in

O PT está sendo dizimado, mas…

Como fiz no primeiro turno das eleições municipais de 2016, publico um artigo antes da apuração do segundo turno que ocorre hoje. Agora está ainda mais fácil. Hoje o PT acabará de ser expelido de mais de 98% dos grandes centros urbanos do país. Das 26 capitais e dos 67 municípios com mais de 200 mil eleitores, o PT ficará, no máximo, com 2. Sim, você leu certo: dois (2). Veja um quadro preparado por Fernando Rodrigues, no UOL:

fernando-rodrigues-sintese-2-turno-29out2016

Tanta fome pelo poder deu nisso. Com muita sorte Lula vai comandar os exércitos do Reino Unido de Rio Branco e Santa Maria. Lembra L’armata Brancaleone (o filme dirigido por Mario Monicelli em 1965, com Vittorio Gassman, Gian Maria Volonté e Catherine Spaak). Os petistas já podem sair cantando o refrão (inizio della marcia dell’armata di Brancaleone):

«Branca Branca Branca, Leon Leon Leon!»

Por que isso aconteceu? Por que o PT, antes eleitoralista imbatível, virou essa lncredible Armata Brancaleone?

Certamente não foi porque surgiu do nada no Brasil uma poderosa direita, como querem os professores de história, sociologia e política petistas. As explicações de Caxambu não serão suficientes para desvendar o mistério: por que uma força autocrática organizada e socialmente enraizada, que aprendeu como ninguém a usar as eleições contra a democracia, está sendo exterminada, justamente, pelas urnas?

É evidente que também não foi, como querem os conservadores legalistas, porque as instituições do Estado de direito estão funcionando e mostraram seu vigor. O problema das instituições não é elas não funcionarem e sim ficarem livres para funcionar segundo sua velha dinâmica, mantendo as coisas como estão.

As instituições funcionaram, sim. Mas não de moto próprio. Foram empurradas pelas ruas. E só as ruas explicam por que o PT vai sendo varrido do mapa institucional brasileiro, ainda que permaneça com muita força nos bunkers em que se homiziou, sobretudo nos universitários que vão para Caxambu…

Os conservadores legalistas, isto sim, ficaram preocupados com esse vigor da sociedade, que se manifestou como nunca exigindo a punição dos culpados pelo maior esquema criminoso de poder que já foi montado em uma democracia formal. Seus reclamos foram ouvidos: Dilma sofreu impeachment, Lula está sendo processado e o PT, se não está tendo ainda seu registro cassado, foi limado pelos votos de milhões de brasileiros. Os conservadores gostariam que, uma vez conseguido o impeachment, as pessoas saíssem das ruas, passassem o bastão para as velhas instituições e se acomodassem no sofá para assistir tudo passivamente pela TV. Mas, ao que tudo indica, as pessoas não estão dispostas a ouvir os seus conselhos e por isso eles não param de gemer baixinho:

“Onde isso vai parar? Temos que colocar ordem na casa. Um savonarola solto em Curitiba, apoiado por multidões consteladas nas ruas e praças de todo o país, vai acabar colocando tudo a perder”.

Então eles querem que o STF e o Congresso disciplinem o ardor mudancista da sociedade. Estão neste momento propondo, ainda à boca-pequena, que os grandes partidos, como o PSDB e o PMDB, puxem uma concertação nacional para preservar um sistema que faliu e apodreceu. Mas como eles confundem o establishment (que chamam de Estado de direito) com a democracia, temem que tudo se perca se o vento continuar a ventar.

Eles querem subordinar a política às leis (ou melhor, às interpretações conservadoras das leis já existentes), ignorando que império da lei significa, fundamentalmente, que não pode haver império de um soberano e não que as pessoas devam se submeter a qualquer império (dos interpretadores das leis).

Acontece que os poderosos e os seus escribas legalistas não entenderam bem ainda o republicanismo democrático. Não entenderam que o Estado democrático – seria melhor dizer: o processo democrático – não pode ser encaixado a marteladas dentro do Estado de direito. Que o Estado de direito é uma proteção do cidadão contra o seu próprio Estado, não a sua subordinação ao Estado. Que numa república democrática, todos são cidadãos e ninguém é súdito. Que cabe à política inventar continuamente novas leis, o que ela não pode fazer se estiver manietada pelos interpretadores das velhas leis (e é nesse ponto que a judicialização revela-se antidemocrática). Que a democracia, quando existe de fato, sempre transborda, pois se ela não extravasasse o continente institucional pretérito ainda estaríamos no século 17, quando os modernos inventaram a democracia pela segunda vez.

Mas os legalistas conservadores não se conformam com nada disso. E aí, como o colunista católico Reinaldo Azevedo, iniciam cruzadas contra a força-tarefa da Lava Jato e o juiz Sergio Moro para enquadrá-los e contê-los em nome da lei. A lei? Quem fez a lei? Quem interpreta a lei? A letra da lei é inequívoca e está imune às interpretações? Mas se fosse assim tantas decisões importantes do Supremo Tribunal Federal não seriam tomadas por precárias minorias. A interpretação correta, a orto-doxa, sempre é aquela da maioria? Não faz sentido.

Ora, a sociedade brasileira não tirou o PT do governo para cair nas mãos dos conservadores que nos dizem que basta obedecer as leis que tudo irá bem. Não, não basta. O PT violou a legalidade e degenerou a institucionalidade a um ponto que isso não foi mais aceito pela sociedade: e foi por isso que caiu (e não porque a institucionalidade, por sua própria dinâmica, tenha tomado a iniciativa de demiti-lo). A nova oposição popular (ao PT) que emergiu das ruas, não quer violar a legalidade e a institucionalidade e sim criar uma nova legalidade e uma nova institucionalidade, porque sabe que o sistema apodreceu e não pode ser reformado por dentro, pelos interessados na sua manutenção.

Sim, o PT está sendo dizimado, mas… o vento tem que continuar ventando.

Deixe uma resposta

Loading…

Deixe seu comentário

A tentação utópica

Perda Total