Em regimes democráticos a coisa mais difícil para a análise política democrática é perceber, em cada momento, o que é imperativo do ponto de vista da democracia. É saber que não vale tudo – na base da realpolitik – para deter uma ameaça à democracia.
O realismo político não é democrático. Não vale adotar métodos não-democráticos para combater forças políticas antidemocráticas. Considerando que os populismos, hoje, são os principais adversários da democracia (e não mais o comunismo ou o fascismo), não vale se aliar a populistas de um lado para destruir populistas do outro lado. Se valesse, os democratas, em 2018, deveriam ter votado no PT para impedir a vitória de Bolsonaro. Por isso, quem tinha profundas convicções democráticas exerceu sua liberdade de não escolher entre Haddad e Bolsonaro. Não que muitos que votaram em Haddad ou até em Bolsonaro sejam convictos agentes antidemocráticos. Em geral – em maioria nos dois casos – não são. São apenas pessoas que, em princípio, podem preferir a democracia à autocracia, mas que, por falta de convicção democrática – de entendimento da democracia e capacidade de análise – não conseguiram prever as consequências objetivas, para a democracia, da sua opção.
Os que têm profundas convicções democráticas são uma minoria, é claro. Sempre são. Sempre foram. Sempre serão. Se fossem maioria, aliás, nem precisariam existir. Seu papel não é ser maioria, mas atuar como agentes fermentadores da formação de uma opinião pública democrática. Emitindo suas opiniões sobre o que é imperativo democrático – ou seja, sobre o que pode contribuir para assegurar a vigência da democracia que temos e o que pode favorecer a continuidade do processo de democratização em direção às democracias que queremos – os democratas tentam polinizar outras opiniões presentes no debate público a cada momento para democratizá-las. Este é o seu papel precípuo.
Neste momento, divisam-se alguns imperativos democráticos.
OITO IMPERATIVOS DEMOCRÁTICOS DA HORA
1 – Bolsonaro, por si mesmo, não vai mudar de comportamento. Seu comportamento é prejudicial à democracia que temos e contribuem para enfrear a continuidade do processo de democratização. Logo, ele precisa ser parado. Como foi eleito democraticamente, isso deve ser feito por meios pacíficos e legais.
2 – É inútil esperar alguma atitude digna e corajosa de militares ou empresários (e seus economistas, que se proclamam liberais-econômicos, mas não são liberais no sentido político do termo) para parar (desasnar, domesticar ou controlar) Bolsonaro em defesa da democracia. Eles podem até aceitar a democracia e coexistir ou conviver com ela, mas não são democratas convictos e não farão isso.
3 – Parar Bolsonaro não significa, necessariamente, a sua deposição, mas pode significar criar um constrangimento forte o suficiente para que ele pare de fazer o que está fazendo e passe a se comportar como um presidente de todos os brasileiros e não como chefe de uma facção. Não se sabe, porém, até que ponto um vigoroso constrangimento institucional com intenso apoio social será efetivo. Se não for, a única saída é a deposição institucional e legal de Bolsonaro.
4 – Os populismos (digam-se de direita ou de esquerda) são hoje, no Brasil e no mundo, os principais adversários da democracia. Não faz sentido para os democratas, portanto, se aliar à esquerda para combater a extrema-direita: porque ambas são populistas, i-liberais e majoritaristas.
5 – Assim, o populismo-autoritário bolsonarista não pode ser substituído pela volta do neopopulismo lulopetista. Além disso, mais de 13 anos de PT já deu. É irreal imaginar que, depois de tudo o que o partido fez no governo, ele ainda contará como a leniência da população para continuar praticando os mal-feitos que foram interrompidos pelo impeachment.
6 – O PT quer fazer uma frente ampla com os setores democráticos para combater Bolsonaro. Como é hegemonista, quer, na verdade, apenas ganhar esses setores para puxá-los pelo nariz, transformando-os em aliados subordinados que, depois, serão descartados. Que o PT queira lutar contra Bolsonaro é ótimo. Só não pode querer dirigir os democratas e hegemonizar as oposições e a resistência democrática dos cidadãos, usando-as como escada para voltar ao poder.
7 – Quando se dizem democráticos, os populistas de esquerda estão querendo, na verdade, usar a democracia contra a democracia. O PT, até hoje, não fez qualquer autocrítica. Não aprendeu nada e não esqueceu nada. Ainda sonha voltar ao governo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido (para nunca mais sair do governo). Isso não interessa à democracia.
8 – Quando se aproveitam dos mecanismos democráticos, como as eleições, os populistas de extrema-direita também estão querendo, na verdade, usar a democracia contra a democracia. O bolsonarismo sonha estabelecer uma ligação direta entre seu líder e as massas, bypassando as mediações institucionais. Seu projeto antissistema é destrutivo: quer fazer uma revolução para trás, exterminando o que resta de substância liberal na nossa democracia eleitoral, transformando-a em uma autocracia eleitoral.
Por tudo isso é necessário reafirmar. Nem bolsonarismo, nem lulopetismo.