Notas sobre um filósofo de baixo calão
Olavo de Carvalho comete mais de 30 posts por dia no seu perfil do Facebook (e ainda replica tudo em pedaços numerados no Twitter: tem que entrar na timeline dele para poder acompanhar). É uma militância e tanto: dá mais ou menos 3 posts por hora no Face, 1 a cada 20 minutos (tirando as 8 horas de sono, se é que ele dorme). Anteontem contei: foram cerca de 35, só no seu perfil – sem computar suas manifestações nas dezenas de páginas e grupos, alguns abertos por ele e outros por seus seguidores.
Sim, ele tem legiões de seguidores. Se solta um traque, ganha imediatamente 600 curtidas dos fiéis. Mas se fosse só isso e a ex-astrologia (que parece ter praticado no passado), não haveria problema. O diabo é que ele é um dos responsáveis pela difusão do trumpismo no Brasil, contribuindo diuturnamente para demonizar Hillary e Obama (como se alguém por aqui estivesse muito preocupado com esses atores políticos declinantes) e para abrandar quaisquer críticas ao coronel KGB (atual FSB) Waldimir Putin, ditador da Rússia (sim, ele escreveu, e eu li e o leitor comprovará abaixo, que o mundo ficará melhor – do ponto de vista da paz – com a volta de um cenário bipolarizado em torno dos líderes Trump x Putin e isto, sim, é gravíssimo do ponto de vista da democracia).
Olavo é um cara curioso: em seus posts, diariamente, há xingamentos e expressões de baixo calão: sempre aparece um cu da mãe de alguém no meio, ou o próprio cu.
O filósofo de baixo calão chama o Reinaldo de “Arruinaldo Azevedo” e o Marco Antonio Villa de “Marco Antonio Vil”. Há também, entre seus desafetos, um tal “Rodrigo Cocô” que não identifiquei de pronto, depois me disseram que é o Rodrigo Constantino – mas olha aí o cu de novo… Vejam um post de Olavo sobre este último inimigo:
Não sei como ofender as pessoas, deformando seus nomes para chamá-las de ruins, vis ou de cocô – em vez de questionar seus argumentos – pode ser construtivo ou servir a alguma causa humanizante.
Não sou contra o uso de palavrões, não me curvo às imposições do politicamente correto e da comunicação dita não-violenta, mas não consigo encontrar um sentido, vamos dizer, filosófico, para esse costume ou vício olaviano (e nem para essa fixação no cu próprio ou alheio).
Parece, entretanto, que tal estilo insólito atrai vários tipos de idiotas, sobretudo os que querem ser de direita para lutar contra a esquerda e precisam de uma metafísica qualquer para se apoiar. Na falta de elaboradores de narrativas totalizantes, que expliquem tudo, o filósofo Olavo preenche então essa lacuna: agora mesmo vai iniciar um novo curso intitulado “O Esoterismo na História e na Vida Presente”.
Claro que ele pode continuar falando e vendendo o que quiser numa democracia. E as pessoas podem continuar achando interessante e comprando o que ele tem a dizer. Numa sociedade comunista, no reino da abundância sonhado por Karl Marx, seria melhor ainda: livre das obrigações impostas pela escassez, ele poderia até voltar a praticar a astrologia gratuitamente (sem qualquer necessidade de chamá-la de filosofia).
Mas a questão é outra. A questão é que ele se transformou num centro difusor de ideias autocráticas e, com seu jeito de velho professor, está capturando jovens que logo se transformam em analfabetos democráticos.
Em 9 de novembro de 2016, ele publicou no seu perfil do Face:
“Trump e Putin vão restaurar a bipolaridade, e a Comunidade Européia vai tomar no que lhe resta de cu.”
Em outro post (do dia 11 de novembro de 2016, às 14h50) ele – Olavo – escreveu:
“A vitória do Trump significa, na mais modesta das hipóteses, PAZ MUNDIAL. Deve ser uma coisa muito errada mesmo.”
Já analisei esse tipo de influência no post O rebatimento deletério do trumpismo no Brasil.
Reinaldo Azevedo, em 2013, ainda elogiava a obra (e ao que parece, também o exemplo de vida) de Olavo. Foi o que fez no artigo O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Mas depois não aguentou o zig-zag tático nas posições desse filósofo caboclo sediado em Virgínia (USA) e nem os ataques de seus fãs e mudou radicalmente de posição. É o que se pode ler na trilogia O triste fim de Olavo de Carvalho, O “filósofo sujo” e Quem paga Olavo de Carvalho…?
Mas criticar o pensamento de Olavo é arriscado, pois seus seguidores costumam defendê-lo com unhas e dentes. Tem uma galera que quer salvar esse cara do incêndio de qualquer jeito. Uns dizem que ele é extremamente inteligente. Outros, que ele tem uma cultura enciclopédica. Outros, ainda, justificam seus erros e grosserias dizendo que ele foi perseguido. Por fim há os que acham que ele deve ser preventivamente desculpado pelos serviços que prestou no combate o PT.
Mas nada disso justifica nada. Temos, basicamente, nós, os humanos, a mesma inteligência (a não ser nos critérios cretinos de QI) e ela, a nossa inteligência, não aumenta com o tempo (como constatou Harari em Sapiens, ela permanece basicamente a mesma dos caçadores-coletores de 30 mil anos atrás). Cultura enciclopédica também possuíam vários autocratas, genocidas e malfeitores da humanidade. Perseguição mesmo, Olavo não sabe o que é: chega a ser uma ofensa a quem foi realmente perseguido – como eu e muitos outros – tanto pela ditadura militar quanto pelo PT. E, por último, combater o PT e a esquerda não transforma ninguém em democrata ou amigo da liberdade: Franco, Salazar, Pinochet, Videla e Medici também combatiam a esquerda.
É incrível constatar as contorções do pensamento de quem nutre admiração por um mestre. Olavo parece que gosta. Tanto é assim que reproduziu na capa do seu mural aqui no Face: “Olavo de Carvalho é o mestre de todos nós” (do Ives Gandra). O mecanismo que funciona com Olavo, funcionaria com qualquer um que se deixasse ser seguido (ou se construísse para ser seguido) nesses termos. Reinaldo cunhou (não sei se originalmente) o termo ‘aiotolavo’. Desta vez acertou em cheio.
O problema com Olavo não é com suas idiossincrasias, suas manias – nem mesmo com a sua linguagem desagradável que revela, disse alguém em um comentário no Facebook, uma fixação na fase anal – ou sua trajetória esdrúxula: militante de Marighela, astrólogo, seguidor (parece que com o codinome Sidi Muhammad) de Frithjof Schuon, um hierarca ocultista (desenvolvedor da Matrix, hehe) até chegar a ser um autocrata católico anticomunista (que começa pedindo intervenção militar, depois muda para democracia plebiscitária, depois, ainda, acha que o problema não é bem o PT, mas os estamentos burocráticos do sistema político).
O problema com Olavo é que ele assumiu o papel de mestre de autocracia dos jovens brasileiros. E isso deu substância para o surgimento de um tipo de direita hidrófoba que não havia – não pelo menos expressivamente – entre nós. Jovens olavistas, como Felipe Moura Brasil, ajudaram a insuflar tudo isso, estimulando a confecção e exposição de cartazes “Olavo tem razão” nas manifestações pelo impeachment. Ainda que, depois, Olavo tivesse criticado o impeachment e os grupos que o convocavam como o MBL e o Vem Prá Rua (chamando-os de inocentes úteis). Como se vê, Olavo não tem razão.
Deixe seu comentário