson Henrique Pozzobon, Antônio Carlos Welter, Januário Paludo; e a esta lista (incompleta), deve-se incluir ainda os principais agentes lavajatistas na mídia, como Diogo Mainardi, Mário Sabino e Claudio Dantas (responsáveis pelo jornalismo cafajeste que é praticado pelos sites O Antagonista e Crusoé).
Os lavajatistas aplicam a antipolítica robespierriana da pureza, promovem cruzadas de limpeza ética e constituem um quisto dentro do Estado: uma espécie de “liga da justiça”, organismo que não tem lugar em nosso arcabouço constitucional e que apresenta as características de uma milícia, ainda que de caráter não-ilegal, corporativo-estatal. Sua atuação é jacobina, alimentando o moralismo popular e estimulando um emocionar de vingança (de gozo com o corte de cabeças) em vez de justiça, baseado em ressentimento social e vontade de revanche. São cavaleiros da terra arrasada, pregando que o velho sistema político não tem salvação e que, portanto, trata-se de derrubar tudo para começar de novo, porém sem os políticos, ou melhor, com os novos políticos fabricados por eles, dentre os quais seu candidato preferencial para substituir Bolsonaro, chamado Sérgio Moro (e, na impossibilidade deste, em outro nome qualquer de suas fileiras ou de sua confiança).
Como a estratégia lavajatista foi depositar seus ovos dentro da carcaça podre do governo Bolsonaro, eles agora são obrigados a esperar que as larvas cresçam e se alimentem da sua matéria putrefata antes de poderem destruir o hospedeiro. Por isso, os lavajatistas são inimigos íntimos dos bolsonaristas e representam, no médio prazo, o maior perigo para a continuidade do governo Bolsonaro. Há uma contradição operacional nessa estratégia: eles sabem que o governo Bolsonaro tem de dar certo, pelo menos durante um período, mas também sabem que que só poderão realizar seu projeto matando o bolsonarismo, do contrário permanecerão eternamente como força auxiliar de Jair Bolsonaro.
5 – OS EVANGÉLICOS
Bispos, pastores, apóstolos ou missionários evangélicos – uma parte dos quais fundamentalistas – turbinaram decisivamente a candidatura Bolsonaro e continuam apoiando o seu governo. Há duas vertentes entre os evangélicos: os claramente oportunistas e vigaristas (que adeririam a qualquer governo como negócio) e os fundamentalistas (que alimentam a ideia de salvação – inclusive das almas – por meio da restauração de uma imaginária civilização ocidental judaico-cristã). São estes últimos propagam o namoro com as alas mais reacionárias do governo israelense e estimulam o uso da bandeirinha de Israel sempre ao lado das bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos (no que são acompanhados pelos olavistas-bolsonaristas).
Os evangélicos mais conhecidos são os que aparecem na imagem abaixo. Dentre outros (não nomeados): Damares Alves, bispos Edir Macedo e Silas Malafaia, Sóstenes Cavalcanti, Marco Feliciano, pastor Everaldo Pereira (que batizou Jair Bolsonaro no Rio Jordão e que não aparece na imagem), bispo Robson Rodovalho (que também não aparece na imagem), pastor Claudio Duarte (idem), pastor Hidekazu Takayama, missionário R. R. Soares e apóstolo Valdemiro Santiago.
Mas existem várias listas de evangélicos que apoiam Bolsonaro e elas são imensas. Dentre os eleitos, temos – entre outros – os deputados federais bispo Ossésio (PRB/PE), Pastor Abílio Santana (PHS/BA), Pastor Eurico (PATRI/PE), Pastor Gildemyr (PMN/MA), Pastor Manuel Marcos (PRB/AC), Pastor Marco Feliciano (PODE/SP); e os deputados estaduais Apóstolo, Luiz Henrique (PATRI/CE), Fábio Freitas (PRB/PA), Felipe Estevão (PSL/SC), Missionário Ricardo Arruda (PSL/PR), Pastor Alex Silva (PRB/RO), Pastor Cavalcante (PROS/MA), Pastor Cleiton Collins (PP/PE), Pastor Gessivaldo (PRB/PI), Pastor Oliveira (PRB/AP), Pastor Tom (PATRI/BA), Pastor Wagner Felipe (PR/AC), Sergio Motta (PRB/SC), Sergio Peres (PRB/RS).
