Como Marina, ele saiu do PT, mas o PT não saiu dele
O professor marinista Luiz Eduardo Soares publicou um artigo na última terça-feira (12 de abril de 2016) intitulado “Sou contra o impeachment porque penso no dia seguinte”. O texto é educado e bem escrito, mas lamentavelmente frágil e solerte.
Escoimando-se os truques de comunicação não-violenta, o que sobra dos argumentos (ou alegações) do texto é o seguinte:
1 – “Aprovado o impeachment, no dia seguinte, a mídia vai clamar por uma trégua para que o novo presidente possa trabalhar em paz e para que a economia se reequilibre”.
Sim, talvez a mídia faça isso mesmo. Mas e daí? Por acaso Luiz Eduardo acredita – como o PT – que tudo é culpa da mídia broadcasting, atribuindo-lhe o papel – que já perdeu há muito tempo – de condutora de rebanhos? E as mídias sociais, não contam? E a população indignada que saiu às ruas aos milhões (nas maiores manifestações já vistas em nossa história) vai se deixar calar porque a “grande mídia” está fazendo apelos para deixar tudo como está?
Na escrita Luiz Eduardo se revela. Seus argumentos são de alguém que, como Marina, saiu do PT, mas o PT não saiu dele. A forma de pensar permanece basicamente a mesma. Desconhece a sociedade como instância autônoma, tomando-a como massa de manobra da mídia centralizada.
2 – “O ministro Gilmar Mendes, novo presidente do TSE, vai empurrar com a barriga o processo contra a chapa Dilma-Temer, para não desestabilizar o novo governo”.
Ora, ora… Quer dizer então que o atual ministro Tofolli – ex-advogado da liderança do PT na Câmara e de José Dirceu – não está segurando o processo com a barriga? Gilmar, que nem assumiu, faria isto (ao contrário do que tem declarado). Mas se não houvesse impeachment, como quer Luiz Eduardo e Gilmar não assumisse e sim outro, também ligado ao PT, o novo presidente porventura não empurraria o processo com a barriga? Não faz sentido, a não ser como corroboração das alegações petistas de que Gilmar é um agente das elites corruptas, um tucano que, supostamente, não teria interesse em mudar nada para manter o status quo (que vige no Brasil desde Cabral). Além disso, deixa implícito que Gilmar estaria mancomunado na imaginária conspiração dos que querem o impeachment para não mudar nada.
3 – “O ministro da Justiça será forte, fortíssimo, alguém com autoridade para segurar a polícia federal (e atenção, confio na integridade e independência da PF e do MP, mas sei quão poderosas podem ser as pressões e manipulações na contra-mão da vontade dos profissionais)”.
Curioso. Mas se não houver impeachment e o ministro da Justiça continuar sendo o militante petista Aragão, não corremos ainda mais esse risco (uma vez que ele já declarou que pretende mudar o diretor da Polícia Federal e controlar a Lava Jato)?
4 – “A lava-jato vai sair das manchetes e escorregar para as páginas policiais… E boa parte da população, iludida, vai celebrar a derrota da corrupção, como se o PT fosse o único partido corrupto, como se Temer e o PMDB não fossem cúmplices do PT, como se esta gigantesca manobra de Cunha et caterva não tivesse como objetivo justamente neutralizar a lava-jato”.
Novamente aqui Luiz Eduardo Soares revela sua desconfiança das pessoas. Por que a população ficaria iludida novamente depois de ter se desiludido nos últimos dois anos (como mostraram as ruas em 15 de março, 12 de abril, 16 de agosto de 2015 e em 13 de março de 2016 e como estão mostrando as mídias sociais)? Só pode ser porque a sociedade, para ele, é uma massa amorfa de idiotas, gado capaz de ser conduzido pelos discursos oficiais e pela grande mídia.
Mas há algo mais grave neste parágrafo. Ele fala de uma “gigantesca manobra de Cunha” para neutralizar a Lava Jato. Ao que se saiba as manobras de Cunha são para salvar o seu próprio pescoço. Mas Luiz Eduardo dá a entender que o fato de ele ter aceitado o pedido de impeachment de Hélio Bicudo e outros, faz parte de uma “gigantesca manobra”. Ora, este é exatamente o discurso do seu xará, o outro Eduardo, o José Eduardo Cardozo. Este é o discurso do PT. O impeachment estaria sendo conduzido por Cunha, o que é falso como uma nota de 17 bolivianos… Cunha acatou o pedido do impeachment porque cabia a ele, como presidente da Câmara, fazê-lo e porque quis espicaçar o Planalto, que o estava atacando. Cunha, aliás, assim como Temer, o PMBD et caterva, era um queridinho da base do governo.
5 – “Passando o impeachment, fecham-se as tampas para mais mudanças. O Brasil perderá a potência da lava-jato, esse fenômeno único e transformador em nossa história – independentemente de seus erros”.
