Lemos por aí que Le Pen perdeu nas urnas, mas a extrema-direita venceu na França. Está errado! A extrema-direita perdeu ontem na França, na Europa e no mundo. Comparar a situação de agora com a de cinco anos atrás é não entender que a política é sempre o presente. Somar votos de Le Pen com os de Zemmour é uma dessas bobagens aritméticas que Dewey, há 100 anos, já criticava. A política é a via possível de escape em uma configuração determinada, não uma acumulação de forças identificadas com algum ideário.
Quem venceu as eleições de ontem na França foi o centro republicano democrático liberal (e não porque seja maioria e sim porque foi a via de escape do fluxo interativo numa dada configuração particularíssima em que a democracia estava imprensada por dois populismos). Por incrível que pareça, o nome disso é… política!
O crescimento da esquerda (ou extrema-esquerda de Mélenchon) também foi circunstancial. Assim como o crescimento da extrema-direita (quando se somam os votos de Le Pen e Zemmour). Mas, cuidado: aritmética não é política.
Analistas políticos deveriam se dedicar à aprendizagem da democracia (quer dizer, da política). Eles acham que política é somar contingentes que se confrontam. E acham isso porque, mesmo negando, fazem uma equivalência entre a democracia e o modo eleitoral de verificar a vontade política coletiva. Imaginem como eles se comportariam analisando a política no Areópago, depois que se adotou o sorteio (sem o qual, diga-se de passagem, a democracia não teria prosperado). Não é o tamanho de cada força que conta absolutamente. É a topologia da configuração.
Por que os analistas erram? Talvez o que pese aí é uma abissal falta de experiência prática da política. Os livros não ajudam tanto neste caso.
Tem que ter sido minoria em uma organização e mesmo assim sobreviver manejando a correlação ou introduzindo pequenos desequilíbrios nas configurações. Não se faz isso com a própria força, mas com as alheias…
Se não fosse a política, Péricles estaria morto e enterrado nos seus primeiros cinco anos de vida pública. Se, mesmo sendo minoria, ele e seus amigos e amigas não tivessem conseguido governar Atenas durante o entre-guerras (do final das guerras contra os persas e o início da guerra contra os espartanos), jamais teríamos ouvido a palavra democracia.
Sim, porque em termos de PPA (população politicamente ativa), os oligarcas da aristocracia fundiária e seus comandados eram ampla maioria. E ganharam todas as eleições nos primeiros cinquenta anos da democracia (contados a partir da reforma distrital de Clístenes, em 508 a.C.).
A política é sistêmica. São perturbações introduzidas na periferia dos sistemas estáveis afastados do estado de equilíbrio que podem mudar a direção da resultante dos entrechoques das forças políticas.
Repetindo. O centro democrático liberal de Macron (chamado de republicano pelos franceses) é minoria na França (e em todo lugar). Mas venceu a disputa (eleitoral e política) porque política não é aritmética e sim um particular desequilíbrio introduzido numa dada configuração da correlação de forças. Os democratas, aliás, sempre foram minoria. Mas a democracia só persiste em razão da política.
A vitória de Macron com o resultado de quase 60% dos votos foi fundamental para a democracia: na França, na Europa e no mundo. Foi uma derrota de Putin e de todos os populistas-autoritários como Trump, Orbán e Bolsonaro. Foi uma derrota, também, dos neopopulistas de esquerda, que lamentaram que Mélenchon não tenha passado ao segundo turno: para eles, isso teria sido uma oportunidade de derrotar a liberalismo e o globalismo capitalista. Os i-liberais e majoritaristas, de ambos os lados do espectro ideológico, ficaram insatisfeitos com o resultado. Ainda bem.