Como se pode ver, há entre os evangélicos um número considerável de vigaristas, o que fragiliza sua posição política. São mais uma força eleitoral (pela sua capacidade de conduzir o voto dos rebanhos de fiéis) do que propriamente uma força política com projeto estratégico. Todos querem o apoio (eleitoral) dos evangélicos, mas a maioria das demais forças políticas (com exceção dos bolsonaristas) não se dispõe a pagar o preço de uma identificação com eles: os lavajatistas não, porquanto sabem que boa parte dos seus líderes é corrupta; os militares, idem; os liberais-econômicos são indiferentes (a rigor são indiferentes a todos que não são eles ou que não detenham poder suficiente para lhes dar carta branca), mas não terão qualquer entusiasmo em compor uma coligação estratégica com os evangélicos (até porque os desprezam por considerá-los ignorantes). Há também contradição entre os evangélicos fundamentalistas – que querem converter a população – e uma parte significativa dos militares, que segue o espiritismo.
CONCLUSÃO DA PRIMEIRA PARTE
Como conclusão desta primeira parte, apresenta-se uma tabela que expõe cruzamentos de expectativas. Por exemplo, os bolsonaristas esperam cooptar os militares e, não podendo fazê-lo, se oporão a eles (movimento, aliás, que já começou com a demonização de Mourão e Santos Cruz e a exigência de que eles saiam do governo). Já os militares esperam controlar os bolsonaristas (inclusive controlar Jair Bolsonaro) e se isso não for possível, acabarão se opondo a eles (como também já ocorre na prática, ainda que não no discurso).
Os bolsonaristas querem usar os liberais-econômicos para satisfazer o mercado, mas há uma contradição parcial com eles, pois os bolsonaristas são nacionalistas, estatistas no sentido político do termo (conquanto esperem poder conduzi-los). Os liberais-econômicos sabem que há uma contradição total mesmo, mas vão ficando no governo pois é a única maneira de aplicarem a sua agenda (já que não têm em suas mãos a comando político).
Os bolsonaristas sabem que fizeram uma aliança tática com os lavajatistas (sem a qual Bolsonaro não teria sido eleito), mas os lavajatistas estão apenas usando instrumentalmente os bolsonaristas para substituir Bolsonaro quando for possível. Como isso, provavelmente, não será possível por acordo amigável, haverá oposição em algum momento.
Os bolsonaristas fizeram uma aliança eleitoral com os evangélicos (com os vigaristas e com os fundamentalistas) e esperam selar uma aliança estratégica com estes últimos. Mas os evangélicos (sobretudo os vigaristas) sabem que essa é apenas uma aliança tática e vão permanecer apoiando o governo enquanto isso for instrumental para seus propósitos (de aumentar sua influência no Estado e na sociedade), nada indicando que se comprometerão com o projeto bolsonarista no longo prazo.
Os militares sabem que têm uma contradição parcial com os liberais-econômicos (porque uma parte dos militares ainda é nacionalista); as expectativas dos liberais-econômicos em relação aos militares é a mesma.
Os militares podem coexistir com lavajatistas e evangélicos. Os lavajatistas são indiferentes em relação aos militares, mas veem os evangélicos com cautela (pois sabem que parte deles é corrupta).
Os liberais-econômicos veem com indiferença os lavajatistas e os evangélicos que, por sua vez, veem os lavajatistas com desconfiança (pois sabem que, se eles chegarem ao poder, perseguirão os líderes evangélicos corruptos).
Ou seja, não há projeto estratégico comum, com reciprocidade, entre quaisquer pares de forças políticas que disputam o governo Bolsonaro. Com tal deficit interno de alianças estratégicas é muito difícil o governo Bolsonaro, cuja direção é bolsonarista, dar certo. É o que vamos examinar na segunda parte deste artigo.
A imagem destacada deste artigo foi roubada da capa da revista Piauí (detalhe de uma ilustração de Nadia Khuzina).