Essa é ótima. As tampas para as mudanças serão fechadas se o impeachment passar. Luiz Eduardo deve achar que sem impeachment – sob o comando do PT no governo – elas permanecerão abertas. Ademais, o impeachment teria como efeito tirar a potência da Lava Jato. De onde vem isso, contra todas as evidências? Não foram as pessoas nas ruas que elegeram Sergio Moro seu herói e a Lava Jato como um patrimônio do país?
No parágrafo acima há um aposto final que não deve passar despercebido: “independentemente de seus erros”. Quais erros Luiz Eduardo? Diga aí, claramente, se você também acha que Moro exorbitou.
6 – “O país será submetido a um arrocho sem precedentes. Quem pagará o preço, mais uma vez, serão os mais pobres”.
Hahaha! O arrocho não virá se o impeachment não passar? E se não houver o arrocho, quem sofrerá ainda mais com a inflação e a depressão senão os mais pobres? Os pobres já não estão pagando um alto preço pelo desgoverno da economia sob Dilma? Francamente!
A partir daí Luiz Soares faz sua genial proposta:
7 – “O único caminho promissor é o impeachment não ser aprovado, porque, no dia seguinte, todas as expectativas da sociedade se voltarão para o TSE e não haverá a possibilidade do engavetamento. A chapa Dilma-Temer será cassada e haverá novas eleições”.
Nunca vi a não-aplicação de um direito – consubstanciado em uma norma constitucional – ser um caminho promissor. Luiz Eduardo nem discute se a medida é justa, se Dilma cometeu crime de responsabilidade (para não falar dos outros crimes, inclusive o estelionato e a fraude eleitoral) e merece o impeachment. Para ele isso parece não ter tanta importância. A lei, ora a lei… Ele quer eleições de qualquer jeito, para tentar eleger Marina, que se dane o Estado de direito. Aí ele inventa que a não-aprovação do impeachment levará imediatamente ao julgamento do TSE, à cassação de Dilma e de Temer e à novas eleições. Mas se não houver impeachment o PT continuará no governo. E o PT no governo não terá interesse em acelerar o julgamento do TSE que pode cassá-lo. Por que aceleraria? O PT, por acaso, tem vocação para o suicídio? Não pressionaria seus aliados no Tribunal Eleitoral para segurar o processo? Não recorreria ao STF de uma eventual decisão desfavorável do TSE?
O mais grave aqui é que Luiz Eduardo omite de seus leitores a informação de que, postergada a conclusão do julgamento do TSE para 2017, como é mais provável, a eleição do próximo presidente tampão será feita pelo Congresso e não pelo voto popular. Ele quer eleição indireta?
8 – “Portanto, se você quer novas eleições, quer a continuidade da lava-jato e quer um enfrentamento vigoroso, sem tréguas e profundo à corrupção, diga não ao impeachment”.
Esse último trecho destacado é gravíssimo. Ele está tentando nos empulhar com o seguinte: se você é a favor do impeachment, então você não quer novas eleições, quer acabar com a Lava Jato e não quer combater a corrupção. É uma construção, tomada pelo avesso (como muitos leitores automaticamente farão), tão falsa que chega a ser desonesta.
Para finalizar, o militante Soares repete a cantilena petista:
“Não creio que os problemas do Brasil se resumam ao PT”.
Esta frase é reveladora. Nivela a corrupção endêmica dos atores políticos tradicionais com a corrupção sistêmica introduzida pelo PT, cujo objetivo não é apenas locupletar seus agentes e sim financiar um esquema paralelo e criminoso de poder que tem como objetivo conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. Confundir caixa 2 com caixa 3, dizer que sempre foi tudo a mesma coisa, é o que o PT e Lula vêm tentando fazer desde o escândalo do mensalão, em 2005.
Trata-se, claramente, de um texto para embasar a candidatura de Marina à presidente, no qual o autor chega a bradar (em outro trecho não selecionado): “Novas eleições, já”, sob o argumento de que o Brasil está diante da “oportunidade única em sua história de passar a limpo essa classe política degradada, em seu conjunto”.
Tudo bem. Concordemos. O sistema político apodreceu como um todo. Mas se Luiz Eduardo quer mesmo renovar a política por que não fazer uma verdadeira renovação? Eleições antecipadas em 2016? Sim, por que não? Mas para ficar claro que não se trata de um truque para barrar o impeachment, com duas condições: a) elas devem ocorrer depois do impeachment; e, b) nelas não poderão ser candidatos os que concorreram a eleições nos últimos 10 anos. Isto sim seria verdadeira renovação.
Soares topa? Perguntem a ele. É provável que não! Sem Marina, talvez fique mais difícil ser ministro.



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